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Texto de Kel Campos
Ontem, 28 de setembro, foi o Dia Latino Americano e Caribenho pela Descriminalização do Aborto. Em várias cidades do país, mulheres foram às ruas para reivindicar o controle sobre seus direitos reprodutivos. Em São Paulo, cerca de 200 feministas ocuparam a Avenida Paulista para lembrar que o assunto é da esfera da saúde pública e que o Estado Laico, ao descurar desse direito, assume a morte de mulheres sujeitas ao aborto clandestino.
Com esse enfoque, o "Cortejo da Mulher Morta em Aborto Clandestino - Pela Legalização do Aborto" fez coro em lembrar que é a mulher pobre, sem acesso aos procedimentos seguros que fica mais vulnerável pela proibição.
Um caixão, carregado por ativistas clandestinas, tratava do assunto em primeira pessoa, como deve ser. É preciso humanizar a mulher que opta pelo aborto. O pensamento moralista de que a gravidez, e consequentemente um bebê, é punição para a mulher que faz sexo desconsidera a participação de um homem na concepção.
A realidade é que a proibição legal, retrógrada e incoerente, não inibe que as mulheres abortem. Você conhece alguma mulher que abortou? Provavelmente você não sabe, mas sim, você conhece. Mais de 800 mil mulheres se submeteram ao procedimento no Brasil. Dessas, há estimativas de que a cada 2 dias, uma morre. Muitas outras recorrem aos hospitais pelas complicações ocorridas no procedimento.
Elizangela tinha três filhos e não queria o quarto. Jandira tinha dois e não queria o terceiro. E em nome da legislação que protege um feto, mais duas mulheres perderam a vida. E, vamos calcular, cinco crianças ficaram órfãs.
Nota como a proibição não salva fetos? Mata mulheres! E, repise-se, mata uma a cada dois dias.
A desonestidade com que se defende a proibição é vergonhosa. Uso de imagens de crianças já nascidas. Uso de imagem de fetos já formados, com muito mais semanas de vida do que se defende como seguro. Tratamento da mulher como mero receptáculo salvador. Uso de dados falsos, vídeos falsos e nenhum aprofundamento nos argumentos, trazendo rasos argumentos baseados no moralismo fundamentalista e no senso comum.
Métodos contraceptivos falham. Fetos sofrem anencefalia. Mulheres são submetidas à estupro. Gravidezes provocam riscos de vida. Mulheres não podem, ou não querem, ter filhos. Não importa qual motivo, a escolha não cabe ao pensamento moralista e individual. A escolha é de cada um.
Essa, que é a pauta mais polêmica do feminismo na atualidade, é a nossa luta. Pelo direito ao aborto seguro, legal e gratuito.
Instruções de uso: 1. Pegue uma pedra 2. Julgue 3. Atire "Eu abortei" |
Numa tarde, caminhando de luto sob o Sol, rememorei vários sentimentos. Naquele caixão, logo ali na abertura do ato, eu poderia ter sido enterrada. Quem estaria no meu cortejo? Quantas pessoas me julgariam por ter feito sexo. Diriam que eu procurei isso, que não me protegi. Poderiam até afirmar que eu mereci, que fui suicida. Que paguei com minha vida por ter esquecido da proteção. Não acredito que alguém perguntaria qual o segundo sujeito da gravidez que para mim era indesejada. "Cadê o homem que engravidou? Por que o crime é da mulher que abortou?"
Poderia ser eu, naquela vez que aliviada comemorei a vinda da menstruação. Poderia ser eu se não tivesse recurso de ter tomado, uma vez na vida, a pílula do dia seguinte. Poderia ser eu, caso a camisinha furasse. Poderia ser eu, caso a pílula anticoncepcional falhasse. Poderia ser eu, mulher adulta que trepo. Que ando pelas ruas insegura. Eu, que vivo num país em que o aborto é proibido e criminalizado. Penso que poderia ser eu quando leio notícias sobre a prisão de mulheres. Penso que poderia ser eu e sinto pela morte de Jandiras e Elizangelas. Eu só tive um pouco mais de acesso à informação e aos contraceptivos. Eu só tive um pouco mais de sorte de que eles não falhassem.
*Aborto legal, seguro e gratuito não é apenas direito das mulheres, homens trans e pessoas não binárias com útero também podem engravidar. A reivindicação é para todas essas pessoas. E nem todas as mulheres podem engravidar e tem útero.