MINISTÉRIO DA SAÚDE

Nísia Trindade dá coletiva sobre hospitais federais semanas após ser atacada pela mídia hereditária

Apesar do tema ser de interesse de setores do chamado “Centrão” e ter motivado suposta crise na Saúde, meios de comunicação deram pouca atenção a ações da pasta

A ministra Nísia Trindade, da Saúde, durante a recente coletiva de imprensa.Créditos: Reprodução/YouTube Ministério da Saúde
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Um mês após sofrer uma série da ataques da mídia hereditária por conta da crise nos hospitais federais do Rio de Janeiro, a ministra Nísia Trindade, da Saúde, concedeu uma entrevista coletiva na última terça-feira (23) em que deu maiores detalhes das ações da pasta que visam a contenção e resolução daqueles problemas. Ao lado da ministra estavam Adriano Massuda, o novo secretário de Atenção Especializada em Saúde (Saes), e Nilton Pereira Jr, diretor de Atenção Hospitalar.

Diante das câmeras, na coletiva transmitida ao vivo pelo canal de YouTube do Ministério da Saúde, Nísia e os secretários explicaram o que foi feito no último mês e anunciaram o lançamento de robusto programa para o fortalecimento dos hospitais federais do Rio de Janeiro. Um mês atrás, em meio aos ataques midiáticos, a pasta criou um comitê gestor com Massuda à cabeça para intervir na gestão dos hospitais.

“Como na medicina, na gestão em saúde é preciso ter um diagnóstico correto das causas, para não tratarmos apenas os sintomas”, declarou Massuda na entrevista.

A fala veio encerrar a explicação do que foi feito no último mês. Em termos gerais, o Ministério da Saúde está trabalhando para identificar e compreender as causas e contextos da crise de precariedade dos hospitais federais. Também deu maiores detalhes de como a área foi encontrada após 4 anos de um governo Bolsonaro que praticamente destruiu – ou tentou destruir – tudo o que tinha relação com saúde pública.

Ele explicou que em janeiro de 2023 as taxas de ocupação da rede de atendimento especializado estavam abaixo de 60% com 593 leitos simplesmente fechados. Isso num país que pouco mais de um ano antes ainda lidava com a pandemia de Covid-19 e a verborragia negacionista do governo anterior.

De acordo com as informações do secretário, houve uma redução de 2,6 mil servidores de saúde nessa área específica que contribuíram com um déficit total de 7 mil profissionais herdado do bolsonarismo. Naquele momento, 20 mil pacientes aguardavam na fila de cirurgias. E, como se não bastasse, além do déficit de profissionais da saúde, os hospitais federais também foram encontrados com acentuado desabastecimento de medicamentos e equipamentos.

Gabriela Leite, repórter do site Outra Saúde, resumiu em reportagem publicada na quarta-feira (24) as ações tomadas nesse sentido durante o primeiro ano do novo mandato de Lula. Nísia Trindade reabriu 300 leitos e aumentou as internações em mais de 20%. Além disso, 300 profissionais foram contratados. Mas não para por aí.

Após os ataques midiáticos, “o senso de urgência do Ministério parece ter se aguçado”, escreveu a repórter. No último mês mais mil profissionais foram convocados e foram abertas negociações para a renovação de cerca de 1,8 mil contratos temporários.

Nísia também deixou uma coisa bem clara na coletiva: “Não existe distribuição dos hospitais”. Com a frase, ela quer dizer que a administração dos hospitais federais seguirá sob a tutela do Ministério da Saúde e não será repassada ao Estado ou ao município do Rio de Janeiro. O objetivo é que a pasta consiga contornar a raiz da crise que é, basicamente, o subfinanciamento.

“O governo federal não abrirá mão de coordenar o programa de reconstrução desses hospitais e fará isso dentro da visão do SUS. O modelo de gestão definitivo, ou modelos, no plural, será detalhado dentro desse programa após terminada a fase de análises e de diálogos que precisam ser feitos com todos os entes", declarou a ministra.

Assista a entrevista coletiva na íntegra

Recapitulando

Após uma desastrosa gestão da saúde durante o governo Bolsonaro, o presidente Lula prometeu, em campanha eleitoral de 2022, que priorizaria a área. E assim o fez. Nomeou Nísia Trindade para chefiar o Ministério da Saúde, que liderou uma verdadeira “refundação” da pasta, outrora destruída sobretudo pela gestão do general Eduardo Pazuello, o mesmo que admitiu não saber “o que era o SUS”.

No entanto, alguns problemas graves relacionados à saúde pública são estruturais e demandam mais tempo e esforços para serem resolvidos, como por exemplo a crise que perdura há anos nos hospitais federais do Rio de Janeiro. Essa crise foi usada ao longo de março para promover uma série de ataques à ministra Nísia e ao próprio Ministério da Saúde.

Naquele momento, em menos de 24 horas, a crise dos hospitais federais do Rio serviu como argumento para a derrubada de dois importantes secretários da pasta. Helvécio Magalhães, secretário de Atenção Especializada à Saúde (Saes), e Alexandre Telles, subordinado de Magalhães e chefe do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) do Estado do RJ, deixaram os seus cargos.

Em matéria publicada no Outra Saúde em 20 de março, a jornalista Gabriela Leite mostra a dificuldade em resolver a crise instalada na saúde do Rio mesmo após 15 meses de governo Lula. “As causas do declínio são múltiplas, mas entre as principais estão o subfinanciamento prolongado do SUS e as dezenas de irregularidades encontradas reiteradamente na gestão dos hospitais”, diz um trecho da matéria.

A repórter explica a seguir que a crise no Ministério da Saúde teria iniciado tão logo a ministra Nísia Trindade e os seus subordinados começaram a “mexer nesse vespeiro”. A reportagem resgata a nota técnica até então mais recente do DGH que aponta para “fragilidades e irregularidades no âmbito da contratação de serviços continuados” e pede a centralização em torno do órgão das compras feitas pelos hospitais federais. Ainda aponta o favorecimento de empresas “sem justificativas técnicas, além de contratações e aquisições com preços acima do mercado”.

Pressionada por conta da nota técnica, Nísia então criou em 15 de março um Comitê Gestor que cuidaria da rede de compras durante um mês e seria comandado por Helvécio Magalhães. No entanto, uma matéria do Fantástico do domingo seguinte, que denunciava o estado de precariedade dos hospitais, antecipou a demissão do secretário.

Gabriel Brito, também setorista do Outra Saúde, falou à Fórum sobre o tema. Ele explicou que não havia ninguém nos movimentos sociais ligados à saúde pública que faz coro às críticas. “Todo mundo apoia os secretários demitidos, a Nísia e o governo de um modo geral. A denúncia não é amparada por críticas oriundas daqueles que vivem o SUS por dentro”, afirmou.

Entre os apoios declarados à ministra Nísia Trindade estão os da Academia Brasileira de Ciências e o da Frente do Serviço Público. Ambos apontam que o trabalho da ministra à frente do Ministério da Saúde é irretocável apesar da perseguição política e midiática.

Perguntado sobre a razão pela qual os ataques se originam, o jornalista não tem dúvidas: “É para desestabilizar o governo Lula”. Na sua opinião, o embarque da mídia hereditária na narrativa, liderada pelo Grupo Globo, foi apenas um efeito colateral das próprias políticas editoriais dos mesmos.

“A Globo, depois da matéria do Fantástico, parece ter baixado o tom. Eles não querem destruir o Ministério da Saúde, mas são antipetistas, têm uma política editorial de direita e militam por uma visão de sociedade que o PT nunca vai expressar mesmo sendo muito conciliador. São submissos ao ‘centrão’. Passamos 2023 vendo a Globonews bajulando o Arthur Lira, por exemplo. O alvo não é a política de saúde, mas a eleição municipal”, explicou o setorista.

A seguir, fez uma avaliação mais detalhada do papel da mídia, sobretudo da Globo, nos ataques a Nísia e ao Ministério da Saúde.

“Minha avaliação da matéria do Fantástico, como jornalista, é a seguinte: dentro da vaidade do jornalista de dar um furo, fazer uma denúncia e ganhar notoriedade por isso, os colegas da Globo acabaram se prestando a fazer o papel de ‘garotos de recado’ de interesses escusos. A denúncia do Fantástico, por exemplo, é sobre uma mulher ligada ao ex-secretário que foi a uma reunião. E daí? É só isso mesmo? E como ficaram sabendo de uma reunião tão irrelevante, ocorrida seis meses atrás? Me parece resultado de uma disputa fisiológica interna ao Rio de Janeiro. E se deram conta disso após começarem a pipocar na imprensa textos sem profundidade de figuras abertamente antipetistas. Assim, creio, resolveram tirar o pé”, avaliou.

Na tarde de 21 de março, a ministra Nísia Trindade estava na CNN para explicar uma suposta disputa entre petistas no segundo escalão do ministério. Para Gabriel Brito, isso seria uma adaptação dos ataques uma vez que o “pé foi tirado” da narrativa anterior.

“Agora o secretário da Saes agora será o Adriano Massuda, um professor da FGV-SP, sanitarista ligado ao setor privado mas muito respeitado pelo movimento social pró-SUS. É um quadro técnico, que já foi secretário de saúde de cidades importantes. Ou seja, o centrão bateu mas não levou”, aponta o jornalista.

Vale lembrar que a Saes, incluída dentro do Ministério da Saúde dono do maior financiamento federal, mexe basicamente com a gestão de hospitais, com atendimentos de saúde de alta complexidade e tem o maior orçamento dentro da pasta, de cerca de R$ 70 bilhões – aproximadamente um terço do orçamento do Ministério da Saúde.

Além disso, os hospitais federais do Rio de Janeiro – que compõem enormes enormes complexos hospitalares oriundos do tempo que a Cidade Maravilhosa era a capital do país – representam um importante nicho dentro da abrangência dessa secretaria. “O bolsonarismo se locupletou nessa área nos anos passados e é daí que vem essa longa crise”, finalizou o jornalista.