Machismo e a naturalização da violência psicológica

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A expressão "ativismo de sofá" geralmente é usada para designar de forma pejorativa quem se dedica a denunciar o que lhe parece incorreto ou escrever sobre o que lhe parece correto, utilizando as redes sociais, conversas de bar, um blog, um podcast, ou uma pequena faixa erguida no meio de uma marcha.
Esse texto de Thaís Campolina foi publicado no site Maria Conta. Pedi para republicá-lo no blog por causa do dia 25 de novembro ser o dia internacional de combate à violência contra mulher. O projeto Maria Conta é uma homenagem aos 8 anos da Lei Maria da Penha. É uma plataforma que visa reunir informações relevantes sobre a lei e investigar o que mudou de lá pra cá. Para isso, os organizadores do site, que são alunos do curso de Comunicação Social da UFMG, conversam com juízes, pesquisadorxs, mulheres que já utilizaram a lei, ou qualquer pessoa que tenha relação com o tema e que queira se expressar de forma livre. O projeto também tem página do facebook, confira aqui.
"Não existe mulher que gosta de apanhar. O que existe é mulher humilhada demais para denunciar, machucada demais para reagir, com medo demais para acusar e pobre demais para ir embora"
A criminalização da violência doméstica no país, através da Lei Maria da Penha, aconteceu após o Brasil ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por negligenciar e ser omisso com a violência contra a mulher. A importância da lei específica é inegável, porque foi a partir dela que o pensamento “em briga de marido e mulher, não se mete a colher” passou a ser mais questionado. Ao criminalizar agressões domésticas contra mulheres, um comportamento usualmente visto como um problema privado e apenas uma briga de família, passou a ser tratado como uma questão pública.
Só que a Lei Maria da Penha, após os oito anos de existência, não se mostrou suficiente para solucionar o problema da violência doméstica. Os aspectos culturais machistas e misóginos continuam vigentes e eles não estão dissociados da violência em si.
A romantização de relacionamentos abusivos que se baseiam em controle e ciúme se faz presente e acaba por naturalizar comportamentos problemáticos que podem evoluir para a violência física. Novelas apresentam homens ciumentos, controladores e possessivos como galãs. Essa romantização acaba por perpetuar que o amor é indissociável da ideia de posse e isso é tão questionável porque uma das motivações mais comuns para o feminicídio é o ciúme.
O uso do termo “crime passional” relativiza assassinatos cometidos contra mulheres motivados pela misoginia. Ao vincular o amor e a paixão ao cometimento de crimes perpetua-se que controle, ciúme e posse fazem parte do amor e que os agressores ao assassinarem suas companheiras ou ex-companheiras, o fizeram por estarem “doentes de paixão”.
O controle e a posse partem da concepção de que mulheres são propriedades de seus pais e maridos, o que é uma forma de desumanização. Ainda hoje, mulheres são cobradas a serem submissas aos homens e a violência doméstica muitas vezes se manifesta com justificativas que partem do pensamento que a mulher deve servir e que se ela não obedeceu, ela merece uma lição.
O ciclo da violência doméstica é difícil de ser quebrado por causa dos vários aspectos culturais, sociais e econômicos que estão naturalizados em nosso cotidiano. O controle das roupas, dos lugares que a mulher frequenta e a violência psicológica que se manifesta com incessantes ataques verbais ao corpo e comportamento da parceira é a primeira fase desse ciclo tão difícil de ser destruído. Comportamentos como esses descritos são muitas vezes vistos como parte de relacionamentos considerados “normais”.
A violência psicológica, que é uma das violências que a Lei Maria da Penha tem a intenção de coibir, é ainda vista como aceitável. Essa aceitabilidade se pauta na visão de que a mulher deve ser submissa ao homem, por ser inferior a ele. Deve-se também ao fato de que se espera determinados comportamentos de uma mulher, como falar baixo, usar roupas comportadas, cuidar da casa e dos filhos. A violência muitas vezes é justificada pelos agressores com argumentos como “ela saiu da linha”, “eu sei o que é melhor para você” e frases que tem intenção de atacar a autoestima da mulher para que ela acate o que se espera dela, através do uso de frases como “você não me ama o suficiente” e “eu vou me cansar de suas frescuras e você ficará sozinha, ninguém vai te querer”.
A dependência emocional é construída dentro e fora do relacionamento. Ainda hoje há a cobrança, através de costumes, para que a mulher tenha um parceiro, para que se case com um homem, constitua família. Uma mulher sozinha, além de ser vista como desagradável e mal amada, ainda é desqualificada por não ter um parceiro. Os costumes dizem que a mulher deve manter o homem apaixonado e a culpa por qualquer falha no relacionamento é considerada sempre dela. Ela é colocada como a responsável pela manutenção da harmonia ali. É quase um ditado popular a frase “quem não tem em casa, procura fora” que coloca a culpa da traição em cima da mulher, além de influenciar que uma pessoa numa situação de vulnerabilidade, sinta-se coagida a práticas sexuais que não tem vontade.
"Na violência contra a mulher a gente mete a colher"
Mesmo ao sair de um relacionamento abusivo, o rompimento é visto como um fracasso da mulher que falhou na obrigação de manter a estrutura familiar. Assim como as agressões são vistas como motivadas pelo comportamento da própria vítima, o rompimento também é carregado de culpa. Essa culpa é resultado da violência psicológica a que a mulher foi submetida e é alimentada pela culpabilização da vítima feita em todos os âmbitos sociais, incluindo o Judiciário e a Polícia.
A violência psicológica é tão naturalizada que sequer é percebida como um mal dentro de um relacionamento. O machismo normaliza comportamentos perigosos e para coibir a violência doméstica e outras violências contra a mulher é necessário que se combata com veemência os aspectos culturais que reproduzem dinâmicas de opressão. Além de melhorar a aplicação da Lei Maria da Penha em si, aumentar o número de delegacias especializadas e proporcionar um atendimento 24 horas, treinar os policiais e profissionais de saúde que prestam o atendimento às vítimas e outras ações, também é necessário viabilizar políticas públicas que combatam o problema desde a raiz, que é o machismo simbólico  que nos é ensinado desde crianças. Publicado originalmente aqui.
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