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Já que temos tão maus leitores na imprensa (ou seria má-fé?), reproduzo na íntegra a entrevista do presidente que conseguiu tornar o Brasil a única economia das 35 que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a ser menos afetada pela crise internacional.
As ilustrações foram acrescidas por mim e emprestadas de meu amigo Bira Dantas. Enjoy:O primeiro e o terceiro poder
AZIA OU O DIA DA CAÇA
MARIO SERGIO CONTI
Criticado diariamente por jornalistas, o presidente fala que a imprensa lhe faz mal ao fígado e diz o que pensa de Janio de Freitas, Elio Gaspari, Diogo Mainardi, Ali Kamel, Luis Nassif, Merval Pereira e outros mensageiros e arautos.
A 176ª entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2008 estava marcada para as nove e meia da manhã da quinta-feira que antecedeu o Natal. Meia hora antes, Clara Ant deu um entusiasmado “bom-dia!” ao entrar na sua sala, no 3º andar do Palácio do Planalto, a 50 metros do gabinete de Lula. Apressada, queria repassar o pequeno texto informando ao presidente as características, a linha política e o número de leitores da revista que o entrevistaria. Da ficha, poderiam também constar números recentes do governo e um breve perfil do jornalista que faria a entrevista.
A jornada de trabalho de Clara Ant é regulada pela bandeira nacional na frente do palácio. Se estiver hasteada, é sinal de que Lula está presente. Se não, saiu. Todos os dias, ela chega ao Planalto antes da bandeira subir e só sai depois que ela desce – a não ser quando o presidente viaja.
Quando chefiou a equipe técnica do Planalto que fez uma visita de trabalho à Casa Branca, em maio de 2005, Clara Ant viu em Washington como o Departamento de Estado monitora os interesses americanos ao redor do mundo, e reforçou a convicção de que só deveria escrever sugestões curtas ao seu chefe, o presidente Lula.
“A Watch Room é imensa, funciona 24 horas por dia, e tem dezenas de funcionários, que acompanham estações de rádio e televisão, a internet, relatórios de embaixadas e consulados e juntam todas as informações que digam respeito aos Estados Unidos”, contou Clara Ant, há mais de dois anos. “Todos os dados são encaminhados à Analysis Room, onde outras dezenas de pessoas comparam, checam e consolidam o que foi coletado.”
O trabalho das duas salas dá origem, uma vez por semana, a um relatório, que é colocado na mesa da secretária de Estado Condoleezza Rice. “O relatório tem uns três ou quatro parágrafos, de três frases cada”, disse a assessora especial de Lula, e completou com veemência: “É por isso que fico uma arara quando jornalistas mal informados, ou de má-fé, dizem que o presidente lê coisas curtas porque é preguiçoso.”
Clara Ant tem 60 anos, é alta, abre com frequência um riso amplo e assume ares de mãezona judia quando dá broncas, o que também faz amiúde. Ela fechou o sorriso e ameaçou ficar brava quando pedi que deixasse ler o que havia escrito sobre piauí na ficha para Lula. Logo desistiu e, de bom humor (mas nem tanto), tocou-me da sala.
Ela nasceu em La Paz, na Bolívia, onde seus pais, judeus poloneses, foram parar no fim da Segunda Guerra, à espera de um visto para os Estados Unidos que nunca se materializou. Sua língua materna foi o iídiche, aprendeu hebraico na escola e espanhol na rua. Aos 10 anos, mudou com a família para o número 124 da José Paulino, a rua de adoção da comunidade judaica em São Paulo. Aprendeu a falar português sem sotaque, se casou, separou, viu suas irmãs e os pais se mudarem para Israel, se formou em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo e ali descobriu sua vocação, a política.
No teatro clássico, observa Roland Barthes, a câmara onde fica o governante é secreta e misteriosa. Dela emana a aura da divindade que se encarna no soberano. É nas sombras, indevassável, que o poder trama em surdina o domínio dos súditos. Já a antecâmera é espaço de transição. Ali, o chefe supremo exerce o primeiro dos poderes, o de fazer esperar (o termo em português é exato: sala de espera).
Isso no teatro de Racine, nos versos firmemente alexandrinos de Fedra. Na prosa solta de uma manhã no Planalto, o visitante perambula à vontade, sem ser conduzido à antecâmara. Vê funcionários que passam aspirador de pó em carpetes esmaecidos. Cruza com um solitário Henrique Meirelles. Observa o capricho com que uma moça lava a janela. Contempla os mirrados Dragões da Independência no alto da rampa de entrada. Ouve três vezes em quinze minutos a mesma pergunta – “Com açúcar ou adoçante, doutor?” – feita por garçons que portam bandejas redondas e enormes.
O visitante fica assim, despoliciado, até topar com César Alvarez, o encarregado da organização da agenda de Lula. O gaúcho Alvarez trabalha no gabinete pessoal do presidente, chefiado por Gilberto Carvalho.
Num café da manhã, Carvalho explicou que define as audiências de Lula com base em três prioridades. Primeiro, ministros, secretários de Estado e assessores graduados. Em seguida, representantes de associações de classe, sindicatos e movimentos sociais. Em terceiro lugar, donos ou executivos de empresas.
“As multinacionais sempre querem trazer seus CEOs para visitar Lula”, disse Gilberto Carvalho. “Acho que para mostrar às matrizes que têm prestígio e acesso ao presidente.” Também para as reuniões com empresários, Clara Ant redige fichas com informações sobre as companhias e perfis sumários dos Chief Executive Officers, inclusive com fotos 3 x 4 deles, para que, como explicou Carvalho, “Lula reconheça logo e cumprimente o executivo certo”.
César Alvarez conhece Clara Ant há mais de trinta anos. Militaram juntos na Organização Socialista Internacionalista, a OSI, grupo trotskista que se tornou conhecido nos anos 70 pelo nome Liberdade e Luta, pelo qual passaram os ex-ministros Antonio Palocci e Luiz Gushiken. Clara foi vice-presidente da Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas, participou da fundação e dirigiu a Central Única dos Trabalhadores e se elegeu deputada estadual pelo PT. Nessas atividades, conheceu o presidente.
“Minhas relações com Lula eram as que podiam existir entre um líder metalúrgico de massa e a dirigente de um grupo clandestino de esquerda”, lembrou Clara Ant. “Que podiam existir” é eufemismo para “divergência frontal e azeda”, pois Lula tinha desprezo pelo que classificava de “esquerdismo de classe média”.
Ao romper com o trotskismo, em 1987, depois de dez anos no comitê central da OSI, ela se aproximou cada vez mais de Lula, que lhe passou responsabilidades cada vez maiores. Dirigiu o Instituto Cidadania, a ONG de Lula, cuidou das finanças da sua campanha presidencial de 1998 e, antes de Delúbio Soares, era tesoureira do Partido dos Trabalhadores.
Cinco d ias depois da posse do primeiro mandato, em janeiro de 2003, Lula se reuniu com Clara Ant no Planalto e propôs que, junto com Frei Betto e Oded Grajew, ela organizasse o Fome Zero. O presidente saiu para posar para a foto oficial e na volta Clara lhe fez uma contraproposta: “Quero ser aquilo que no cinema se chama de continuísta.”
Explicou ao presidente que a continuísta evita incongruências ao longo de um filme. Se um personagem está de camisa azul ao sair de uma sala, por exemplo, a continuísta anota e providencia para que ele esteja vestido da mesma maneira ao entrar em seguida no quarto.
Lula aceitou a proposta e Clara Ant começou a pesquisar. Descobriu um software criado por técnicos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento chamado Sigov – Sistema de Acompanhamento de Ações Prioritárias do Governo Federal. Ela adaptou o Sigov às particularidades brasileiras, montou uma pequena equipe e passou a anotar o que o presidente determinava ou prometia.
Um dos membros da equipe de Clara Ant está presente em todas as reuniões de Lula no Planalto e anota num laptop as suas ordens e decisões. Eles assistem também a todas as gravações de discursos e entrevistas públicas de Lula, e anotam determinações e promessas práticas. Elas são cadastradas e em seguida encaminhadas aos ministérios e secretarias a que dizem respeito. Assim, se o presidente diz numa viagem que o governo inaugurará uma escola técnica numa cidade, numa data, a informação é registrada e enviada ao Ministério da Educação. Periodicamente, o sistema faz com que o ministério informe a quantas anda a tal obra e se será inaugurada na data prometida.
“O presidente já usou o sistema da Clara para fazer cobranças, precisas e enérgicas, de determinações que não foram cumpridas”, disse Luiz Dulci, o chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Ainda que as cobranças originárias do Sigov sejam impessoais, o fato de Clara Ant estar na origem delas não a torna, exatamente, a pessoa mais popular no Planalto. “Tem gente que acha a Clara uma chata, mas o que ela faz é essencial”, disse Dulci.
O que a faz, além de temida, respeitada, é a hora-Lula e o banco de dados ambulante. Hora-Lula foi um conceito criado pelo jornalista Eugênio Bucci quando presidiu a Radiobrás. “Assim como a experiência de um piloto é indicada pelas suas horas de vôo”, disse Bucci quando ainda era o responsável pelo programa de rádio Café com o Presidente, “a hora-Lula mede quem passa mais tempo perto do presidente e, portanto, tem mais poder.” Em matéria de horas-Lula, só Gilberto Carvalho ultrapassa Clara Ant.
Como o presidente Lula gosta de citar dados, cifras e projeções das ações de governo, a mania de números se espalhou pela Esplanada dos Ministérios. E é Clara quem sistematiza esses dados, providenciando súmulas que o presidente recebe diariamente, feitas sob encomenda para diferentes reuniões. Gente de todos os ministérios procura Clara Ant para obter dados confiáveis.
É por isso que, trabalhando em conjunto com a Secretaria de Comunicação, é ela quem escreve a ficha de informações que o presidente compulsa quando fala com repórteres. Uma dessas fichas fez com que Clara Ant pedisse demissão, em julho de 2006.
Ao preparar a ficha para uma entrevista de Lula ao Jornal Nacional, avaliou-se que haveria perguntas sobre segurança pública. Para exemplificar a dificuldade da Polícia Federal em impedir o tráfico de drogas e o contrabando, ela pediu a um subordinado a extensão em quilômetros da fronteira nacional e botou o dado na ficha. Mas botou o número errado, centenas de vezes menor que o verdadeiro. Lula usou a informação no Jornal Nacional, alguém em O Globo percebeu e o equívoco foi parar na primeira página do jornal. O presidente desconsiderou o pedido de demissão.
Nos dramas medievais, há dois personagens bem definidos para levar e trazer notícias da corte: o arauto e o mensageiro. O primeiro é funcionário graduado do governante. Ele pega as proclamações reais, seladas com cera, faz soar as trombetas e as lê para uma audiência selecionada. O arauto faz saber aos súditos o que o soberano determinou – do aumento de impostos a declarações de guerra. Já o mensageiro leva notícias do reino ao rei. Ele informa se os nobres conspiram, se os camponeses estão inquietos, se os vizinhos prepararam incursões.
Em sociedades modernas, a imprensa cumpre as funções de mensageiro e arauto. Ela informa o governante do que se passa no país e diz aos cidadãos o que o poder pretende fazer. Do primeiro para o segundo mandato, Lula pendeu nitidamente para o lado arauto da imprensa. “Logo depois das eleições de 2006, perguntaram numa coletiva se o presidente se arrependia de alguma coisa”, disse Nelson Breve, o secretário de Imprensa do Planalto, “e ele respondeu que se arrependia de não ter falado mais à imprensa.”
Nelson Breve me conduziu não à sala de espera, mas para a “de situação”, que tem uma longa mesa, paredes decoradas com mapas e um laptop, destinado aos funcionários da equipe de Clara Ant. Pelos dados que ele passou, em 2008 a imprensa bateu recordes de horas-Lula. Enquanto no primeiro mandato o presidente falou menos de cinquenta vezes à imprensa a cada ano – somando coletivas, individuais e respostas curtas a repórteres que o acompanham –, em 2008 ele deu 57 entrevistas apenas a órgãos de imprensa estrangeiros. No total, foram mais de três entrevistas por semana.
Segundo Nelson Breve, se a Secretaria de Imprensa aceitasse todos os pedidos de entrevista exclusiva (as mais solicitadas e prestigiadas), o presidente teria de conceder mais de uma por dia até o final do mandato.
Depois de ouvir o presidente, é Franklin Martins, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, quem escolhe quais órgãos de imprensa terão acesso a Lula. A escolha é feita com base no tempo disponível do presidente, das suas viagens, da repercussão do órgão e, é claro, em critérios políticos. Há publicações que, apesar de reiterados pedidos, não são recebidas há anos pelo presidente.
Lula entrou na sala de situação pouco antes das dez da manhã. A seu lado vinha Clara Ant, com suas fichas. Atrás, Franklin Martins. Lula estava animado e de bom humor. Ao sentar na cabeceira da mesa, folheou os papéis que ela lhe havia entregue. Pedi: “Presidente, deixa ver o que a Clara escreveu aí sobre a piauí.” Lula fez menção de me entregar as folhas, Clara e Franklin Martins gritaram “Não! Não!” e todos riram.
(Soube dias depois que a ficha recebida pelo presidente caracterizava a linha política da revista como “desencantada”: cética em relação ao alcance do progresso ocorrido no passado recente e descrente da política.)
Clara Ant saiu e a entrevista começou. Lula disse que sua opinião sobre a imprensa não mudou desde que se tornou presidente da República. “A imprensa brasileira tem um comportamento histórico em relação a mim”, respondeu. A grande mídia nunca lhe facilitou a vida, disse, e ele nunca se preocupou muito com isso “porque eu acredito na inteligência de quem assina uma revista ou um jornal, de quem vê televisão e escuta rádio”. Ou seja, aqueles que acompanham a política por meio da imprensa acabam por perceber o falso e o verdadeiro, o que é insinuação e o que é fato no noticiário.
Nesse aspecto, Lula acha que, desde que assumiu o cargo, a situação melhorou para o seu lado, em função do desenvolvimento tecnológico. “Hoje a informação é mais plural”, disse. “Não tem mais apenas a informação d e tal revista ou de tal jornal. Quando o cidadão pega um jornal de manhã, ele já viu aquela notícia na televisão, na noite anterior, já ouviu no rádio, já leu em vários blogs. Há 300 blogs com comentários diferentes, blogs de gente importante. Está tudo na internet. Você quer ler o que o Estadão vai dar amanhã? Está no site de hoje do Estadão. Então, isso democratiza a imprensa, aumenta a capacidade do cidadão em interpretar o que lê.”
O presidente não lê blogs nem sites. Mais: não lê nem jornais nem revistas. E não é por falta de tempo. Simplesmente não quer ler. Por quê? “Porque eu tenho problema de azia”, respondeu. Mesmo afirmando que o jornalismo lhe faz mal ao fígado, o presidente repetiu duas vezes que a sua ascensão à presidência “é produto direto da liberdade de imprensa”.
No dia-a-dia, ele se informa em conversas de meia hora, no início da manhã, com o ministro Franklin Martins, que lhe conta o que foi noticiado. Perguntei se, para sentir o ambiente político, ou mesmo o humor de setores da população, não seria melhor ler diretamente no noticiário político. “Quando sai alguma coisa importante, a Clara ou o Franklin me trazem o artigo, ou mesmo o vídeo de uma reportagem de televisão”, disse.
Mesmo nos fins de semana, fica longe de revistas, jornais e noticiosos? Lula respondeu que a privação de notícias lhe é essencial: “Recomendaria a qualquer presidente que se afaste dos políticos e da imprensa nos fins de semana.” Nos dias de folga, o presidente pesca, joga cartas, conversa com os filhos e amigos – desde que não sejam políticos nem estejam no governo.
“Saio pouquíssimo”, disse. “Esse ano, só fui às festas de aniversário do Pão de Açúcar e da Andrade Gutierrez.” Perguntei se era amigo dos donos das empresas. “Não, fui porque completavam 60 anos, o que no Brasil é importante”. E por que então não foi ao aniversário de 40 anos de Veja? “Porque me dou ao respeito”, respondeu. “Aprendi que se alguém me xinga durante anos, não devo ir à sua casa.” (No site da revista, o presidente é chamado mais de 6 800 vezes de “apedeuta”, sinônimo de “ignorante” e “sem educação”.)
Sem a imprensa, o presidente se considera muitíssimo bem informado. “Um homem que conversa com o tanto de pessoas que eu converso por dia deve ter uns trinta jornais na cabeça todo santo dia”, disse. “Não há hipótese de eu estar desinformado.”
Mantendo-se longe da imprensa ele evita o que chama de “distorção”, sobre a qual deu o seguinte exemplo: “Quando lançamos o programa para o povo comprar material de construção com desconto, um jornal importante publicou a manchete ‘Lula faveliza o Brasil’. Quer dizer, é uma concepção distorcida de quem não tem a menor noção do que significa o pobre ter acesso a comprar material de construção e poder fazer a sua casa, reformar, fazer a sua garagem, fazer o seu puxadinho.”
Outro pecado da imprensa, na sua opinião é publicar notícias que “acabam com a vida do cidadão”, e depois não são comprovadas. Citou o caso da Escola Base (no qual jornais paulistas divulgaram como verdadeira a versão de um delegado que acusava os donos do colégio de pedofilia) e as acusações de corrupção feitas contra o então ministro Alceni Guerra (sobretudo pelos órgãos das Organizações Globo), no governo de Fernando Collor.
Nesses casos, ainda que sendo contra “a juridicialização da política”, como afirmou, defende que se processe o órgão de imprensa. Lula já processou a Folha de S. Paulo, que publicou em 1993 uma reportagem dizendo que a CUT desviava recursos para o PT. “Demorou dez anos, mas o jornal publicou na íntegra a sentença que me dava ganho de causa”, disse.
Processou também a Rede Bandeirantes, que difundiu reportagens, na véspera da eleição de 1998, apresentadas por Paulo Henrique Amorim, afirmando que Lula usara de uma tramóia para comprar seu apartamento em São Bernardo. A emissora pediu desculpas ao presidente.
Lula acredita que, boa parte das vezes, notícias equivocadas são divulgadas não por má-fé, “mas por questões mercadológicas”. Sensacionalismo, em suma. Esse foi um dos motivos que o levou a criar a TV Pública. “Queremos que ela informe e promova debates sobre temas que a televisão privada não tem interesse, porque está interessada no Ibope.”
Para o presidente, “com exceção do Roda Viva”, da Rede Cultura, “não há espaço para o debate político na televisão. Os grandes temas da sociedade não têm onde ser debatidos. Quando há uma discussão sobre economia, você vê lá quem? Um analista de mercado. Ou seja, pessoas como Maria da Conceição Tavares, como o Luiz Belluzzo, como o Delfim Netto não têm muito espaço na televisão. Então, espero que a TV Pública cumpra essa função de promover debates. Ela não pode ser chapa-branca”. O presidente disse que não vê a TV Pública. Nem a privada, aliás, “por falta de tempo”.
Pedi ao presidente que desse sua opinião sobre alguns jornalistas brasileiros. A cada nome, ele disse umas poucas frases.
Elio Gaspari, colunista da Folha e de O Globo: “Tenho um profundo respeito pelo Elio Gaspari. É um dos grandes jornalistas brasileiros, independente de eu concordar ou não com ele.”
Merval Pereira, colunista de O Globo e da GloboNews: “Acho o Merval, às vezes, um jornalista com um pensamento só: o pensamento contra o governo.”
Clóvis Rossi, repórter e colunista da Folha: “Sou muito amigo do Clóvis Rossi.”
Ali Kamel, editor-executivo da Central Globo de Jornalismo e colunista de O Globo: “O Ali já fez artigos me defendendo do preconceito. Mas tenho profundo ressentimento da cobertura da Globo na campanha de 2006. Não expresso esse ressentimento no meu comportamento, nas minhas atitudes, na minha relação com a imprensa e muito menos com a Globo. É uma coisa que está comigo.”
(Na véspera do primeiro turno, o Jornal Nacional exibiu imagens de montes de dinheiro apreendidos pela Polícia Federal, com petistas que tentavam comprar um dossiê falso contra José Serra, candidato do PSDB ao governo de São Paulo*. No governo e no PT, atribuiu-se a necessidade do segundo turno a essa reportagem.)
Janio de Freitas, colunista da Folha: “Sou um admirador do Janio de Freitas mesmo quando ele fala mal do governo.”
Diogo Mainardi, colunista de Veja e do programa Manhattan Connection, da GNT: “Confesso que não leio.”
Luis Nassif, blogueiro: “Gosto muito do Nassif, é um dos grandes analistas econômicos do país.”
Paulo Henrique Amorim, apresentador do Domingo Espetacular, da Rede Record, e blogueiro: “Sempre tive admiração pelo Paulo Henrique Amorim, desde o tempo em que ele era analista da Globo. Acho que, quando foi trabalhar na Bandeirantes, enveredou por um caminho errado, assessorado por um jornalista que não trabalha mais com ele, que cometeu erros crônicos. Mesmo quando ele critica, você percebe que tem fundamento. Isso é o importante: não quero que as pessoas falem bem de mim. Tenho 63 anos e nunca um jornalista ouviu da minha boca um pedido para que fizesse uma matéria favorável. Gostaria que ele noticiasse apenas o fato como ele é. E depois, se quiser fazer análise pessoal, que faça. Mas sou defensor de que o fato seja a razão de ser da imprensa.”
Na hora das despedidas, chegou Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais. “Como a Clara e você, o Marco Aurélio foi trotskista, mas ele nega”, disse Lula. Garcia tentou se explicar, e Lula o interrompeu, perguntando: “Sabe como chama o filho do Marco Aurélio? Chama Leon, e ele nega que é trotskista!”
*Correção da versão impressa.
A 176ª entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2008 estava marcada para as nove e meia da manhã da quinta-feira que antecedeu o Natal. Meia hora antes, Clara Ant deu um entusiasmado “bom-dia!” ao entrar na sua sala, no 3º andar do Palácio do Planalto, a 50 metros do gabinete de Lula. Apressada, queria repassar o pequeno texto informando ao presidente as características, a linha política e o número de leitores da revista que o entrevistaria. Da ficha, poderiam também constar números recentes do governo e um breve perfil do jornalista que faria a entrevista.
A jornada de trabalho de Clara Ant é regulada pela bandeira nacional na frente do palácio. Se estiver hasteada, é sinal de que Lula está presente. Se não, saiu. Todos os dias, ela chega ao Planalto antes da bandeira subir e só sai depois que ela desce – a não ser quando o presidente viaja.
Quando chefiou a equipe técnica do Planalto que fez uma visita de trabalho à Casa Branca, em maio de 2005, Clara Ant viu em Washington como o Departamento de Estado monitora os interesses americanos ao redor do mundo, e reforçou a convicção de que só deveria escrever sugestões curtas ao seu chefe, o presidente Lula.
“A Watch Room é imensa, funciona 24 horas por dia, e tem dezenas de funcionários, que acompanham estações de rádio e televisão, a internet, relatórios de embaixadas e consulados e juntam todas as informações que digam respeito aos Estados Unidos”, contou Clara Ant, há mais de dois anos. “Todos os dados são encaminhados à Analysis Room, onde outras dezenas de pessoas comparam, checam e consolidam o que foi coletado.”
O trabalho das duas salas dá origem, uma vez por semana, a um relatório, que é colocado na mesa da secretária de Estado Condoleezza Rice. “O relatório tem uns três ou quatro parágrafos, de três frases cada”, disse a assessora especial de Lula, e completou com veemência: “É por isso que fico uma arara quando jornalistas mal informados, ou de má-fé, dizem que o presidente lê coisas curtas porque é preguiçoso.”
Clara Ant tem 60 anos, é alta, abre com frequência um riso amplo e assume ares de mãezona judia quando dá broncas, o que também faz amiúde. Ela fechou o sorriso e ameaçou ficar brava quando pedi que deixasse ler o que havia escrito sobre piauí na ficha para Lula. Logo desistiu e, de bom humor (mas nem tanto), tocou-me da sala.
Ela nasceu em La Paz, na Bolívia, onde seus pais, judeus poloneses, foram parar no fim da Segunda Guerra, à espera de um visto para os Estados Unidos que nunca se materializou. Sua língua materna foi o iídiche, aprendeu hebraico na escola e espanhol na rua. Aos 10 anos, mudou com a família para o número 124 da José Paulino, a rua de adoção da comunidade judaica em São Paulo. Aprendeu a falar português sem sotaque, se casou, separou, viu suas irmãs e os pais se mudarem para Israel, se formou em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo e ali descobriu sua vocação, a política.
No teatro clássico, observa Roland Barthes, a câmara onde fica o governante é secreta e misteriosa. Dela emana a aura da divindade que se encarna no soberano. É nas sombras, indevassável, que o poder trama em surdina o domínio dos súditos. Já a antecâmera é espaço de transição. Ali, o chefe supremo exerce o primeiro dos poderes, o de fazer esperar (o termo em português é exato: sala de espera).
Isso no teatro de Racine, nos versos firmemente alexandrinos de Fedra. Na prosa solta de uma manhã no Planalto, o visitante perambula à vontade, sem ser conduzido à antecâmara. Vê funcionários que passam aspirador de pó em carpetes esmaecidos. Cruza com um solitário Henrique Meirelles. Observa o capricho com que uma moça lava a janela. Contempla os mirrados Dragões da Independência no alto da rampa de entrada. Ouve três vezes em quinze minutos a mesma pergunta – “Com açúcar ou adoçante, doutor?” – feita por garçons que portam bandejas redondas e enormes.
O visitante fica assim, despoliciado, até topar com César Alvarez, o encarregado da organização da agenda de Lula. O gaúcho Alvarez trabalha no gabinete pessoal do presidente, chefiado por Gilberto Carvalho.
Num café da manhã, Carvalho explicou que define as audiências de Lula com base em três prioridades. Primeiro, ministros, secretários de Estado e assessores graduados. Em seguida, representantes de associações de classe, sindicatos e movimentos sociais. Em terceiro lugar, donos ou executivos de empresas.
“As multinacionais sempre querem trazer seus CEOs para visitar Lula”, disse Gilberto Carvalho. “Acho que para mostrar às matrizes que têm prestígio e acesso ao presidente.” Também para as reuniões com empresários, Clara Ant redige fichas com informações sobre as companhias e perfis sumários dos Chief Executive Officers, inclusive com fotos 3 x 4 deles, para que, como explicou Carvalho, “Lula reconheça logo e cumprimente o executivo certo”.
César Alvarez conhece Clara Ant há mais de trinta anos. Militaram juntos na Organização Socialista Internacionalista, a OSI, grupo trotskista que se tornou conhecido nos anos 70 pelo nome Liberdade e Luta, pelo qual passaram os ex-ministros Antonio Palocci e Luiz Gushiken. Clara foi vice-presidente da Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas, participou da fundação e dirigiu a Central Única dos Trabalhadores e se elegeu deputada estadual pelo PT. Nessas atividades, conheceu o presidente.
“Minhas relações com Lula eram as que podiam existir entre um líder metalúrgico de massa e a dirigente de um grupo clandestino de esquerda”, lembrou Clara Ant. “Que podiam existir” é eufemismo para “divergência frontal e azeda”, pois Lula tinha desprezo pelo que classificava de “esquerdismo de classe média”.
Ao romper com o trotskismo, em 1987, depois de dez anos no comitê central da OSI, ela se aproximou cada vez mais de Lula, que lhe passou responsabilidades cada vez maiores. Dirigiu o Instituto Cidadania, a ONG de Lula, cuidou das finanças da sua campanha presidencial de 1998 e, antes de Delúbio Soares, era tesoureira do Partido dos Trabalhadores.
Cinco d ias depois da posse do primeiro mandato, em janeiro de 2003, Lula se reuniu com Clara Ant no Planalto e propôs que, junto com Frei Betto e Oded Grajew, ela organizasse o Fome Zero. O presidente saiu para posar para a foto oficial e na volta Clara lhe fez uma contraproposta: “Quero ser aquilo que no cinema se chama de continuísta.”
Explicou ao presidente que a continuísta evita incongruências ao longo de um filme. Se um personagem está de camisa azul ao sair de uma sala, por exemplo, a continuísta anota e providencia para que ele esteja vestido da mesma maneira ao entrar em seguida no quarto.
Lula aceitou a proposta e Clara Ant começou a pesquisar. Descobriu um software criado por técnicos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento chamado Sigov – Sistema de Acompanhamento de Ações Prioritárias do Governo Federal. Ela adaptou o Sigov às particularidades brasileiras, montou uma pequena equipe e passou a anotar o que o presidente determinava ou prometia.
Um dos membros da equipe de Clara Ant está presente em todas as reuniões de Lula no Planalto e anota num laptop as suas ordens e decisões. Eles assistem também a todas as gravações de discursos e entrevistas públicas de Lula, e anotam determinações e promessas práticas. Elas são cadastradas e em seguida encaminhadas aos ministérios e secretarias a que dizem respeito. Assim, se o presidente diz numa viagem que o governo inaugurará uma escola técnica numa cidade, numa data, a informação é registrada e enviada ao Ministério da Educação. Periodicamente, o sistema faz com que o ministério informe a quantas anda a tal obra e se será inaugurada na data prometida.
“O presidente já usou o sistema da Clara para fazer cobranças, precisas e enérgicas, de determinações que não foram cumpridas”, disse Luiz Dulci, o chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Ainda que as cobranças originárias do Sigov sejam impessoais, o fato de Clara Ant estar na origem delas não a torna, exatamente, a pessoa mais popular no Planalto. “Tem gente que acha a Clara uma chata, mas o que ela faz é essencial”, disse Dulci.
O que a faz, além de temida, respeitada, é a hora-Lula e o banco de dados ambulante. Hora-Lula foi um conceito criado pelo jornalista Eugênio Bucci quando presidiu a Radiobrás. “Assim como a experiência de um piloto é indicada pelas suas horas de vôo”, disse Bucci quando ainda era o responsável pelo programa de rádio Café com o Presidente, “a hora-Lula mede quem passa mais tempo perto do presidente e, portanto, tem mais poder.” Em matéria de horas-Lula, só Gilberto Carvalho ultrapassa Clara Ant.
Como o presidente Lula gosta de citar dados, cifras e projeções das ações de governo, a mania de números se espalhou pela Esplanada dos Ministérios. E é Clara quem sistematiza esses dados, providenciando súmulas que o presidente recebe diariamente, feitas sob encomenda para diferentes reuniões. Gente de todos os ministérios procura Clara Ant para obter dados confiáveis.
É por isso que, trabalhando em conjunto com a Secretaria de Comunicação, é ela quem escreve a ficha de informações que o presidente compulsa quando fala com repórteres. Uma dessas fichas fez com que Clara Ant pedisse demissão, em julho de 2006.
Ao preparar a ficha para uma entrevista de Lula ao Jornal Nacional, avaliou-se que haveria perguntas sobre segurança pública. Para exemplificar a dificuldade da Polícia Federal em impedir o tráfico de drogas e o contrabando, ela pediu a um subordinado a extensão em quilômetros da fronteira nacional e botou o dado na ficha. Mas botou o número errado, centenas de vezes menor que o verdadeiro. Lula usou a informação no Jornal Nacional, alguém em O Globo percebeu e o equívoco foi parar na primeira página do jornal. O presidente desconsiderou o pedido de demissão.
Nos dramas medievais, há dois personagens bem definidos para levar e trazer notícias da corte: o arauto e o mensageiro. O primeiro é funcionário graduado do governante. Ele pega as proclamações reais, seladas com cera, faz soar as trombetas e as lê para uma audiência selecionada. O arauto faz saber aos súditos o que o soberano determinou – do aumento de impostos a declarações de guerra. Já o mensageiro leva notícias do reino ao rei. Ele informa se os nobres conspiram, se os camponeses estão inquietos, se os vizinhos prepararam incursões.
Em sociedades modernas, a imprensa cumpre as funções de mensageiro e arauto. Ela informa o governante do que se passa no país e diz aos cidadãos o que o poder pretende fazer. Do primeiro para o segundo mandato, Lula pendeu nitidamente para o lado arauto da imprensa. “Logo depois das eleições de 2006, perguntaram numa coletiva se o presidente se arrependia de alguma coisa”, disse Nelson Breve, o secretário de Imprensa do Planalto, “e ele respondeu que se arrependia de não ter falado mais à imprensa.”
Nelson Breve me conduziu não à sala de espera, mas para a “de situação”, que tem uma longa mesa, paredes decoradas com mapas e um laptop, destinado aos funcionários da equipe de Clara Ant. Pelos dados que ele passou, em 2008 a imprensa bateu recordes de horas-Lula. Enquanto no primeiro mandato o presidente falou menos de cinquenta vezes à imprensa a cada ano – somando coletivas, individuais e respostas curtas a repórteres que o acompanham –, em 2008 ele deu 57 entrevistas apenas a órgãos de imprensa estrangeiros. No total, foram mais de três entrevistas por semana.
Segundo Nelson Breve, se a Secretaria de Imprensa aceitasse todos os pedidos de entrevista exclusiva (as mais solicitadas e prestigiadas), o presidente teria de conceder mais de uma por dia até o final do mandato.
Depois de ouvir o presidente, é Franklin Martins, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, quem escolhe quais órgãos de imprensa terão acesso a Lula. A escolha é feita com base no tempo disponível do presidente, das suas viagens, da repercussão do órgão e, é claro, em critérios políticos. Há publicações que, apesar de reiterados pedidos, não são recebidas há anos pelo presidente.
Lula entrou na sala de situação pouco antes das dez da manhã. A seu lado vinha Clara Ant, com suas fichas. Atrás, Franklin Martins. Lula estava animado e de bom humor. Ao sentar na cabeceira da mesa, folheou os papéis que ela lhe havia entregue. Pedi: “Presidente, deixa ver o que a Clara escreveu aí sobre a piauí.” Lula fez menção de me entregar as folhas, Clara e Franklin Martins gritaram “Não! Não!” e todos riram.
(Soube dias depois que a ficha recebida pelo presidente caracterizava a linha política da revista como “desencantada”: cética em relação ao alcance do progresso ocorrido no passado recente e descrente da política.)
Clara Ant saiu e a entrevista começou. Lula disse que sua opinião sobre a imprensa não mudou desde que se tornou presidente da República. “A imprensa brasileira tem um comportamento histórico em relação a mim”, respondeu. A grande mídia nunca lhe facilitou a vida, disse, e ele nunca se preocupou muito com isso “porque eu acredito na inteligência de quem assina uma revista ou um jornal, de quem vê televisão e escuta rádio”. Ou seja, aqueles que acompanham a política por meio da imprensa acabam por perceber o falso e o verdadeiro, o que é insinuação e o que é fato no noticiário.
Nesse aspecto, Lula acha que, desde que assumiu o cargo, a situação melhorou para o seu lado, em função do desenvolvimento tecnológico. “Hoje a informação é mais plural”, disse. “Não tem mais apenas a informação d e tal revista ou de tal jornal. Quando o cidadão pega um jornal de manhã, ele já viu aquela notícia na televisão, na noite anterior, já ouviu no rádio, já leu em vários blogs. Há 300 blogs com comentários diferentes, blogs de gente importante. Está tudo na internet. Você quer ler o que o Estadão vai dar amanhã? Está no site de hoje do Estadão. Então, isso democratiza a imprensa, aumenta a capacidade do cidadão em interpretar o que lê.”
O presidente não lê blogs nem sites. Mais: não lê nem jornais nem revistas. E não é por falta de tempo. Simplesmente não quer ler. Por quê? “Porque eu tenho problema de azia”, respondeu. Mesmo afirmando que o jornalismo lhe faz mal ao fígado, o presidente repetiu duas vezes que a sua ascensão à presidência “é produto direto da liberdade de imprensa”.
No dia-a-dia, ele se informa em conversas de meia hora, no início da manhã, com o ministro Franklin Martins, que lhe conta o que foi noticiado. Perguntei se, para sentir o ambiente político, ou mesmo o humor de setores da população, não seria melhor ler diretamente no noticiário político. “Quando sai alguma coisa importante, a Clara ou o Franklin me trazem o artigo, ou mesmo o vídeo de uma reportagem de televisão”, disse.
Mesmo nos fins de semana, fica longe de revistas, jornais e noticiosos? Lula respondeu que a privação de notícias lhe é essencial: “Recomendaria a qualquer presidente que se afaste dos políticos e da imprensa nos fins de semana.” Nos dias de folga, o presidente pesca, joga cartas, conversa com os filhos e amigos – desde que não sejam políticos nem estejam no governo.
“Saio pouquíssimo”, disse. “Esse ano, só fui às festas de aniversário do Pão de Açúcar e da Andrade Gutierrez.” Perguntei se era amigo dos donos das empresas. “Não, fui porque completavam 60 anos, o que no Brasil é importante”. E por que então não foi ao aniversário de 40 anos de Veja? “Porque me dou ao respeito”, respondeu. “Aprendi que se alguém me xinga durante anos, não devo ir à sua casa.” (No site da revista, o presidente é chamado mais de 6 800 vezes de “apedeuta”, sinônimo de “ignorante” e “sem educação”.)
Sem a imprensa, o presidente se considera muitíssimo bem informado. “Um homem que conversa com o tanto de pessoas que eu converso por dia deve ter uns trinta jornais na cabeça todo santo dia”, disse. “Não há hipótese de eu estar desinformado.”
Mantendo-se longe da imprensa ele evita o que chama de “distorção”, sobre a qual deu o seguinte exemplo: “Quando lançamos o programa para o povo comprar material de construção com desconto, um jornal importante publicou a manchete ‘Lula faveliza o Brasil’. Quer dizer, é uma concepção distorcida de quem não tem a menor noção do que significa o pobre ter acesso a comprar material de construção e poder fazer a sua casa, reformar, fazer a sua garagem, fazer o seu puxadinho.”
Outro pecado da imprensa, na sua opinião é publicar notícias que “acabam com a vida do cidadão”, e depois não são comprovadas. Citou o caso da Escola Base (no qual jornais paulistas divulgaram como verdadeira a versão de um delegado que acusava os donos do colégio de pedofilia) e as acusações de corrupção feitas contra o então ministro Alceni Guerra (sobretudo pelos órgãos das Organizações Globo), no governo de Fernando Collor.
Nesses casos, ainda que sendo contra “a juridicialização da política”, como afirmou, defende que se processe o órgão de imprensa. Lula já processou a Folha de S. Paulo, que publicou em 1993 uma reportagem dizendo que a CUT desviava recursos para o PT. “Demorou dez anos, mas o jornal publicou na íntegra a sentença que me dava ganho de causa”, disse.
Processou também a Rede Bandeirantes, que difundiu reportagens, na véspera da eleição de 1998, apresentadas por Paulo Henrique Amorim, afirmando que Lula usara de uma tramóia para comprar seu apartamento em São Bernardo. A emissora pediu desculpas ao presidente.
Lula acredita que, boa parte das vezes, notícias equivocadas são divulgadas não por má-fé, “mas por questões mercadológicas”. Sensacionalismo, em suma. Esse foi um dos motivos que o levou a criar a TV Pública. “Queremos que ela informe e promova debates sobre temas que a televisão privada não tem interesse, porque está interessada no Ibope.”
Para o presidente, “com exceção do Roda Viva”, da Rede Cultura, “não há espaço para o debate político na televisão. Os grandes temas da sociedade não têm onde ser debatidos. Quando há uma discussão sobre economia, você vê lá quem? Um analista de mercado. Ou seja, pessoas como Maria da Conceição Tavares, como o Luiz Belluzzo, como o Delfim Netto não têm muito espaço na televisão. Então, espero que a TV Pública cumpra essa função de promover debates. Ela não pode ser chapa-branca”. O presidente disse que não vê a TV Pública. Nem a privada, aliás, “por falta de tempo”.
Pedi ao presidente que desse sua opinião sobre alguns jornalistas brasileiros. A cada nome, ele disse umas poucas frases.
Elio Gaspari, colunista da Folha e de O Globo: “Tenho um profundo respeito pelo Elio Gaspari. É um dos grandes jornalistas brasileiros, independente de eu concordar ou não com ele.”
Merval Pereira, colunista de O Globo e da GloboNews: “Acho o Merval, às vezes, um jornalista com um pensamento só: o pensamento contra o governo.”
Clóvis Rossi, repórter e colunista da Folha: “Sou muito amigo do Clóvis Rossi.”
Ali Kamel, editor-executivo da Central Globo de Jornalismo e colunista de O Globo: “O Ali já fez artigos me defendendo do preconceito. Mas tenho profundo ressentimento da cobertura da Globo na campanha de 2006. Não expresso esse ressentimento no meu comportamento, nas minhas atitudes, na minha relação com a imprensa e muito menos com a Globo. É uma coisa que está comigo.”
(Na véspera do primeiro turno, o Jornal Nacional exibiu imagens de montes de dinheiro apreendidos pela Polícia Federal, com petistas que tentavam comprar um dossiê falso contra José Serra, candidato do PSDB ao governo de São Paulo*. No governo e no PT, atribuiu-se a necessidade do segundo turno a essa reportagem.)
Janio de Freitas, colunista da Folha: “Sou um admirador do Janio de Freitas mesmo quando ele fala mal do governo.”
Diogo Mainardi, colunista de Veja e do programa Manhattan Connection, da GNT: “Confesso que não leio.”
Luis Nassif, blogueiro: “Gosto muito do Nassif, é um dos grandes analistas econômicos do país.”
Paulo Henrique Amorim, apresentador do Domingo Espetacular, da Rede Record, e blogueiro: “Sempre tive admiração pelo Paulo Henrique Amorim, desde o tempo em que ele era analista da Globo. Acho que, quando foi trabalhar na Bandeirantes, enveredou por um caminho errado, assessorado por um jornalista que não trabalha mais com ele, que cometeu erros crônicos. Mesmo quando ele critica, você percebe que tem fundamento. Isso é o importante: não quero que as pessoas falem bem de mim. Tenho 63 anos e nunca um jornalista ouviu da minha boca um pedido para que fizesse uma matéria favorável. Gostaria que ele noticiasse apenas o fato como ele é. E depois, se quiser fazer análise pessoal, que faça. Mas sou defensor de que o fato seja a razão de ser da imprensa.”
Na hora das despedidas, chegou Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais. “Como a Clara e você, o Marco Aurélio foi trotskista, mas ele nega”, disse Lula. Garcia tentou se explicar, e Lula o interrompeu, perguntando: “Sabe como chama o filho do Marco Aurélio? Chama Leon, e ele nega que é trotskista!”
*Correção da versão impressa.