Dinheiro pelo ralo: Unesp gasta R$ 15 milhões com TV fantasma
Verba foi liberada pelo atual secretário estadual de Educação, Herman Voorwald, ex-reitor da universidade, para emissora que só existe no papel
Fernando Zanelato, no Diário SP
10/01/2011, 19h19A Universidade Estadual Paulista (Unesp), mantida pelo governo do estado, já gastou R$ 15 milhões em uma emissora de TV que na realidade não existe.
A TV Unesp, que deveria ser a primeira emissora universitária digital do país, tem hoje cerca de 60 funcionários, equipamentos de última geração e uma série de denúncias de mau uso do dinheiro público nos quase quatro anos de "vida".
Todos os repasses de verba foram autorizados pelo novo secretário estadual de Educação, Herman Voorwald, que até o dia 31 de dezembro era reitor da universidade. Foi Voorwald que afastou o diretor da emissora, Antonio Carlos de Jesus , e abriu um processo contra ele para apurar as denúncias, entre elas a contratação irregular de parentes.
Só de aparelhagem, mobiliário e material permanente foram consumidos mais de R$ 13 milhões. Nenhum conteúdo, porém, foi produzido oficialmente desde o início dos trabalhos. A equipe contratada, através de concurso público, em 2009, oficialmente, faz programas pilotos. Na prática, no entanto, passa o dia à frente de computadores sem produzir nada ou com trabalho inútil, segundo os próprios profissionais admitiram ao DIÁRIO.
Instalada em Bauru (a 330 quilômetros da capital), a TV preferiu comprar um imóvel fora do campus da universidade ao construir uma sede própria. Foram R$ 529,5 mil só de obras, reformas e instalações da nova sede. O DIÁRIO apurou, porém, que a emissora será remanejada para dentro do campus. A data da mudança não está confirmada, mas ela já é dada como certa. E, claro, vai consumir mais dinheiro com a construção de novo local ou adequação de prédios já existentes.
Sem autorização/ Outros contratos da emissora consumiram mais R$ 518,5 mil. Só com salários dos profissionais que trabalham hoje na emissora - jornalistas, técnicos e pessoal de apoio - são gastos cerca de R$ 210 mil por mês. Todo esse dinheiro parou na falta de homologação para a emissora entrar no ar.
Apesar de o ex-diretor Antonio Carlos de Jesus ter colocado datas para a estreia por várias vezes, ele só obteve autorização em 23 de fevereiro de 2010.
O Ministério das Comunicações informou que o contrato de transmissão é válido por 15 anos e que a emissora tem até três anos para entrar no ar. Ou seja, mesmo consumindo muito dinheiro desde 2007, a TV Unesp poderá ficar inativa por mais dois anos.
A ex-diretoria da TV, também com a anuência da reitoria, contratou ao menos dez funcionários que não tinham sido aprovados no concurso público para cargos de chefia. Apesar de não haver irregularidades, todos foram demitidos após a intervenção na emissora. Algumas tinham forte ligação com Jesus ainda quando ele lhes deu aula. Equipamentos desapareceram
A nova direção da TV Unesp, que cumpre um mandato tampão, registrou Boletim de Ocorrência logo após assumir a emissora, no final do ano passado, pelo sumiço de dois aparelhos importados. Os preços desses equipamentos não foram divulgados.
O furto só foi percebido por uma consultoria em engenharia de telecomunicações contratada pela Unesp para reavaliar o projeto de implantação da emissora. Não havia até então sequer um detalhamento de tudo o que foi comprado pela antiga direção.
Em outro BO, funcionários demitidos são acusados de apagar e copiar arquivos. Em uma carta, os servidores que continuam trabalhando relatam a precariedade da TV e como ela era chefiada até então. "O dinheiro é público e vai para o ralo todos os dias", dizem.
Logo após o início do processo, o ex-diretor da TV, Antonio Carlos de Jesus, entrou com pedido de aposentadoria, mas retirou o ofício logo em seguida. No início de dezembro, o juiz Henrique Rodriguero Clavisio, da 10ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, negou pedido para suspender a sindicância e reconduzir Jesus ao cargo.
Os advogados dele alegam que seu cliente foi afastado sem a devida publicação no Diário Oficial, apesar dele ter assinado, na sede da reitoria, em São Paulo, a notificação do processo.
Ele também é acusado de contratar o filho, Daniel Brito de Jesus, para trabalhar na TV. Daniel admite ter prestado serviços para a emissora da Unesp, mas sempre na condição de coloborador. No seu site pessoal (www.danielbrito.com.br) ele coloca entre seus clientes a TV Unesp.
"Foram horas e atividades doadas diretamente ao meu pai, onde (sic) sempre colaborei em suas grandes e audaciosas realizações. Qualquer outra versão é meramente especulação", diz Daniel, em nota.
Através da assessoria de imprensa, a Unesp admite que desde março de 2009, quando a equipe foi contratada, "muito pouco foi feito na produção de conteúdo". Segundo a reitoria , o projeto original prevê, "através de redes repetidoras, produção de material com foco na divulgação científica da universidade, além de servir para suporte em cursos para professores da rede pública e extensão cultural." Na prática isso está longe da realidade.
A reitoria não dá detalhes do processo administrativo para não prejudicar a conclusão do trabalho, o que deve acontecer até o fim de janeiro. Jesus não quis falar com o DIÁRIO.
foto: Cristiano Zanardi/Agência BOM DIA
Mistério: mesmo com vigilância 24 horas na sede, a TV Unesp registrou furto de dois equipamentos e a nova direção acusa ex-servidores de apagar arquivos
USP também mantém canal e projeta nova rede no interior
No ar desde 1997 no Canal Universitário de São Paulo (CNU), a TV USP, da Universidade de São Paulo, iniciou no ano passado um ambicioso plano de criar uma rede de televisão no interior do estado. Três núcleos já estão funcionando, mesmo de forma precária, em Bauru, Piracicaba e Ribeirão Preto. O projeto prevê este ano a abertura de novos "canais" em Pirassununga, São Carlos e Lorena. O custo dessa ampliação não foi divulgado pela direção da universidade, nem o orçamento de 2010 e o previsto para 2011.
A sede da TV USP, em São Paulo, tem cerca de 30 profissionais contratados, mas praticamente a metade é estagiários. Essas pessoas produzem sete programas, exibidos - e repetidos - durante as três horas diárias que a USP tem direito na programação do CNU - ela divide o canal com mais sete universidades ou faculdades. Por lei, a TV USP poderia receber apoios culturais, mas, sem medição de audiência e transmitida somente na TV a cabo, nem isso a emissora consegue.
Tribunal de Contas investiga compras de R$ 7 milhões sem licitação
Do total gasto pela Unesp com equipamentos, cerca de R$ 7,1 milhões foram investidos em compras sem licitação. O processo é investigado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Os aparelhos digitais foram adquiridos de uma empresa, mas as notas fiscais foram emitidas em nome de outra.
Pouco mais de três anos após assumir o comando da TV Unesp, o professor Antonio Carlos de Jesus perdeu o cargo em setembro. Apesar da reitoria da Unesp, em tese, controlar a emissora, todo o projeto foi feito por Jesus, segundo pessoas que participaram da implantação da emissora. Por isso ele teve carta branca para gastar como bem entendeu.
Jesus responde processo administrativo pela quebra de um equipamento importado chamado Maestro, essencial para transmitir o sinal da TV. O valor de R$ 260 mil não estava coberto pelo seguro e, sem maiores explicações, foi autorizada a compra de um novo componente. As dúvidas aumentaram quando o primeiro Maestro voltou a funcionar após Jesus deixar a emissora.
Ex-reitor, atual secretário da educação de SP, joga verba pública pelo ralo
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