Em primeiro lugar, preciso dizer que adoro Carnaval. Desde garoto. Sempre me encantaram os sambas, os blocos na rua, a pouca roupa e os quatro dias sem aula, a recolher confetes e serpentinas pelo chão nos bailes matinê.
Mas, não há como fugir, devo confessar que odeio as marchinhas de Carnaval.
Houve um tempo em que eu vibrava, gritando a plenos pulmões “Bicha, bicha”, quando alguém contava a história da cabeleira do Zezé, e fazia coro pedindo sinceridade à Aurora, aquela ingrata.
Mas, de uns tempos pra cá, elas têm me irritado profundamente. São como aquele senhor que repete uma história pela milésima vez, dando sempre a mesma entonação.
É sempre o Zezé, que não sabem se é ou não é, é a menina perdida no deserto do Saara, é a morena que passou perto de mim e que me deixou assim...
Memória afetiva é algo terrível mesmo. Faz com que achemos que uma coisa boa há 40, 50 anos, ainda continue no contexto.
A sequência Me dá um Dinheiro Aí / Mamãe eu Quero / Alalaô /, está para o Carnaval, como Bate o Sino / Noite Feliz / Então, é natal / está para o mês de dezembro.
As marchinhas são a Simone do Carnaval!
A culpa, aliás, pode estar aí: no tradicionalismo.
Está na moda ser tradicional. Não há nada mais original do que tentar – ainda que na marra – manter as coisas como sempre foram.
Mesmo o que era ruim, damos um jeito. Pintamos com cores melancólicas que disfarçam qualquer imperfeição e vendemos a história um pouquinho alterada. “Ouvir marchinhas é relembrar a beleza e a inocência dos antigos carnavais”, dizem muitos.
Por que não se renovam, apenas envelhecem, as coisas podem ser chamadas de belas e inocentes? Como um senhor que aprontou todas na juventude e, hoje, se esconde por trás de belos e irretocáveis cabelos brancos.
Pense comigo: em que década, um homem de cabelo comprido era considerado homossexual? 1920, 1930? De lá pra cá, tanta coisa aconteceu: a moda do cabelo curto, do comprido, os carecas passaram a ser charmosos, vieram os Black Powers e houve uma corrida desenfreada pela máquina zero.
Neste início de século, há quem use presilhas, tranças e chuquinhas, e nem por isso leve fama semelhante.
Que inveja teria o tal Zezé...
E o que dizer da preconceituosa “O Teu Cabelo não Nega”?
“Mas, como a cor não pega mulata, mulata eu quero o teu amor”.
Cor não pega, amigão? Por um acaso é doença? Parou no tempo!
São por essas e outras que eu broxo quando começam as sequências de marchinhas. Aproveito para ir ao banheiro, comer alguma coisa e esperar até voltarem a tocar o samba - esse, sim, sempre se renovando, mantendo-se atual, goste você ou não.
Enquanto isso, espero a turma encontrar o saca-rolha, salvar a menina perdida no deserto e terminar o julgamento do Zezé.
Pobre Zezé...
Por que não se renovam, apenas envelhecem, as coisas podem ser chamadas de belas e inocentes?
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