DEGRADAÇÃO AMBIENTAL

Moda e Meio Ambiente: O impacto nocivo das fibras têxteis sobre as terras do planeta

Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação lança relatório que destaca os efeitos nocivos do setor

O impacto nocivo das fibras têxteis sobre as terras do planeta.Efeitos nocivos de fibras à base de madeira, linho e algodão são analisados por relatório da ONU. Silhoueta de um homem e árvores, uma mulher e linho e outra mulher e algodão.Créditos: Fotomontagem Relatório da UNCCD
Escrito en MODA E POLÍTICA el

A moda desfila suas mazelas pelo planeta e, não por acaso, é a filha predileta do capitalismo. Nos últimos anos, essa indústria tem sido alvo de crescente atenção devido ao seu impacto ambiental, particularmente no que diz respeito às mudanças climáticas

Embora a emissão de carbono na produção, uso e descarte de roupas seja um ponto crítico, os efeitos nocivos da moda vão muito além. Os impactos do setor em paisagens naturais, fauna, recursos hídricos e florestas são frequentemente negligenciados.

A moda é uma peça-chave no avanço da degradação ambiental que atinge milhões de pessoas que vivem e trabalham nas regiões em que essa indústria opera  — agricultores, pastores, comunidades indígenas e locais — frequentemente situados no elo mais frágil das cadeias globais de valor do segmento.

Nesse contexto, a Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação (UNCCD, da sigla em inglês) acaba de lançar um relatório que destaca os impactos significativos da indústria da moda sobre as terras do planeta, aborda como a produção de fibras têxteis contribui para a degradação ambiental e sublinha a importância de escolhas mais sustentáveis no setor.

O lançamento foi feito durante a 16ª Conferência das Partes (COP16) da UNCCD, que está sendo realizada em Riad, Arábia Saudita, desde o dia 2 e que prossegue até o dia 13. Este evento marca o 30º aniversário da agência da ONU e é a primeira vez que ocorre na região do Oriente Médio e Norte da África, uma área profundamente afetada pela desertificação, degradação da terra e secas. 

Impactos da moda nas terras

O relatório "Fashion & Land: Unravelling the Environmental Impact of Fibres" (Moda e Terras: Desvendando o Impacto Ambiental das Fibras, em tradução livre) destaca o impacto ambiental da indústria da moda no uso da terra e como o setor tem contribuído significativamente para questões ambientais, como esgotamento de recursos naturais e poluição.

Na carta de abertura da publicação, a chefe de Comunicação, Relações Externas e Parcerias da UNCCD, Xenya Scanlon, ressalta o questionamento sobre a relação entre um tratado da ONU para combater a desertificação, a degradação do solo e a seca — assinado por 196 países e pela União Europeia — com a moda.

“A resposta simples é que nossas roupas vêm da terra. E, frequentemente, elas retornam para a terra”, escreve.

Desafios para o uso sustentável da terra

O estudo informa que 124 milhões de toneladas de fibras foram produzidas globalmente em 2023, com projeções para alcançar 160 milhões de toneladas até 2030.

O documento explora os desafios e virtudes de fibras têxteis amplamente utilizadas e destaca como a escolha de materiais pode reduzir a pegada ambiental da indústria e fomentar padrões de produção e consumo mais responsáveis.

O relatório detalha os impactos das principais fibras têxteis utilizadas: algodão, lã e cashmere e fibras sintéticas e à base de madeira.

  • Algodão: Representa 20% da produção global de fibras e ocupa 2,5% das terras aráveis. No entanto, consome 1.931 litros de água de irrigação e 6.003 litros de água da chuva para produzir 1 kg de fibra, contribuindo para a escassez hídrica e uso intensivo de pesticidas.
     
  • Lã e Cashmere: Associadas à degradação de pastagens, desmatamento e emissão de metano. O aumento da produção de cashmere, particularmente na Mongólia, contribui para a desertificação de 70% das pastagens do país.
     
  • Fibras sintéticas: Derivadas de combustíveis fósseis, constituem 67% das fibras utilizadas. São uma fonte significativa de microplásticos e representam 9% das perdas anuais de microplásticos nos oceanos.
     
  • Fibras à base de madeira: Oferecem alternativas sustentáveis, mas podem causar desmatamento quando não gerenciadas de forma sustentável.

Soluções para o uso sustentável da terra

Apesar de iniciativas promissoras, como o uso de resíduos agrícolas para fabricar fibras, esses materiais ainda enfrentam desafios para alcançar escala no mercado. O relatório ressalta a necessidade de incentivos políticos e sinais de mercado que impulsionem a inovação e o empreendedorismo voltados para a saúde do solo e a sustentabilidade.

Além de mapear os problemas, o estudo apresenta soluções, como políticas públicas mais efetivas, certificações voluntárias e tecnologias inovadoras, que podem mitigar os impactos ambientais. A ênfase recai sobre a importância de proteger o meio ambiente, conservar a biodiversidade e garantir a produtividade das terras para as futuras gerações.

O relatório conclui com um apelo aos governos, empresas e consumidores: que colaborem para moldar uma indústria da moda mais sustentável e alinhada às necessidades do planeta. "Cada decisão conta", reforça a publicação, inspirando a transição para um setor mais consciente e ecológico.

Leia aqui o relatório completo em inglês.

Fibras têxteis no Brasil

A primeira análise aprofundada no Brasil sobre as consequências ambientais e sociais da moda foi lançada em 2021. O relatório "Fios da Moda: Perspectiva Sistêmica para Circularidade" aborda temas como uso da terra, emissões de carbono, consumo de água e reciclagem.

O documento destaca a relação entre a moda e os impactos socioambientais, com foco na produção e uso de três fibras principais: algodão, poliéster e viscose. 

O levantamento mostra que, anualmente, são produzidas no país cerca de 8,9 bilhões de peças, o que equivale a 42,5 peças por habitante. O Brasil é o 4º maior produtor de vestuário e denim, com 96,8% das empresas no setor sendo micro ou pequenas.

A indústria da moda brasileira é responsável por 2,1 bilhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa globalmente. O algodão, apesar de ser uma das fibras mais usadas, tem alta demanda por agrotóxicos e água. O poliéster, derivado de petróleo, é a fibra mais produzida e contribui para a poluição por microplásticos.

O relatório sugere a transição para uma economia circular na moda, com ênfase em design sustentável, reciclagem e redução de resíduos. Propostas incluem melhorar a rastreabilidade e incentivar o uso de fibras alternativas.

O documento também destaca lacunas na transparência e rastreabilidade da cadeia produtiva, especialmente sobre resíduos gerados e uso de terras agrícolas para produção têxtil.

Essa análise busca inspirar mudanças estruturais para minimizar os danos ao meio ambiente e à sociedade, promovendo práticas mais sustentáveis no setor. 

Leia aqui o relatório completo.

O colosso da moda global

Em 2023, a indústria de moda global gerou uma receita estimada de US$ 2,4 trilhões, cerca de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Se fosse considerada uma nação, a moda ocuparia a posição de sétima maior economia do planeta. 

No segmento de comércio eletrônico, o setor de moda liderou as vendas globais, alcançando uma receita anual de US$ 525 bilhões. Projeções indicam um crescimento médio anual de 11,4% nas vendas online, com expectativa de atingir a marca de US$ 1 trilhão nos próximos dois anos. 

No Brasil, a cadeia têxtil e de confecção alcançou um faturamento de R$ 190 bilhões em 2021, posicionando-se como a maior cadeia têxtil completa do Ocidente. O setor de confecção é o segundo maior empregador da indústria de transformação no país, ficando atrás apenas do setor de alimentos. 

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