Hoje cedo o jornalista Antônio Luiz Costa (@aluizcosta) compartilhou este link no twitter. Pedi ao Victor Farinelli pra traduzir, porque temos centenas de exemplos de brasileiros que fizeram o mesmo com os jornalões de nossa mídia tupiniquim.
Não estamos sozinhos em nossa indignação em relação à cobertura da mídia institucional. Tanto aqui como em outros países os jornalões, além de defender o ponto de vista dos políticos e grupos conservadores que os alimentam, passaram, inclusive, a ignorar os principais fatos de seus próprios países.
Publicidade //Carta aberta a Javier Moreno, diretor do El País por Juan Gómez-Jurado, ALTI1040, Tradução para o Maria Frô de Victor Farinelli
25 de julho de 2011, 10:05
Prezado Javier,
Eu me chamo Juan Gómez-Jurado, sou escritor e jornalista. Também era, até hoje, assinante do seu diário.
Não foi uma decisão que gostei de tomar. Sou assinante de outros três diários nacionais. Todas as manhãs, pratico o ritual de lê-los sentado à mesa da cozinha, comparando as diferentes maneiras de apresentar as notícias enquanto os pães se estão tostando e a cafeteira faz a sua parte. Algo que me foi ensinado pelo meu professor de redação, na primeira aula do meu primeiro dia na faculdade. E o que começou sendo um exercício obrigatório, com o tempo foi além, se tornou uma parte de mim tão necessária quanto comer e respirar.
Apesar de a literatura ter me levado por caminhos distantes do jornalismo das ruas, não perdi meus dezesseis anos de experiência nessa profissão. Conheço suas misérias e a servidão que a caracteriza.
Já experimentei ter que acampar nas ruas e ver passar bolsas de cadáveres. Fiz perguntas que não queria fazer, e me calei com muitas outras que gostaria de ter perguntado. Cometi muitos erros e tive alguns acertos. Quando me converti em colunista e comecei a pôr a primeira pessoa do singular em meu trabalho, foi tudo ainda mais difícil. Também vi como artigos redigidos durante horas, buscando o termo justo e preciso, eram destinados ao lixo, porque não rezavam o que defendia a linha editorial do diário onde eu estava. Portanto, eu sei muito bem que vivemos num mundo imperfeito.
Porém, sempre quis formar parte dele. Tenho 33 anos e já tenho cumprido dois terços do sonho que tinha de criança, desde o primeiro dia em que gastei 330 pesetas para comprar as edições daquele dia de El Mundo, ABC e El País, querendo escrever em cada um deles. Hoje, devo dizer que a terceira parte desse sonho já não faz parte das minhas ilusões.
Nunca pensei que viveria o dia em que me avergonharia de ter nas mãos este periódico, mas hoje isso aconteceu. Não entendo como, mas por alguma razão seu critério jornalístico considerou mais importante a diminuição da população espanhola, e o turismo de sol e praia (só para citar duas das informações de menor destaque que vocês colocaram na sua capa de hoje) que a manifestação que, ontem, congregou a milhares de pessoas no centro da capital, vindas de todos os cantos do país, para dizer que as coisas não estão funcionando.
Poderia lhe dizer sobre qual é o espírito por trás do 15M*, poderia explicar sobre o quão cansados estão os espanhóis, cansados dos políticos e daqueles que controlam os políticos como fantoches do poder. Poderia falar sobre fastídio popular diante da incompetência e do desperdício. Do abismo entre pobres e ricos, que dia após dia é mais profundo. Da peste que exala do cadáver dos corruptos, que contamina os escassos ventos de inocência e felicidade que sopram na Espanha. Poderia dizer que, esteja ou não de acordo com os indignados, ontem não houve notícia mais importante em nosso país que o fato de haver tanta gente junta que respira mudanças, pede mudanças, exige mudanças e caminha pelas mudanças. A mesma notícia que estava ausente da sua capa.
Poderia lhe falar de tudo isso, mas seria inútil, porque disso você já sabe.
Ou talvez não. Tenho tentado lhe perguntar isso em sua conta de twitter, o que você nunca responde. Ao que parece, é uma conta que fala mas não ouve. Durante o último mês, respondeu somente a um único tweet, e era de Javier Solana. Curiosamente, alguém poderoso foi o único digno de sua atenção.**.
Dói ainda mais ter de escrever isto, porque o seu diário sempre tratou bem a minha carreira literária. Porque tenho muitos amigos na casa. Porque durante muito tempo o admirei como ícone. Porque lamento como a cada dia os meios impressos se queixam mais por perder audiência para os blogs e para a internet.
Dói, mas é que hoje se fizeram mais pequenos os meus sonhos, e eu tinha que lhe dizer isso.
Um forte abraço, Juan Gómez-Jurado
Notas do Tradutor:
* 15M se refere ao dia 15 de maio, dia em que começou a chamada "primavera espanhola", com os indignados invadindo e acampando na Plaza del Sol, em Madrid).
** Javier Solana foi secretário geral da OTAN nos anos 90, é uma das principais figuras do Partido Socialista Obrero Español (PSOE), o mesmo do atual presidente Zapatero, e cogitado como possível candidato presidencial nas eleições do ano que vem.