Migliaccio: O Aborto

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Por: Marcelo Migliaccio

11/10/2010

Todo mundo é contra o aborto.

A começar pela mulher que recorre a essa violência, macula seu corpo e despedaça sua alma.

Ninguém engravida premeditando abortar. Arrancar um filho do próprio ventre é antes de tudo um ato de desespero.

Desde pequenas, as meninas são criadas para serem mães. Seu primeiro brinquedo é uma boneca, seu primeiro papel, o de uma mãe zelosa. Entre essa brincadeira infantil e o bisturi de um aborteiro clandestino, muita coisa acontece para que o sonho se transforme num pesadelo.

Mesmo vítima de si mesma e das circunstâncias, a mulher flagrada num desses matadouros pode pegar três anos de prisão. O médico, que ali também renega a essência de seu juramento de formatura, ficará preso no máximo quatro carnavais.

Se não morrer durante a cirurgia e nem for presa, a mulher vai carregar para sempre aquela chaga, a lembrança de ter interrompido uma gravidez, que é o maior dos milagres da vida.

Acho que o estado deve priorizar a redução de danos. Já que vivemos num estado laico, interpretações religiosas não cabem no julgamento da questão. Dispensa-se a verborragia dos pastores hipócritas e fingidos que proliferam na internet e nos horários pagos das TVs. A pobre coitada que entrega-se ao bisturi assassino de um açougueiro qualquer já tem problemas demais para ser julgada por um salafrário de Bíblia na mão. E olhe que aquele mesmo livro diz que viemos aqui para ser julgados e não para julgar, versículos que esses exploradores da fé alheia ignoram do início ao fim de seus sermões.

Agora, os pastores têm companhia de outra raça de oportunistas, os jornalistas papagaios de patrão. Doidos para agradar seus senhores de engenho, eles decidiram que podem atacar a primeira mulher a se aproximar da Presidência da República usando esse tabu religioso. Vai aí uma amostra da imagem que fazem do eleitor brasileiro: um selvagem que tem medo de vodu e que acha que se fizer besteira não vai para o céu. Alguém que vai rejeitar uma candidata porque ela, supostamente, contraria um dogma religioso.

O adversário sonso não ataca diretamente a oponente por esse flanco, porque tem vergonha de usar sua principal arma e deixa isso para a turma do trabalho sujo. Tentaram coisa semelhante com Lula em 1989. Naquela vez, só mudava o candidato, que era o Collor, mas a mídia aliada era a mesma. Levaram para a TV uma ex-namoradada de Lula, que o acusou de tentar forçá-la a abortar a filha de ambos.

Agora veja só: a mesma TV que promove a apologia ao sexo 24 horas por dia em sua programação, que incentiva crianças à sexualização precoce com suas apresentadoras e seus programas erotizados, quer posar de moralista condenando a interrupção da gravidez para beneficiar o candidato que apoia...

Proibir o aborto e condenar as mulheres que o praticam é uma postura pura e simplesmente machista. Tão machista quanto apedrejar uma adúltera até a morte, coisa que esses mesmos oportunistas condenam nos iranianos apenas para atingir Lula.

Ninguém manda no corpo de uma mulher, só ela. Não importa se ela tem uma cabeça de vento, não importa se foi educada pela Xuxa. O corpo é dela, embora sua cabeça não tenha dono.

Como não fico no muro, digo que o aborto é uma questão científica e de foro íntimo, uma questão de educação. Não é um problema religioso e nem policial. Cabe ao estado a redução de danos, repito, como já fizeram vários países do mundo onde as ações de governo não são guiadas por teorias subjetivas . Primeiro, acaba-se com a clandestinidade, com os açougues, com os matadouros de fetos e de mães. Substitui-se os aborteiros por profissionais de saúde multidisciplinares, que vão ajudar e não simplesmente passar a faca no útero alheio. Quantos abortos _ e mortes de mulheres _ poderiam ser evitados se elas recebessem um tratamento institucionalizado, um acompanhamento psicológico e social? Quando se tem uma gestante pensando em retirar o próprio filho do útero, deve-se acolhe-la e não discriminá-la. Com amparo, tenta-se evitar que ela tome essa atitude deseseperada.

O resto é campanha política.