A foto é o que mais me chama a atenção. Como Leonardo Bento, um dos jovens da reportagem abaixo, nós aprendemos a ver a polícia como um grupo desumano. E gostaríamos de aprender a enxergá-la de outra forma.
A reportagem do New York Times sobre as UPPs Tradução reproduzida do Viomundo 11 de outubro de 2010
RIO DE JANEIRO – Leonardo Bento desejava vingança depois que um policial matou seu irmão de cinco anos de idade. Então, quando ele ouviu que a nova unidade de polícia pacificadora na favela da Cidade de Deus estava oferecendo aulas de karatê sem cobrar nada, Sr. Bento se inscreveu, esperando que ao menos começasse a bater no instrutor de karatê.
Mas o inesperado aconteceu. Eduardo Silva, o instrutor de polícia, conquistou-o [Sr. Bento] com humor e um aperto de mão. “Eu comecei a perceber que o policial na minha frente era apenas um ser humano e não o monstro que eu tinha imaginado,” Sr. Bento, 22, disse.
Anos de ódio e desconfiança estão descongelando em algumas das favelas mais violentas do Rio. Forçados a aliviar problemas de segurança da cidade antes do duplo xeque-mate no palco mundial – a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 -, oficiais do Rio embarcaram no ambicioso plano de acabar com o controle das favelas das implacáveis gangues lideradas por traficantes, que comandaram o terror por anos com o auxílio de armas de guerra.
Os “oficiais da paz” são o centro do esforço, tomando controle depois da polícia militar limpar as ruas em batalhas armadas que podem durar semanas. O trabalho deles é metade um esforço militar tradicional, metade trabalho social. Eles se dedicam a conquistar os moradores assustados por décadas de violência – em algumas ocasiões por causa da polícia. E as dicas dadas por aqueles que apoiam o esforço, oficiais dizem, ajudam-nos a manter a paz.
Por décadas, a Cidade de Deus – cujo passado brutal foi imortalizado num filme de 2002 – foi um dos bairros mais temidos da cidade, tão perigoso que até mesmo a polícia raramente ousava entrar.
Aqueles dias parecem um passado distante. Tráfico de drogas ainda existe, e ao menos numa área, visitantes só podem entrar com permissão de jovens residentes que patrulham a área.
Entretanto, os homens com grandes armas já se foram, ou pelo menos entraram na clandestinidade. E a vida está voltando à normalidade nas ruas.
As crianças agora brincam nas ruas sem medo de balas perdidas. Eles pulam cordas e jogam tênis-de-mesa com raquetes feita de telhas. Jogos de futebol, antigamente um fato perigoso, tem se tornado algo mais civil, e agora até policiais se juntam à equipes.
Mas após quase dois anos depois da primeira unidade de polícia chegar, muitos moradores nesta comunidade de 120.000 pessoas ainda luta para aceitar que os 315 policiais trabalhando em turnos de 12 horas ao seu redor já não são mais inimigos. Outros acolhem a paz, mas ainda desconfiam, temendo que a força policial – formalmente chamada “Unidade de polícia pacificadora” – saia depois que as Olimpíadas terminem.
“Ninguém gosta de nós aqui,” Oficial Luis Pizarro disse durante uma recente patrulha noturna. “Pode ser frustrante às vezes.”
Oficial Pizarro e dois outros oficiais faziam ronda ao longo de um estreito rio cheio de lixo e cheirando a excrementos humanos e animais. As famílias se reuniam ao redor de fogueiras improvisadas. Mulheres dançam samba enquanto os homens bebem cachaça, a bebida brasileira feita da cana. Quase ninguém acenou ou cumprimentou os oficiais, que chegaram por um corredor cheio de papéis coloridos utilizados para embalar crack e cocaína.
“Lá vai a Tropa de Elite,” disse um homem encostado na porta, rindo enquanto os três policiais iam embora.
A hostilidade não é difícil de compreender. Por décadas, oficiais do governo se recusaram a tomar a responsabilidade das favelas, e enquanto gangues de traficantes construíram trincheiras de armas, tornou-se difícil para a polícia entrar na favela sem confronto. Os moradores culpavam a polícia pelo abandono, e xingavam-nos pela brutalidade que marcavam as suas invasões sangrentas.
Sem a presença policial diária, os serviçoes da cidade penavam, e doutores e outros profissionais começaram a evitar a favela por motivos de segurança. Traficantes líderes de gangues se tornaram juíz e júri.
“As pessoas não tinham coragem” de retomar a favela, disse José Mariano Beltrame, que se tornou Secretário de Segurança Pública no Rio em 2007. “As pessoas preferiam empurrar a poeira para debaixo do tapete para evitar o confronto com o problema.”
As favelas raramente se entregam sem luta. Ao menos oito pessoas morreram na Cidade de Deus em 2008 nas primeiras investidas policiais. Espera-se que essas batalhas se espalhem à medida que a polícia entre em novos bairros. Até agora, eles já instalaram 12 unidades pacificadoras, cobrindo 35 comunidades. Mas Sr. Beltrame planeja estabelecer unidades em 160 comunidades até 2014, incluindo favelas como Rocinha e Complexo do Alemão, que são maiores do que Cidade de Deus.
Numa recente noite de domingo, uma dúzia de homens andavam livremente pela Rocinha com rifles e armas de guerra. Um deles carregava um lançador de granadas.
Por Alexei Barrionuevo Contribuição de Myrna Domit Tradução Fernando Teruo
10 de Outubro, 2010. The New York Times