Por Francine Malessa, colaboradora especial
As mulheres têm protagonizado as propagandas partidárias veiculadas no horário nobre da rede de televisão brasileira. Quer dizer, não são tão protagonistas assim. A maioria delas é apresentada por um líder masculino, que exalta as suas qualidades e incentiva a participação feminina em um cenário que agora precisa delas para dar um ar de seriedade e limpar a sujeira que os homens fizeram (resumindo algumas falas).
Estes programas têm tantos erros que se formos descrever um por um, poderíamos fazer uma lista imensa. No entanto, o que mais incomoda a quem acompanha a história política e a inserção feminina é o fato de declararem que precisam delas. Por que só agora? A mulher só serve quando os homens com o seu modelo masculino de governar já conseguiram sujar tudo e agora precisam de um “fato novo” para poder continuar sobrevivendo na vida política?
O sufrágio feminino marcou a primeira onda do movimento de mulheres, entre o século XIX e XX. Influenciadas pela luta de outras mulheres, as brasileiras também reivindicaram o seu direito. Se pegarmos como símbolo a peça “O voto feminino” de Josefina Álvares, encenada no Teatro do Recreio, no Rio de Janeiro em 1878, até o decreto de 24 de fevereiro de 1932, pouco menos de um século foi o tempo que levou para as brasileiras terem seu direito reconhecido pelo Código Eleitoral, o que se consolidou, de fato em 1946.
O resgate histórico é necessário, pois, até 85 anos atrás, as mulheres não eram nem reconhecidas como cidadãs perante a sociedade. Vejam bem, não faz nem um século que as brasileiras são vistas (e será que são?) com os mesmos direitos dos homens de exercer seu papel político.
A inserção no cenário político, como representantes da população então, foi sempre trilhado em segundo plano, isso quando não eram (e ainda são) utilizadas como laranjas para cumprir a cota. Nem mesmo elegendo a primeira presidenta da história brasileira, este cenário conseguiu mudar. Inclusive, não se podem negar os sentidos machistas e misóginos que circularam durante o período do golpe em 2016.
Por falar em golpe, as mulheres também foram utilizadas pelo lado mais conservador do cenário político, para mobilizar as marchas pela família que sustentaram o golpe de 1964. E é este tom que se vê repetido nestes programas partidários atualmente. Deturpando a luta feminista, muitas siglas têm colocado as mulheres para garantir os “direitos femininos” de forma a fazer retroceder ou dificultar ainda mais certos debates, principalmente com relação aos direitos sexuais e reprodutivos.
É claro que a democracia abre espaço para todos os olhares e opiniões, antes que me acusem de querer instaurar uma “ditadura feminista”. No entanto, a forma como estão se apropriando de uma luta histórica que se mostra cada vez mais necessária, principalmente em tempos de intolerância e extremismos, coloca em risco tudo que já foi possível construir até agora e o que poderia ser alcançado.
Ainda sob a perspectiva democrática, sabe-se também que nenhuma mulher é obrigada a ser feminista, assim como não é obrigada a nada! Portanto, mesmo não concordando com as visões contrárias às minhas e às correntes às quais me filio, defendo uma ampla participação das mulheres na política brasileira. O que me preocupa é que enquanto os conversadores utilizam esta bandeira, a oposição segue calada neste debate, insistindo em erros e impossibilitando o empoderamento de suas líderes.