Fabrício Lima sobre a perseguição de Aécio a 66 twiteiros: é um ataque frontal aos dispositivos do recém-aprovado Marco Civil da Internet

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Não é apenas por 66 perfis

Por Fabrício Lima, especial para o Maria Frô

10/09/2014

Não deu muito tempo das primeiras notícias de que 66 perfis no twitter eram alvo de ataque judicial do presidenciável Aécio Neves até o processo de 30 páginas chegar às minhas mãos. Antes da página 10 eu estava estarrecido. Nem tanto pelas práticas de silenciamento de opiniões divergentes, muito comuns partindo do candidato, mas pelo festival de absurdos redigidos pela agência de advogados paulista Opice Blum.

O processo não é meramente uma retaliação à 66 perfis opositores, é um ataque frontal aos dispositivos do recém-aprovado Marco Civil da Internet.

Para quem não sabe (ou não se recorda) o Marco Civil da Internet é uma lei defensiva de caráter popular que surgiu em resposta à proposta da PL 84/1999 do então senador Eduardo Azeredo (PSDB)*, que foi prontamente apelidada pelos ciberativistas de AI-5 digital ou ACTA/PIPA/SOPA brasileiro. O Marco Civil foi desenhado durante um processo colaborativo onde qualquer cidadão poderia ajudar a redigi-lo.

O resultado das intensas discussões entre distintos setores da sociedade civil resultou em um Marco Regulatório tido como referência mundial e objeto de celebração por nomes como Tim Berners-Lee, Javier Toret e Julian Assange.

Para entender o tamanho da aberração criada por Aécio Neves e seus advogados, precisamos recordar o tripé de princípios básicos fundamentais que pautam o recém Marco Civil da Internet aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidenta da República:

Liberdade na rede: trata-se do direito de que cada cidadão brasileiro poder acessar, criar e compartilhar qualquer tipo de conteúdo (salvo os conteúdos que infrinjam a Constituição Brasileira passíveis de punição nos códigos criminais existentes) impedindo, por exemplo, que conteúdos já divulgados na Internet, que não se caracterizem como ofensivos, sejam retirados do ar antes de uma decisão judicial. Possibilitará que reportagens, documentários e conteúdos de entretenimento continuem disponíveis para acesso de todos.

Privacidade na rede: trata-se da garantia a confidencialidade das mensagens e dados do usuário na rede, obtidos através de cadastros e formulários. As empresas deverão manter essas informações arquivadas por até 6 meses, mas o acesso à elas só poderá ser feito por decisão judicial, como um sigilo telefônico ou bancário.

Neutralidade da Internet: as empresas provedoras de pacotes de Internet passam a não poder mais diferenciar valores de acordo com conteúdos ou páginas acessadas, bem como limitar a velocidade para determinados sites ou ferramentas. Dados são dados, não importa se tratam-se de vídeos, redes sociais, ou qualquer outro tipo. As empresas continuam vendendo pacotes baseados em velocidade, mas o usuário utiliza a Internet como quiser sem restrição por “tipo” de dado. Ou seja, nenhum provedor pode lhe cobrar a mais para você acessar o youtube seja para ver, baixar ou subir vídeos, ou vender pacotes de acesso para você manter um blog ou acessar o Facebook, como as tvs por assinatura fazem com os canais pagos.

Voltando ao processo 1081839-36.2014 movido por Aécio Neves contra 66 perfis do twitter: o ataque ao Marco Civil já começa na segunda folha, quando o requerente Aécio Neves da Cunha requisita ao Twitter Inc, “em até 48 horas sob pena de multa”, os dados cadastrais dos 66 perfis. O artigo 15 do Marco Civil da Internet é bem claro em suas disposições sobre as obrigações do provedor de aplicação. Não cabe ao provedor de aplicação sofrer as retaliações por conta das atividades do usuário em sua plataforma, salvo a recusa de remover conteúdo considerado ilegal após o devido julgamento.

Mas o horror está mesmo na página 9 da peça da Opice Blum, quando a defesa do processo alega que os 66 perfis pretendem “retirar a Neutralidade da Internet, manipular informações e tornar a grande rede um palco para mentiras e crimes contra a honra”. Não vamos aqui entrar no mérito se houve neste trecho uma cavalar dose de má-fé ou um total desconhecimento do terreno de atuação por parte da agência de advocacia (o que é igualmente grave).

O fato é que o conceito de Neutralidade da Internet, como é conhecido internacionalmente desde que Tim Wu, professor Columbia Law School, publicou há 13 anos a sua definição é, exatamente, como consta no Marco Civil, muito longe da definição atribuída por Aécio e seus advogados.

Entre suposições e acusações subjetivas em sua argumentação, o processo impetrado pelo candidato Aécio Neves é um ataque ao princípio da Privacidade, desfigurando o princípio da Neutralidade da Rede para, enfim, derrubar o princípio da Liberdade – princípio este aliás que, dado o histórico, nunca foi o forte do referido candidato.

Nota do Maria Frô: Azeredo para quem não se recorda é o principal acusado do Mensalão Mineiro. Pesa sobre ele acusações de crimes de peculato e lavagem de dinheiro. Em 7 de fevereiro deste ano, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a  condenação de Azeredo a 22 anos de prisão. Ele teria desviado recursos do Bemge (Banco do Estado de Minas Gerais), extinto, e das estatais mineiras Copasa e Cemig para sua campanha à reeleição ao governo de Minas Gerais, em 1998. Em valores atuais, seriam cerca de R$ 9 milhões. Como o processo já no STF, Azeredo renunciou ao cargo para perder o foro privilegiado e o processo voltar à primeira instância, onde corre o processo de outros acusados do Mensalão mineiro que não tinha cargo legislativo. De acordo com a Folha, aliados do senador Aécio Neves (PSDB-MG), à época pré-candidato tucano à Presidência da República, faziam pressão nos bastidores para que o caso do mensalão mineiro não atrapalhasse a campanha.