Khamenei manda recado para Obama: “Os EUA continuarão a ser derrotados na Região”

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Obama mete os pés pelas mãos e ouve dura resposta de Khamenei “Se Israel, o Bahrain e a Arábia Saudita tremem de medo, os EUA invadem a Líbia e vociferam ameaças contra o Irã.” Por: Kaveh L Afrasiabi, Asia Times Online, Tradução: Vila Vudu

“Os EUA continuarão a ser derrotados na Região” – disse o Líder Supremo do Irã Aiatolá Seyed Ali Khamenei, em discurso nas comemorações do Ano Novo persa, um dia depois de “nova mensagem de ano novo” do presidente dos EUA Barack Obama, a qual, objetivamente considerada, foi como uma declaração de guerra à República Islâmica do Irã.

Acusando os EUA de apoiarem ditadores até o último minuto, e de, hoje, estar tentando criar uma guerra sectária entre xiitas e sunitas, para perpetrar a influência dos EUA no Oriente Médio, Khamenei descreveu Obama como ignorante, confuso e mal informado, por ter comparado as massas iranianas na praça da Liberdade em Teerã em 2009 e os manifestantes egípcios na praça Tahrir em janeiro passado. Khamenei lembrou à Casa Branca que os iranianos há décadas reúnem-se naquela praça para celebrar sua revolução. E que o slogan da revolução popular iraniana é “morte aos EUA”.

Khamenei comentou também a política interna dos EUA. Acusou Obama de estar vendendo o país à grande finança do mundo e de ser indiferente aos sofrimentos pelos quais passam os trabalhadores e os mais pobres nos EUA, aos quais não dá qualquer atenção e dos quais jamais fala. Foi resposta quase item a item ao discurso de Obama no Nawruz, ano novo persa, discurso no qual Obama destacou manifestações de jovens iranianos contra o regime. Essa é a estratégia da propaganda dos EUA, que o governo Obama está seguindo aplicadamente e que em boa parte depende de algumas organizações de iranianos nos EUA.

No discurso do Ano Novo persa dirigido aos iranianos e distribuído no domingo pela Casa Branca, Obama disse:

 

Creio que há alguns valores universais – a liberdade de reunir-se pacificamente, a liberdade de associação; o direito de falar o que se pensa e de eleger os próprios governantes. Mas também sabemos que esses movimentos de mudança não são só os que temos visto nos últimos meses. As mesmas forças de esperança que apareceram na Praça Tahrir também se viram na Praça Azadi [Liberdade] em junho de 2009. (...)

Até agora, o governo iraniano só respondeu com provas de que dá muito mais importância à preservação do próprio poder do que ao respeito aos direitos do povo iraniano (...) 60% dos iranianos nascidos depois da revolução de 1979 têm o direito de forjar um país conforme às suas aspirações (...). Embora haja tempos difíceis à frente, quero que os jovens iranianos saibam que estou com eles.” A parte talvez mais importante do discurso de Khamenei teve a ver com a Líbia, país à beira de uma guerra civil e que sofre sob intervenção militar estrangeira, feita sob o pretexto de implantar uma zona aérea de exclusão por decisão da ONU. Segundo a agência France-Presse, Khamenei disse, em transmissão ao vivo da cidade santa de Mashhad:

O Irã condena veementemente o comportamento do governo líbio contra o povo, a morte de civis, a pressão contra a vontade do povo, o bombardeio de cidades líbias por líbios. Mas o Irã também condena veementemente a ação militar estrangeira na Líbia. Os EUA e outros exércitos ocidentais dizem defender o povo. Mas não se defende o povo com operações militares de exércitos estrangeiros, nem com invasão e intervenção militar. A Líbia foi invadida. Nenhum dos exércitos estrangeiros que hoje invadem a Líbia lá está para defender o povo. Vocês estão à caça do petróleo líbio. Khamenei disse também que os EUA e outros exércitos ocidentais desejam cavar para eles um espaço no país, de onde possam monitorar os regimes do Egito e da Tunísia. As palavras mais fortes, contudo, Khamenei reservou à própria ONU, que acusou de estar convertida em instrumento do ocidente. Denunciou a resolução n. 1.973 do CSONU, sobre a Líbia, como “grande vergonha” para a ONU.

O discurso de Khamenei teve muito eco e foi importante na Região, porque trouxe à tona, em termos claros e transparentes inúmeras questões chaves que circulam na sociedade iraniana ainda cercadas de muita ambiguidade e mascaradas como se fossem algum “dilema político”.

Ano passado, Khamenei fez questão de responder a uma das muitas cartas que Obama enviou-lhe em 2009. Em 2011 já não manifesta qualquer interesse em investir muito na possibilidade de qualquer tipo de detentecom os EUA. Há dois anos, quando da primeira mensagem de ano novo, foi como se Obama estendesse um pequeno ramo de oliveira e estivesse prometendo política de engajamento, sem ameaças. Na ocasião, Khamenei respondeu que ninguém no Irã jamais dissera que haveria animosidade eterna contra os EUA. Disse que sempre que o Irã visse sinais tangíveis de que os EUA tivessem “mudado de atitude”, haveria sinais recíprocos, de Teerã.

Dois anos depois, aqueles sentimentos positivos de ambos os lados parecem muito distantes, superados por uma maré de eventos que separaram cada vez mais EUA e o Irã.

Resultado disso, os EUA voltam à velha tática de “mudar regimes”, tão aplaudida em Telavive, e esperam capitalizar a atração que Obama exerce sobre jovens iranianos. Mas a pergunta que afinal veio à tona, depois de Obama ter radicalizado o discurso de provocação na mensagem de 2011 (“o futuro do Irã não será modelado pelo medo”, disse Obama) é: “mas... por que o futuro do Irã teria de ser modelado pelas políticas do Tio Sam”?!

“O tom paternalista de Obama lembrou aos iranianos a linguagem imperialista que vários outros presidentes dos EUA usavam ao falar sobre o Irã. Alguém deveria lembrar ao Sr. Obama que ele não foi eleito presidente do mundo” – disse um professor da Universidade de Teerã, que preferiu não ser identificado.

Segundo esse presidente, a maioria de seus colegas e alunos considerou “um insulto” a recente mensagem de Ano Novo, de Obama. “Não passa de propaganda política, vinda de um presidente acossado por novas e cada vez mais poderosas ameaças que se erguem contra os interesses dos EUA no Oriente Médio. Se Israel, o Bahrain e a Arábia Saudita tremem de medo, os EUA invadem a Líbia e vociferam ameaças contra o Irã.”

Para o professor, já ninguém acredita que os EUA tenham qualquer preocupação sobre direitos humanos, nem no Irã nem em lugar algum. Assim fosse, muito teriam a preocupar-se com a violenta repressão contra manifestantes desarmados no Bahrain. “Nenhum direito humano violado no Bahrein tira o sono dos EUA”, disse o professor. “Os EUA só se preocupam, mesmo, com violações à segurança da 5ª Frota ancorada no Bahrain”.

Khamenei levantou mais ou menos a mesma questão no discurso de Ano Novo. Perguntou por que os EUA não consideram “a presença de tanques sauditas no Bahrain”, como evidência de intervenção violenta, mas “pretendem que a objeção de líderes religiosos aos massacres no Bahrain seriam sinal de alguma intromissão do Irã”?

A secretária Hillary Clinton também enviou mensagem de Ano Novo aos iranianos. Disse que “Festejamos as demonstração pacíficas em defesa dos direitos e da dignidade humana em quase toda a região”. Clinton até hoje jamais se manifestou e nada fez contra a violenta repressão às manifestações de cidadãos desarmados no Bahrain, limitando-se a muito tímidos pedidos de que os governantes do Bahrain mostrassem uma “moderação” que eles jamais mostraram.

No momento em que aviões dos EUA e mísseis cruzadores dos EUA chovem sobre a Líbia, dando cada vez mais munição para que Muammar Gaddafi continue a matar cidadãos líbios, a inação dos EUA em relação ao Bahrain é como maná caído dos céus para os líderes iranianos. Poucas vezes encontraram fonte tão farta de argumentos para se autolegitimar. É erro dos EUA, não de Khamenei, que os EUA lhe ofereçam tão perfeito exemplo da hipocrisia e da falsidade do discurso político dos EUA.

Resultado disso tudo, o novo ano persa promete mais, não menos, hostilidade entre EUA e o Irã. Não se vê no horizonte qualquer sinal de acomodação entre os interesses do Irã e dos EUA. Arma-se nova guerra fria a ser disputada em múltiplos palcos em todo o Oriente Médio.