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Por Zeina Erhaim
De cara nós não reconhecemos o nosso amigo. Ele perdeu mais de 10 quilos e tem problemas em ficar de pé. Seu rosto tem a cor de um limão velho, e as suas roupas estavam tão sujas como se tivesse acabado de rastejar para fora de uma cova. Poderia aquele realmente ser Mohammad?
Há uma semana, o farmacologista de 30 anos foi sequestrado em um subúrbio de Alepo pelo Estado Islâmico (EI). A maior parte de seus amigos achou que Mohammad (que não é seu nome real) havia desaparecido para sempre. “Ninguém vai para as prisões do EI e volta com vida, especialmente aqueles acusados de serem secularistas,” sua amiga Rand disse.
Mohammad é um muçulmano devoto, mas para o EI, qualquer um que faça frente ao grupo é considerado secularista.
A ironia é que enquanto Mohammad é visto como um perigoso secularista aos olhos do EI, o Ocidente o encara como um perigoso Islamista. Depois que o EI ocupou alguns subúrbios de Alepo, Mohammad e muitos outros médicos decidiram não sair de suas cidades, mas sim a continuar ajudando a população local – apesar dos riscos e do sacrifício pessoal envolvidos.
Ainda assim, eles agora se encontram a serem tratados como terroristas onde quer que vão, simplesmente por virem de terras ocupadas pelo EI. Mês passado, Mohammad e um grupo de médicos tiveram suas entradas a Turquia recusada, embora tenham seus passaportes válidos. Um oficial da fronteira os disse para “voltar ao seu Estado Islâmico”.
De certa forma Mohammad tem sorte. Não apenas ele conseguiu escapar de uma prisão do EI, ele também não tem viajar para fora do país, onde o mundo inteiro o trataria como terrorista até que se prove inocente. “Vocês são todos terroristas para os americanos” um gerente de banco na cidade turca de Gaziantep me disse ontem, enquanto explicava o novo banimento de transferência de dólares para contas de cidadãos sírios.
Pelo menos ele teve o trabalho de explicar. No último verão eu recebi uma ligação do consulado norte-americano em Istambul me dizendo que o meu visto de dois anos havia sido cancelado. Aparentemente eles não estavam autorizados a me dar explicações do porquê. Eu viajei aos Estados Unidos duas vezes no ano passado com uma organização que é registrada lá, e eu tenho um cartão internacional de imprensa, um visto valido para o Reino Unido e um currículo de trabalho com a BBC: nada disso me salvou da suspeita de ser uma potencial terrorista. Um amigo que trabalha nos EUA me disse que provavelmente eu não teria esse tipo de problema se morasse na Turquia. “Mas você vive na Síria, então muito provavelmente você é uma criminosa, de uma maneira ou outra”.
Quando meu voo aterrissou no aeroporto de Heathrow, em Londres, em dezembro passado, a polícia entrou no meu avião e chamou por uma mulher com nome árabe. Eu entrei em pânico e comecei a apagar fotos minhas sem véu que estavam no meu celular. Demorou alguns segundos para me lembrar que eu não estava em um checkpoint do EI na Síria. Então eu fechei a galeria de fotos, e comecei a deletar alguns hinos patrióticos do aparelho, no caso de suas mensagens islâmicas possam ser usadas como provas que me acusem de ser uma terrorista. Então outro chamado da realidade: o nome não era o meu. Mais tarde, no terminal, eu chorei até não poder mais.
Bom, talvez eles estejam certos, quem sabe eu não seja uma terrorista? Uma terrorista que decidiu deixar seu trabalho de jornalista em uma respeitável instituição, para voltar para casa de ajudar as pessoas sob os ataques dos barris-explosivos de Assad. Sou uma terrorista que é apegada à vida, mas decidiu enfrentar a morte diariamente, em nome da liberdade e dos direitos humanos.
Eu tenho sete amigos em prisões do EI, sequestrados muito antes do resto do mundo tomar conhecimento desse grupo terrorista. Eu perdi outros que lutaram contra o EI em janeiro de 2014, tentando expulsar militantes das províncias de Idlib e Alepo. Abu Younis, o doce médico do centro médico de Busta al-Qasr, foi executado juntamente com outros 40 no hospital oftalmológico de Alepo após o mesmo ser transformado em uma base pelo EI em 2013. Além disso, existem todos os grandes amigos que morreram sob tortura nas prisões de Assad, ou enquanto resistiam sua tirania.
E agora, a nossa cidade está dividida por facções rivais, e o céu sobre as nossas cabeças está repleto de terror também. Um parente meu, de 11 anos de idade, foi morto recentemente por uma dos bombardeios da coalizão na cidade de Ein Shib, um subúrbio da cidade de Idlib. Ahmad havia perdido seu pai ano passado, então ele e sua irmã estavam vivendo com o avô, que é um membro importante da Frente an-Nusra. Desde que os bombardeios da coalizão começaram, 35 combatentes de Alepo e 2 grandes batalhões de Idlib se juntam ao EI.
No meio de todo o emaranhado político e medo do retorno de jihadistas causando o terror na Europa, são essas histórias de sírios comuns que têm sido esquecidas: pessoas que primeiro foram aterrorizadas por um ditador que queria mortos todos os que não o apoiassem, depois por jihadistas de todo o mundo que ocuparam o nosso país, e agora pelos “danos colaterais” dos bombardeios da coalizão.
E vocês nos chamam de terroristas?
(Foto:UNRWA)