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Cientista política Áurea Carolina descreve suas impressões sobre o livro #paremdenosmatar, de Cidinha da Silva, e a importância da obra na luta contra a discriminação racial no Brasil
Por Áurea Carolina*
Abalar a indiferença diante da matança generalizada de pessoas negras deve ser um objetivo de luta. Já não basta denunciar uma infinidade de assassinatos, chacinas, execuções, desaparecimentos, torturas, linchamentos. É preciso explicar como o racismo está produzindo um genocídio de proporções cada vez maiores no Brasil e educar nossas emoções para reagir.
É assim que fica em mim a leitura de #paremdenosmatar, de Cidinha da Silva. As crônicas do livro são uma seleção emblemática de acontecimentos e experiências que desvelam o genocídio da população negra no Brasil e pelo mundo. Trata-se de um documento literário de paciência didática e vigor subjetivo, capaz de, a um só tempo, examinar manifestações genocidas no cotidiano e elaborar sentimentos e atitudes para enfrentar a violência e elevar o debate público.
Cidinha joga uma escrita descolonizada com os afetos. Mostra detalhes sem excessos, compartilha cenas que só ela viu, cria outras narrativas para casos explorados na mídia. Vai fundo em sua proposta de letramento racial ao evidenciar como o genocídio requer a foto da atriz branca com suas empregadas negras, o governador que elogia matadores feito artilheiros de futebol, a excepcionalidade das idas de uma moça negra aos cinemas do centro da cidade, o pavor aos rolezinhos da juventude, a estereotipia sobre a sexualidade das negras em uma insolente série de TV, a peleja das ambulantes no carnaval. Ainda não está negritado nesse país que as mortes são o ápice da naturalização das desigualdades e da negação de direitos fundamentais.
Parar o genocídio é afirmar a vida com amor, mas também irritação, aspereza e ironia contra a ignorância. Cidinha nos convida a libertar o sentir, sem melindres, e celebra a potência de personalidades negras que inspiram a resistência. Somos a energia vital de Luiza, Lupita, Taís, Lázaro, Aranha, Mirian, Maju, Liniker e tantas outras. Representatividade é chave, abram as portas! Aos que tombaram, a autora tributa a dor movida por uma luta incansável. Vem de longe a memória afetiva organizada em #paremdenosmatar.
*Áurea Carolina é cientista política e vereadora em Belo Horizonte.
Foto: Divulgação