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Por Kel Campos e Thaís Campolina.
Há duas reformas em trâmite no Congresso Nacional que, se aprovadas, afetarão em cheio a todos, especialmente a classe trabalhadora. Junto com a já aprovada "PEC do Teto", a reforma trabalhista e da Previdência Social representam um pacote de austeridade. O texto focará em comentar alguns pontos da reforma da previdência.
O que é previdência? O que é seguridade social?
A Previdência Social é um seguro público que busca garantir uma renda para o trabalhador em momentos em que ele não se encontra com capacidade para trabalhar (de forma permanente ou não) por causa de doença, invalidez, idade avançada, morte e gravidez. Cabe lembrar, a previdência é um direito social e um dos componentes da Seguridade Social. A Seguridade Social compreende ações do Estado e da sociedade com objetivo de assegurar os direitos à saúde, assistência social e previdência social. Lembrando que a saúde é um direito de todos, independente de contribuição, a assistência social é um direito para quem dela necessitar e a previdência social tem caráter contributivo e natureza obrigatória.
Quais as principais mudanças que a reforma da previdência trará, se aprovada?
O que mais se destaca na proposta é que, a partir dela, o tempo mínimo de contribuição será de 25 anos, só que para conseguir a aposentadoria integral, será necessário 49 anos contribuindo nos casos que não envolvam incapacidade real (aposentadoria por invalidez) e a idade mínima para se aposentar será de 65 anos e igual entre homens e mulheres. Haverá também o fim das aposentadorias diferenciadas dos trabalhadores rurais e professores, o que ocasionará, por exemplo, que trabalhadores rurais tenham que trabalhar a mesma quantidade de tempo que os trabalhadores urbanos para poder se aposentar, o que ignora que o trabalhador rural se desgasta mais e que as condições de trabalho no campo são bem diferentes das presentes na cidade.
O que quer dizer isso de poder se aposentar aos 65, mas ter que ter 49 anos de tempo mínimo para conseguir a aposentadoria integral?
A regra prevista permite que você se aposente aos 65 anos, desde que você tenha 25 anos de contribuição, só que se você fizer isso, você receberá 76% da soma chamada salário de benefício. Para você receber 100%, você terá que ter 49 anos de tempo de contribuição. Nesse ponto, é preciso destacar que projeto prevê ainda que a idade pode variar de acordo com as tábuas de sobrevida elaboradas pelo IBGE. Ou seja, em algum momento pode ser exigida a idade de 66, 67, 68 anos...
Quais grupos de pessoas seriam os principais afetados caso a reforma da previdência aconteça?
Com a igualação de idade mínima entre homens e mulheres, as mulheres serão as mais afetadas caso a Reforma da Previdência seja aprovada, já que o tempo diferenciado era uma forma de tentar compensar as desigualdades no mercado de trabalho e a dupla/tripla jornada que são problemas decorrentes do machismo que nos afeta. Entre elas, as mais prejudicadas serão as mulheres negras e pobres, já que as desigualdades no mercado de trabalho que as afetam são ainda mais intensas por envolver poucas oportunidades e no caso das negras, racismo. Além delas, destaca-se também a população rural e os professores por causa da equiparação proposta, os homens negros, que também sofrem desigualdades no mercado de trabalho por causa do racismo e a população mais pobre num todo que não conseguirá pagar por uma previdência privada.
É preciso ressaltar que se a reforma trabalhista também for aprovada, os vínculos trabalhistas se tornarão ainda mais fáceis de serem desfeitos, o que piorará a situação para todos, especialmente para os grupos mais vulneráveis já citados.
Como a reforma afetaria as mulheres?
Igualar os requisitos mínimos para se aposentar entre homens e mulheres ignora que ainda hoje o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos é visto como uma responsabilidade feminina, o que faz com que a maioria das mulheres trabalhe fora e em casa. As estatísticas apontam que a mulher soma 26,6 horas de trabalho em casa, em comparação às 10,5 horas de trabalho desempenhado pelo homem. É mais que o dobro. Além disso, mesmo após a aposentadoria, elas continuam com essas responsabilidades, o que, na prática, significa que elas continuam a trabalhar, enquanto os homens realmente param.
O problema vai além da dupla/tripla jornada, já que mulheres são maioria no trabalho informal, sofrem discriminação por poderem engravidar/ter filhos, tem maior dificuldade de se reinserirem no mercado de trabalho e de quebra, ainda há a disparidade salarial e a dificuldade de obter promoções. No Brasil, mulheres brancas recebem menos que homens brancos e as mulheres negras recebem menos que homens, brancos e negros, e mulheres brancas.
As consequências das mulheres serem maioria no trabalho informal e terem tamanha dificuldade de se reinserirem no mercado de trabalho formal é que para elas atingirem os 49 anos para a aposentadoria integral será ainda mais difícil, já que esses pontos dificultam que elas continuem contribuindo de forma ininterrupta.
Destaca-se também que a equiparação das aposentadorias de professores e trabalhadores rurais com os demais afeta também as mulheres, já que elas também trabalham no campo e são a maioria do corpo docente não universitário. Na educação básica, elas representam 80% dos professores.
Outra questão que atinge muitas mulheres é a pensão por morte. Mulheres recebem menos, tem maior dificuldade de contribuir de forma ininterrupta e de provar que trabalharam o tempo previsto por serem maioria do mercado informal, sendo assim, para muitas a aposentadoria não se tornará realidade e dependerão da pensão por morte, caso tenham direito. Tal qual a Lei Orgânica da Previdência Social, da década de 50, a reforma propõe que volte a ter uma cota fixa (de 50%) e cotas variáveis (10%) de acordo com o número de dependentes. Nunca ultrapassando a soma de 100%. E, pasmem, o valor poderá ser inferior ao salário mínimo e além disso, o projeto prevê a vedação do acúmulo da pensão por morte com a aposentadoria, podendo a pessoa escolher pelo mais vantajoso.
Ainda dentro da Seguridade Social, mas fora do âmbito da Previdência Social, é preciso destacar que muitas mulheres dependerão do Benefício de Prestação Continuada. Esse pagamento é assistencial, não tem 13º salário, é personalíssimo (não gera direito à pensão por morte dos dependentes). Contudo, a idade mínima para a concessão do benefício ao idoso é de 65 anos hoje. A proposta é passar para os 70 anos. E com pagamento inferior ao salário mínimo. Essa mudança com certeza diminuirá a qualidade de vida de todos os idosos, mas a escolha de destacá-lo na parte do que afeta mulheres se deu porque são elas que geralmente tem mais dificuldade de comprovar os requisitos para se aposentar e recebem menos, o que torna o benefício ainda mais necessário para elas. Além disso, elas tem maior expectativa de vida.
Ainda faz sentido a idade mínima prevista para mulheres se aposentarem ser menor do que dos homens?
As regras da Previdência Social devem ser pensadas de acordo com a realidade que ainda é desfavorável às mulheres. Conforme foi destacado na questão anterior, mulheres ainda são responsáveis pelo trabalho doméstico e cuidado dos filhos, além de sofrer com disparidade salarial, trabalhos informais, discriminação e dificuldade de reinserção no mercado de trabalho. Sendo assim, igualar agora é ignora as desigualdades ainda existentes, o que as acentua, já que não haverá nenhum paliativo para compensar as mulheres por trabalharem mais.
Antes de propor a equiparação, é preciso que as mudanças que a gente almeja tanto já estejam, ao menos, encaminhadas. Igualar só pode entrar em discussão quando houver creches públicas para todos, licença paternidade e licença maternidade mais avançadas e discussões sobre machismo em todos os espaços, incluindo a escola.
Por mais que Rodrigo Maia e outros deputados afirmem que a equiparação seria uma correção de uma distorção, vimos com a declaração de Temer no dia internacional da mulher que ele, assim como parte da sociedade, ainda vê o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos como algo exclusivamente feminino. Só que a declaração dele ignorou completamente que essas tarefas consideradas femininas são trabalho e que mulheres trabalham além da casa. A visão de Temer, Rodrigo Maia e outros da mulher brasileira é machista, por isso a proposta da Reforma da Previdência ignora a divisão sexual do trabalho e a discriminação que sofremos no mercado.
Como a Reforma da Previdência afetaria o mercado de trabalho?
O mercado de trabalho já não absorve trabalhadores com idades mais avançadas. E sequer os mais jovens. Além dos prejuízos aos beneficiários estamos falando de um colapso de desemprego muito superior ao que vemos hoje. Pessoas buscarão trabalhar mais, mas não encontrarão empregos, o que tornará praticamente impossível se aposentar recebendo o valor integral. O que prejudica não só a pessoa em questão, mas muitas vezes toda uma família que depende da aposentadoria de seus entes mais velhos para manter o alimento na mesa, o estudo das crianças, tratamentos médicos e afins.
A equiparação da idade mínima do trabalhador rural com o urbano poderá afetar a permanência deles no campo. Afinal, a reforma não leva em conta as dificuldades específicas e o desgaste do trabalho que o trabalhador rural sofre, o que pode fazer com que eles busquem vir para as cidades. Se esse êxodo rural acontecer, a produção de alimentos será prejudicada, logo a economia num todo.
E a economia?
Se o mercado de trabalho será afetado, logo a economia também. Com um possível aumento da pobreza com a diminuição do valor dos benefícios previdenciários e o aumento do desemprego, o poder de compra da população vai diminuir. Além disso, é preciso destacar novamente que a Reforma da Previdência não veio sozinha, ela faz parte de um pacote de austeridade que envolve também a Reforma Trabalhista e a "Pec do Teto", essa última já aprovada e análise deve levar em conta isso também.
Num país tão desigual, o dinheiro recebido por causa de benefícios previdenciários não só garantem a dignidade da pessoa humana, mas também apresentam um impacto na economia, especialmente de municípios pobres e pequenos. Como a aposentadoria integral se tornará quase impossível de ser conquistada, o valor do principal benefício previdenciário vai cair, o que afetará o poder de compra dos beneficiados e os pequenos negócios.
Essa reforma fortalece a previdência privada?
A Reforma Previdenciária proposta pode ser considerada um desmonte da previdência publica no Brasil, já que torna praticamente impossível se aposentar recebendo o valor integral do benefício. Esse desmonte fortalece a previdência privada, já que quem pode pagar vai buscá-la para tentar garantir uma renda a mais na hora de aposentar-se.
Observação final: Se a reforma for aprovada, essas regras valerão integralmente para homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 anos.
Fonte dos dados citados: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Censos do IBGE e números oficiais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Kel Campos fez um vídeo em nossa página falando sobre a reforma, confira aqui. Indicações de leitura: "Reforma da Previdência prejudica mais as mulheres e beneficia bancos" Acompanhe também a página Auditoria Cidadã da Dívida.
Fonte dos dados citados: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Censos do IBGE e números oficiais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Kel Campos fez um vídeo em nossa página falando sobre a reforma, confira aqui. Indicações de leitura: "Reforma da Previdência prejudica mais as mulheres e beneficia bancos" Acompanhe também a página Auditoria Cidadã da Dívida.