ORGULHO

Vinícius Jr, um grande brasileiro

Longe da alienação gloriosa de Pelé ou da brincadeira fugaz de Daniel Alves, o craque do Real Madrid enfrenta o racismo como deve ser: de cabeça alta e apontando sem medo e contemplação os ofensores

Vinícius aponta o dedo para os racistas.Créditos: Reprodução/Twitter Vini Jr
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Estava conversando com um colega e ele fez uma definição de racismo: “ele existe quando uma pessoa branca pode entrar em um local público e uma pessoa preta é impedida de entrar no mesmo local, um bar ou um clube, por exemplo. Agora, chamar de urubu, macaco, não é racismo, é zoação apenas”.

Não dá para discutir, não? Na verdade, ele está colocando no mesmo balaio um branco que chama um preto de macaco de um preto que chama um branco de palmito.

O racismo está entranhado na sociedade, seja explícito ou “recreativo” ou “funcional”. Quando um branco anda pela rua e se assusta com um preto vindo em direção contrária – esteja bem ou mal vestido – não importa – é racismo. Quando se fala que segunda-feira é “dia de branco” é racismo.

Pode ser difícil se adaptar aos novos tempos, o que não pode é resumir tudo a mimimi ou coisa assim.

Hoje no mundo, ou pelo menos no mundo do esporte, não há alguém que enfrente o racismo com tamanha precisão como Vinícius Jr, o craque do Real Madrid, que, convenhamos, ainda não jogou com a seleção tudo o que joga com seu clube. O que é apenas uma observação que nem precisaria estar aqui.

Vítima constante de atos racistas, Vinícius, com indignação e coragem em doses iguais, coloca o dedo na ferida. Basta comparar com o que faziam outros atletas pretos. Pelé sempre disse que não sofreu racismo, por exemplo. Daniel Alves preferiu comer a banana que lhe foi atirada e continuar o jogo.

Em relação a Pelé, é preciso lembrar que eram outros tempos. Mais de 50, 60 anos. O preto brasileiro optava por “não mexer com esses assuntos” e apenas jogar bola. Conseguir seu reconhecimento – e aceitação – através de suas qualidades técnicas.

E Pelé, mesmo sem se posicionar, encheu de orgulhos crianças e homens pretos através do mundo. O Atleta do Século era um deles, mesmo não se posicionando como Muhammad Ali, Tommie Smith e John Carlos.

O caso de Daniel Alves foi apenas uma projeção a mais de seu estilo good crazy. Tô nem aí com a sua ofensa, eu como a sua banana, dou uma mensagem engraçada para o mundo e não atrapalho o jogo, afinal sou pago para jogar. Um ato, uma atitude que se esgota dias depois. Não traz consequências, não aprofundo a questão, é apenas uma piada de quem, talvez, nem se reconheça como negro.

Com Vinícius é diferente. Quando está em campo e algum homem das cavernas imita macaco, ele denuncia na hora. Mostra, aponta o dedo e, se for necessário, o jogo que pare.

Há poucos meses, foi em Valencia. O clube tentou reagir, jornalistas ligados à diretoria disseram que Vinícius é provocador e que as coisas não são bem assim, que só se ouve Madri e que os clubes menores sempre são julgados.

Na semana passada, o caso foi em Sevilha e a reação foi totalmente diferente. Escaldado com a repercussão anterior, o clube rapidamente identificou o racista e o proibiu de frequentar o estádio. O trabalho de Vinícius dá resultado.

Ele não fica de cabeça baixa para ninguém. Apontou o dedo para a direção de La Liga e quando o presidente disse que havia tentando conversar com ele, respondeu duramente: “não sou seu amigo, não quero conversar, quero atitudes”.

Ele recorre à ironia para mostrar como caminha sua luta. Referiu-se às ofensas que sofreu em Sevilha como “caso isolado número 19”. Sim, é sempre assim. Para os que ofendem, é sempre um caso isolado, é sempre uma reação exagerada do ofendido.

Eles prefeririam lidar com jogadores antigos, que diziam “sempre foi assim, isso sempre aconteceu”, um conformismo que ajudou a situação a ficar como está.

Vinícius Jr pode não ganhar prêmios de melhor do mundo, pode não vencer uma Copa do Mundo, pode não fazer gols como Mbappé, pode ser referência “apenas no Real Madrid” – como se fosse pouca coisa – mas é um grande brasileiro. Alguém que não aceita o lugar que lhe foi designado no mundo por aqueles que não aceitam o fim da escravidão.

Vinícius não é um bom moço. Não é um preto que abandona sua pretitude para ser aceito em uma sociedade opressora com os seus. Nunca um branco racista poderá dizer “nem parece preto” para Vinícius. Ele não veio ao mundo em busca de aceitação. Seu lugar ele conseguiu com cabeça erguida e muita coragem. Dentro de campo, marcado por um ou dois, ou fora dele, ofendido por milhares.

A todos, ele diz: “eu sou um homem e exijo respeito”. Um brasileiro para se ter orgulho.

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