____________ PublicidadeO sonho da OTAN: guerra civil na Síria
Pepe Escobar, Asia Times Online
, Tradução: Vila Vudu14/11/2011
Até os grãos de areia do deserto sírio já sabem que não aparecerá em Damasco nenhuma intervenção “humanitária” posta em prática pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), para provocar “mudança de regime”. Na Síria, nenhuma guerra longa, à moda da guerra feita contra a Líbia, é exequível (apesar de a Casa de Saud, amantes impolutos da democracia, já se ter oferecido para pagar a conta, sem limites de gastos).
Mas o nevoeiro de guerra iminente lá está e permanece impenetrável. O que, afinal, a OTAN está fazendo na Síria?
Já se sabe (2/12/2011, Pepe Escobar, “Guerra de sombras na Síria”) que a OTAN já instalou um centro de controle e comando na província de Hatay, sul da Turquia – onde comandos britânicos e a inteligência francesa estão treinando um sinistro Exército Síria Livre [ing. Free Syria Army (FSA)]. Objetivo? Fomentar uma guerra civil que envolva o norte da Síria.
Agora veio a confirmação, pelo blog de Sibel Edmonds[1], conhecida por denunciar práticas ilegais do FBI (USA Federal Bureau of Investigation): pode estar já em curso um movimento de pinça, envolvendo a Jordânia.[2]
Edmonds cita fontes locais segundo as quais “centenas de soldados que falam outras línguas além do árabe” estão-se “deslocando, ida e volta (...) entre a base aérea Rei Hussein em al-Mafraq” e “cidades jordanianas próximas da fronteira”.
Edmonds sustenta que nada disso está sendo noticiado pela imprensa norte-americana, por efeito de proibição absoluta vinda ‘de cima’, a qual, em teoria, expirou ontem [3ª-feira, 13/12 (NTs)]. E nem adianta perguntar ao rei Abdullah da Jordânia.
A base em al-Mafraq está virtualmente sobre a fronteira, em Dar’a. E nos últimos tempos tem havido muito movimento em Dar’a – epicentro do movimento contra o presidente Bashar al-Assad. No que tenha a ver com a agência síria de notícias Sana, soldados das forças de segurança ali têm sido rotineiramente assassinados por “gangues de terroristas”. Para os “rebeldes”, os assassinos são valentes, heróicos e patrióticos desertores que atacam linhas de suprimento do exército regular sírio.
Partamos para o plano B
Ao adotar esse movimento de pinça, a OTAN-na-Síria começa a modificar a estratégia adotada no Iraque-nos-anos-1990s: agora a OTAN tenta cercar a Síria, enfraquecê-la com sítio prolongado e só depois, eventualmente, partir para a matança.
A questão é que, por mais que a OTAN peça um milagre a Alá, que mude o mundo, a Síria não é a Líbia. É menor, muito mais compacta, muito mais densamente povoada e com exército de verdade, testado em combate. Além de estarem hoje bastante separadas uma da outra pelo eurodrama em andamento, as duas ex-potências coloniais, Grã-Bretanha e França, já aprenderam que têm tudo a perder, economicamente, se se deixarem arrastar para a loucura de uma guerra convencional.
Quanto ao baluarte da oposição síria – o Conselho Nacional Sírio [ing. Syrian National Council (SNC)] – é piada. O SNC é formado por maioria da Fraternidade Muçulmana, com pitadas de curdos. O líder, Burhan Ghalioun, é conhecido oportunista que vive exilado em Paris e goza de credibilidade-zero (na opinião dos cidadãos sírios médios); mas, em entrevista publicada recentemente no Wall Street Journal, Ghalioun já tomou o cuidado de pronunciar todas as frases certas para acalmar o lobby israelense (fim dos laços com Teerã, nada de apoiar o Hezbollah no Líbano e o Hamás em Gaza).
O Exército Síria Livre tem dito que conta com 15 mil desertores do exército regular. Mas está infectado também de mercenários e de bandos descritos como gangues armadas. O Conselho Nacional Sírio é, em tese, organização antiguerrilha. Mas guerrilha é, precisamente, o que o Exército Síria Livre está praticando ativamente, atacando soldados do exército regular sírio e comitês do partido Ba’ath.
A tática chave do Conselho Nacional Sírio, por hora, é vender à opinião pública ocidental o perigo “potencial”, à moda da propaganda contra Gaddafi, de um massacre em Homs, que estaria prestes a acontecer. Poucos estão comprando a ‘notícia’ – além, é claro, dos suspeitos de sempre, na imprensa-empresa corporativa, barulhenta. Embora ambos tenham base em Istanbul, o Conselho Nacional Sírio e o Exército Síria Livre não conseguem fazer coisa com coisa, de modo coordenado. Agem como versão letal dos Três Patetas.
E há também a Liga Árabe, atualmente controlada pelos Oito Patetas: as seis monarquias do Conselho de Cooperação do Golfo, também conhecido como Conselho Contrarrevolucionário do Golfo, GCC, plus Marrocos e Jordânia, também do CCG, como “convidados”. Os patetas são subcontratados do Grande Oriente Médio da OTAN, hiper turbinados. Mas ninguém pergunta onde estavam os patetas quando Beirute e o sul do Líbano foram destruídos em 2006, e quando Gaza foi destruída em 2008 – nos dois casos, por Israel. Os patetas não se atrevem a questionar o direito divino do eixo EUA/Israel sobre tudo e todos na região.
Já há algum tempo, as táticas da OTAN na Síria estão absolutamente visíveis. A França, comandada pelo neonapoleônico Nicolas Sarkozy, Libertador da Líbia, concentra-se em hiper turbinar a escalada da guerra. Ao mesmo tempo, Paris tenta implantar a ideia de que o crescimento em avalanche da Fraternidade Muçulmana em todo o mundo árabe seria estratégia que interessaria ao ocidente – para reduzir a influência do Irã.
E há o bloqueio econômico em andamento – impossível sem a cooperação do Iraque (que não acontecerá); do Líbano (que não acontecerá) e da Jordânia (que talvez aconteça, mas a Jordânia mais perde que ganha, se concordar).
Contudo, o sonho erótico da OTAN é, isso sim, forçar a Turquia a fazer o serviço mais sujo. Irrecuperavelmente falidos como estão, os países da OTAN – inclusive os EUA – simplesmente não podem inventar outra guerra no Oriente Médio, que lançará à estratosfera os preços do petróleo.
Mas a OTAN não pode arriscar-se a ver re-explodir no Iraque uma guerra sectária entre sunitas e xiitas. Se acontecer, o único paraíso seguro seria o Kurdistão iraquiano. Mas isso fortaleceria a unidade do Kurdistão – que se estende do Iraque à Síria, da Turquia ao Irã. Se acontecer, a Turquia estará convertida em peixe posto para carbonizar na grelha, sem qualquer condição para meter-se numa guerra na Síria.
O jogo duplo da Turquia
Fato é que o maior imponderável nesse complexo tabuleiro é a Turquia – e o que foi feito da muito elogiada política de “zero problemas com os vizinhos”, concebida pelo ministro Ahmet Davutoglu das Relações Estrangeiras.
Ante a impotência de Riad, e com o Cairo em torvelinho, Ankara parece ter monopolizado a bandeira da liderança sunita – guardiães da ortodoxia sunita, à frente dos hereges xiitas, a maioria dos quais são iranianos (mas também os que vivem no Iraque, os alawitas na Síria e o Hezbollah).
Ao mesmo tempo, para agradar à OTAN e aos EUA, Ankara permite a instalação de mísseis de defesa em território turco – o que é ataque direto não só contra o Irã mas, também contra a Rússia. Para nem comentar que Ankara acalenta o desejo – proibido – de “resolver” por bem a questão curda, estabelecendo uma zona autônoma em território sírio.
E Ankara também quer fazer dinheiro: na Líbia, os vencedores foram os interesses do petróleo britânico e francês; e italianos e turcos perderam. Mas a Turquia continua a perder, sobretudo em Hatay, província próxima da fronteira síria, dado que o acordo de livre comércio entre os dois países foi cancelado.
Para desespero do ocidente, o regime de Assad não dá qualquer sinal de enfraquecimento. Para equilibrar os efeitos do violento pacote de sanções da Liga Árabe/Turquia, a Síria acelerou o comércio com a China – ignorando e contornando o sistema financeiro internacional.
Não surpreende que Washington esteja adotando abordagem “de longo prazo”.[3] Já despachou para Damasco o embaixador Robert Ford – ex-assistente do sinistro ex-desestabilizador da Nicarágua John Negroponte quando embaixador em Bagdá, e hoje entusiasta da contrarrevolução da Casa de Saud.
Ford terá tempo de sobra para trocar e-mails com uma oposição síria que mantém hoje relações carnais com a França, ex-potência colonial. Em matéria de festival dos Patetas: Ford é homem perfeitamente capacitado para conquistar verbete próprio nos anais da infâmia, no Oriente Médio.
[1] Sibel Deniz Edmonds é turco-norte-americana. Trabalhou como tradutora do FBI, até ser demitida, em 2002, por ter denunciado atividades ilegais do FBI, que vigiava ilegalmente cidadãos estrangeiros, e quebras na segurança da agência que, para ela, criavam riscos à segurança dos EUA [de http://en.wikipedia.org/wiki/Sibel_Edmonds (NTs)].
[2] O relatório está aqui. Uma entrevista com o jornalista sírio, aqui [NTs].
[3] Orig. “long-haul” approach. A expressão surgiu durante o governo de Eisenhower (1953-1961), para designar um tipo de planejamento da segurança nacional dos EUA orientado para manter nível mais ou menos constante de prontidão, que variaria conforme variasse a economia dos EUA. Para Eisenhower, não haveria períodos mais seguros ou menos seguros nas relações com a União Soviética; e orientou os planejadores a analisar a ameaça soviética sob dois pontos de vista: econômico e militar. Em suas palavras, desejava evitar “dar peso excessivo à segurança, a ponto de gerar desastre econômico” (mais, sobre isso, aqui [NTs]).
Pepe Escobar: O sonho da OTAN: guerra civil na Síria
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