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"Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
..........................................................................
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o
[pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino."
Esse poema de Manuel Bandeira sempre me angustiou. Bandeira aos 14, 15 anos traduzia a Ciropédia diretamente do grego... eu conheci pneumotórax de Bandeira lá pelos 14, 15 anos com os primeiros professores de literatura do que hoje é o ensino médio.
Devido à minha leitura desse poema sempre achei que pneumotórax fosse um tratamento, uma solução que deveriam ter tentado para sanarem o terrível sofrimento de Bandeira e sua relação com seus pulmões. Sofria por Bandeira não poder ter sido tratado como desejava, por sua crença em achar que sempre morreria jovem e seu medo imenso diante da vida. Jamais associei o título engraçado do poema de Bandeira a uma doença dos pulmões, mais especificamente, na pleura.
Pois bem, dia 22 de julho, terça-feira, internei-me em um hospital para realizar uma histerectomia total por videolaparoscopia cujo procedimento necessita de anestesia geral. Assim, que o processo anestésico foi iniciado enchi como um balão de ar: peito, tórax, pescoço, rosto... Acordei com uma sensação de afogamento terrível e por mais que puxasse o ar, este não era capaz de encher os meus pulmões.
Não sei se devido ao fato de fumar (vício que, aviso aos amigos, custe-me o que custar, foi cessado após este episódio), não sei se devido ao processo anestésico (estou com muitas dores na laringe, faringe, falo com uma enorme rouquidão como os mafiosos dos filmes holywoodianos), mas o fato é que um cirurgião de tórax teve de incursionar um dreno ao longo do meu peito para drenar ar e líquido acumulados no meu pulmão direito. Fiquei três dias na UTI, mais dez no internada, saí sábado à noite e estou sendo medicada. Volto ao médico dia 5 para novas avaliações. Até lá muita cama e drogas pesadas, sem sexo e nem rock and roll.
Não quero falar das dores físicas nem emocionais recentes. Estou muito manteiga derretida e um simples 'olá' de todos que amo me emociona.
Sempre soube que somos muito provisórios, poeira boba nessa estratosfera. Mas fiquei pensando que seria chato demais não conviver mais com todos aqueles que amo, não ter o direito de ver minha filhota crescer e amadurecer, ou de dizer ao cabeça dura do meu foco de afetos que não sou tresloucada e que ele de fato é especial e isso não tem nada de idealização.
Fiquei pensando se de fato como disse em A cozinha de minha avó "a partida é sempre uma meia morte..." Creio que não. As partidas podem ter retornos, a morte não. Ela é inexorável, absoluta.
Viver é bom, tive medo de morrer sim, pois ainda não vivi as coisas que creio mereça viver. Isso não tem nada a ver com iates, mansãos, viagens caras, vida nababesca, mas também não tem relação com a bobeira lair ribeiriana de "Ah! se eu pudesse viver mais iria andar mais descalço " e toda a infindável e irritante bobageira que circula travestida de pseudo auto-ajuda pela rede. Eu não gosto de andar descalça e acho que sei valorizar o que deve ser valorizado.
Esqueçam, vocês sabem que não creio em milagres, que minha religiosidade anda arisca, que acredito em mim, em você, em nós, na força do povo (se este quer e se faz povo).
Não. Também não caí no outro extremo dos céticos e cínicos, ao estilo do fantástico Remy de "Les Invasions barbares". Aqueles que me conhecem também sabem que não sei ser cínica, apesar de admirar toda a boa e refinada ironia, matéria-prima do bom cinismo, sou péssima dissimuladora e para alguns até mesmo uma figura ingênua, doce.
Não me arrependo de nada que fiz e quero ter tempo de fazer mais da minha vida com as pessoas que amo, puro egoísmo, mesmo. Pretendo viver todas as boas emoções que me cabem neste cadinho chamado existência. Vou fazer o possível naquilo que posso administrar dela para que seja plena de ar para ser sorvido na boa corrida, nos suspiros de prazer e tesão, no palpitar das boas surpresas, em todos os abraços apertados que puder dar quando esta dor insuportável for embora. Assim, bem pragmática, com ou sem tango argentino, comunico aos amigos e amores que continuo viva.