MODA SEM VENENO

Syngenta tem que sair do Brasil, apela João Pedro Stédile

Líder do MST pede saída da gigante chinesa que produz agrotóxicos do país; uma das culturas que mais usa esse tipo de veneno é a do algodão, principal fibra usada pela indústria têxtil e de moda brasileira

João Pedro Stédile quer saída da Syngenta do Brasil.João Pedro Stédile, líder do MST, que a gigante chinesa que fabrica agrotóxicos fora do país; algodão é uma das culturas que mais usam esse produto no Brasil.Créditos: Fotomontagem: MST e Syngenta
Escrito en MODA E POLÍTICA el

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, e o algodão é a quarta cultura que mais utiliza esses produtos, representando 10% do volume total de pesticidas aplicados no país. 

LEIA TAMBÉM: Algodão do agronegócio não tem nada de sustentável nem responsável

Na indústria da moda, a fibra é uma das mais utilizadas e representa aproximadamente 25% da produção mundial de fibras têxteis. No Brasil, corresponde a mais de 90% da produção nacional de fibras. 

Nesse cenário, o apelo feito pelo coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, para que o governo chinês retire do Brasil a Syngenta, uma das maiores fabricantes globais de pesticidas, atualmente controlada por uma estatal chinesa, dialoga com uma das principais pautas dos ativistas de moda brasileiros. 

A declaração de Stédile foi feita durante sua participação no Fórum Brasil-China: Marcos para uma Nova Cooperação para o Desenvolvimento Compartilhado, evento realizado em Brasília nos dias 26 e 27 de novembro. Ele comentou que a China não pode sujar a tradição histórica de luta com as práticas propagadas por essa empresa, que ele classifica como inimiga do MST.

LEIA TAMBÉM: China e Brasil: Cooperação em desenvolvimento sustentável e agricultura familiar

Em entrevista exclusiva à Fórum, Stédile explicou em detalhes seu posicionamento pela saída da Syngenta do Brasil e descreveu os efeitos nocivos dos agrotóxicos na biodiversidade, no solo e na saúde pública. 

"Os agrotóxicos são mais perversos que as queimadas. Eles matam a biodiversidade, contaminam o solo, os lençóis freáticos e até a água da chuva. O resultado é um ciclo de degradação ambiental e doenças, incluindo câncer, que afeta até crianças", afirmou.

O líder do MST também citou estudos que apontam contaminação generalizada pela substância glifosato, amplamente utilizada na agricultura brasileira. 

Um desses estudos, feito pela Fiocruz em 2022 intitulado "Norma brasileira de potabilidade: análise das quantidades de agrotóxicos permitidas na água sob a perspectiva da saúde de crianças e adolescentes" analisou os agrotóxicos mais vendidos no Brasil entre 2010 e 2020. 

De acordo com essa pesquisa, dos 12 agrotóxicos mais comercializados e monitorados na água potável, oito deles (67%) foram classificados como carcinogênicos, provavelmente carcinogênicos ou possivelmente carcinogênicos. Além disso, dez (83%) foram identificados como desreguladores endócrinos conhecidos ou possíveis. O glifosato está entre esses agrotóxicos analisados.

"É um problema gravíssimo que afeta aldeias indígenas, ribeirinhos e a saúde de milhões de brasileiros", alertou.

Crítica à indústria e à Syngenta

Stédile criticou a concentração da indústria química global, citando empresas como Bayer, BASF e Syngenta, que produzem e comercializam grande parte dos agrotóxicos usados no mundo. Ele enfatizou que a Syngenta, hoje de propriedade estatal chinesa, representa um grande desafio para uma agricultura sustentável no Brasil.

"Por mais que sejamos amigos do povo chinês, não podemos admitir que uma empresa estatal chinesa, como a Syngenta, continue a vender venenos no Brasil. É uma contradição inaceitável para quem defende a vida e o meio ambiente", declarou.

Alternativas sustentáveis

Para o líder do MST, a solução passa pelo desenvolvimento de tecnologias agrícolas que substituam os agrotóxicos. Ele defendeu a mecanização, o uso de fertilizantes orgânicos e defensivos biológicos como formas de preservar o meio ambiente e garantir a saúde da população.

"A luta contra os agrotóxicos é uma luta pela vida. Precisamos combater a indústria que fabrica esses venenos e promover alternativas sustentáveis para proteger nosso povo e nossa terra", disse.

Stédile pediu maior conscientização sobre os impactos do modelo agrícola hegemônico e reforçou a importância de iniciativas que priorizem a agroecologia e a agricultura familiar. Ele se comprometeu a continuar denunciando os efeitos dos agrotóxicos e cobrando ações concretas das autoridades e da sociedade civil.

Moda Sem Veneno

O apelo de Stédile junta-se à campanha "Moda Sem Veneno", uma iniciativa conjunta das organizações Modefica, Fashion Revolution Brasil e Rio Ethical Fashion, lançada em 2020 com o objetivo de conscientizar sobre o uso intensivo de agrotóxicos na produção de algodão no Brasil e seus impactos na saúde humana e no meio ambiente. 

LEIA TAMBÉM: Fashion Revolution Brasil lança 'Agenda Legislativa da Moda Ética"

O movimento surgiu em resposta ao Projeto de Lei 6299/2002, conhecido como "PL do Veneno", que propunha flexibilizar a aprovação de novos agrotóxicos no país. A matéria foi aprovada e convertida na Lei 14.785/2023.

A legislação atualizou a regulamentação de agrotóxicos no Brasil e é alvo de críticas por parte de especialistas e organizações preocupadas com possíveis impactos na saúde pública e no meio ambiente. 

  • Flexibilização dos processos de registro: A nova lei estabelece prazos mais curtos para a análise e concessão de registros de agrotóxicos, o que pode comprometer a profundidade das avaliações de segurança e eficácia dos produtos. Essa celeridade pode resultar na aprovação de substâncias potencialmente nocivas sem a devida análise dos riscos associados.
     
  • Redução da participação de órgãos de saúde e meio ambiente: Inicialmente, a lei propunha centralizar a coordenação das análises e reanálises toxicológicas e ecotoxicológicas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), diminuindo o papel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Embora alguns dispositivos tenham sido vetados para manter o modelo tripartite, há receios de que a influência desses órgãos técnicos seja reduzida, afetando a qualidade das avaliações.
     
  • Possibilidade de registro de produtos em reanálise: A lei permite o deferimento de registros de produtos cujos ingredientes ativos estejam em processo de reanálise, o que pode levar à aprovação de substâncias com riscos ainda não totalmente avaliados. Essa medida é vista como um retrocesso na proteção à saúde e ao meio ambiente.
     
  • Aumento do uso de agrotóxicos: A flexibilização das normas pode resultar no aumento do uso de agrotóxicos, elevando os riscos de contaminação ambiental e de exposição da população a substâncias tóxicas. O Brasil já é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, e a nova legislação pode intensificar esse cenário.
     
  • Impactos na saúde pública: Há preocupações de que a aprovação mais rápida de agrotóxicos possa resultar na liberação de produtos com efeitos adversos à saúde humana, incluindo riscos de câncer, distúrbios hormonais e outras doenças. A falta de avaliações aprofundadas pode comprometer a segurança alimentar e a saúde dos trabalhadores rurais.

Essas críticas refletem a necessidade de um equilíbrio entre a modernização do setor agrícola e a garantia de proteção à saúde pública e ao meio ambiente. Organizações da sociedade civil, órgãos de saúde e meio ambiente continuam monitorando a implementação da lei e seus desdobramentos.

Algodão e agrotóxicos no Brasil

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, e o algodão é a quarta cultura que mais utiliza esses produtos, representando 10% do volume total de pesticidas aplicados no país. 

Embora o algodão seja uma fibra natural amplamente utilizada na indústria da moda, seu cultivo convencional envolve práticas que comprometem a sustentabilidade ambiental e a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras rurais.

O uso intensivo de agrotóxicos na cotonicultura brasileira tem gerado preocupações ambientais e de saúde pública. 

Relatórios indicam que, dos 160 agrotóxicos autorizados para o cultivo do algodão no Brasil, 47 são de uso proibido na União Europeia, evidenciando a necessidade de revisar as práticas agrícolas e o controle das substâncias químicas utilizadas.

Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em parceria com a Operação Amazônia Nativa (OPAN), detectou 28 tipos de agrotóxicos na cadeia produtiva do algodão, dos quais 17 são proibidos na União Europeia. 

Além disso, um levantamento revelou que 45% dos agrotóxicos liberados no Brasil entre 2019 e 2022 contêm ingredientes ativos proibidos na União Europeia. 

Esses dados reforçam a necessidade de uma revisão das práticas agrícolas e do controle das substâncias químicas utilizadas no cultivo do algodão no Brasil.

Para atender os produtores na gestão de pragas e doenças no cultivo do algodão, a Syngenta oferece um portfólio abrangente de venenos, como herbicidas, inseticidas e  fungicidas.

Controle chinês da Syngenta 

Em 2017, a ChemChina, uma empresa estatal chinesa, concluiu a aquisição da Syngenta, uma das líderes globais no setor de agroquímicos e sementes, por US$ 43 bilhões. Essa transação representou a maior compra estrangeira já realizada por uma companhia chinesa até então. 

A aquisição foi estratégica para a China para fortalecer sua segurança alimentar e ampliar sua presença no mercado global de agroquímicos. Para a Syngenta, o acordo proporcionou acesso ao vasto mercado chinês e recursos para impulsionar inovações tecnológicas no setor agrícola.

O processo de compra envolveu a aprovação de diversos órgãos regulatórios internacionais. Em abril de 2017, a Comissão Europeia autorizou a transação, condicionando-a à venda de certas partes do negócio para evitar problemas de concorrência. 

Desde a aquisição, a Syngenta tem expandido suas operações, incluindo a compra de empresas como a Nidera e a Strider para fortalecer sua posição no mercado agrícola global. 

Em 2024, a Syngenta planejava realizar uma oferta pública inicial (IPO) de US$ 9 bilhões na Bolsa de Xangai. No entanto, a empresa decidiu cancelar o IPO devido à volatilidade do mercado e preocupações regulatórias.

A aquisição da Syngenta pela ChemChina exemplifica a crescente influência da China no setor agrícola global e destaca a importância de parcerias estratégicas para enfrentar desafios como a segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental.

Algodão no Brasil

Em 2024, o Brasil consolidou-se como o maior exportador mundial de algodão, ultrapassando os Estados Unidos. A produção brasileira atingiu aproximadamente 3,7 milhões de toneladas de algodão beneficiado (pluma), com exportações estimadas em 2,6 milhões de toneladas. 

A produção da fibra no Brasil é predominantemente realizada por grandes propriedades rurais, latifúndios, especialmente nas regiões do Cerrado, como Mato Grosso e Oeste da Bahia. 

Essas áreas se destacam pela alta tecnificação e produtividade, contribuindo significativamente para que o país seja um dos maiores produtores e exportadores mundiais de algodão. 

Em contraste, a participação da agricultura familiar na produção de algodão é relativamente modesta. Dados da Embrapa Algodão indicam que, na safra 2018/2019, a produção de algodão orgânico por agricultores familiares foi de 30 toneladas, envolvendo 600 famílias. Esse número aumentou para 134 toneladas na safra 2019/2020, com a participação de 1.894 famílias. 

Esses números evidenciam que, embora a agricultura familiar contribua para a produção de algodão, especialmente em nichos como o algodão orgânico, sua participação é pequena em comparação com as grandes propriedades. A maior parte da produção nacional de algodão é oriunda de latifúndios altamente mecanizados e tecnificados.

Algodão no mundo

A produção global de algodão ultrapassa 25 milhões de toneladas anuais, movimentando bilhões de dólares e gerando milhões de empregos em todo o mundo. 

Globalmente, a produção de algodão na temporada 2024/25 está projetada em 25,27 milhões de toneladas, representando um aumento de 4,77% em relação ao período anterior. 

Todos os anos, a indústria da moda vende 80 bilhões de peças de vestuário, 28 bilhões, 35% do total, são feitas de algodão.

Essa relevância se deve às características da fibra, como maciez, durabilidade e capacidade de absorção de umidade, tornando-a ideal para diversos produtos, desde roupas e lençóis até itens esportivos e industriais. 

Além disso, o algodão desempenha um papel significativo na economia global, sendo uma fonte crucial de receita para muitos países e gerando milhões de empregos diretos e indiretos. 

Siga os perfis da Revista Fórum e da jornalista Iara Vidal no Bluesky

 

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar