ABUSOS E DEGRADAÇÃO

3 mortes em 2 meses: Vidas dramáticas de atrizes pornô contadas por elas próprias

Num momento em que essas profissionais estão sob os holofotes por razões de saúde mental, coletânea de declarações e entrevistas revela o cotidiano perverso em que vivem

Imagem ilustrativa.Créditos: YouTube/Reprodução
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No momento em que uma terceira atriz pornô famosa morreu num intervalo de apenas dois meses, a indústria de filmes eróticos volta ao centro de uma discussão que não é nova, mas que ressurge nos últimos anos sempre que uma vítima desse “negócio” estampa os noticiários mundo afora. Com a era da internet e a consequente explosão que esses conteúdos experimentaram de uma década para cá, falar da saúde mental das profissionais que abastecem sites e plataformas destinadas ao gênero se tornou essencial.

As três mulheres que perderam a vida num período de menos 60 dias eram muito conhecidas da indústria pornográfica. Duas eram dos EUA, país de onde vem a maior parte das cenas consumidas hoje pelo público desse tipo de material, enquanto uma outra era do Peru. A atividade pornográfica comercial também é muito forte no Brasil.

A primeira delas Thaina Fields, uma jovem peruana de 24 anos. Ela foi encontrada morta em casa, em 6 de janeiro deste ano, na cidade de Trujillo, no país andino. Ainda não ficou claro, segundo as autoridades policiais, o que teria causado o falecimento da atriz, mas o que se sabe é que ela havia denunciado pouco tempo antes a indústria pornô local. Suicídio é principal suspeita. As palavras dela, oito meses antes, são dramáticas.

“Sofri assédio e abuso sexual depois de começar a criar conteúdo adulto. É muito forte. No começo eu disse que não poderia processar e muitos pensaram que, ao me contratar, poderiam fazer o que quisessem comigo, mas aí cheguei em casa, tomei banho e chorei... Ele (um dos aliciadores) me disse que eu tinha que ser forte e deixei passar. Aconteceu comigo muitas vezes. É muito difícil ser mulher e criar conteúdo adulto quando a sociedade está literalmente na merda”, relatou pouco tempo antes de morrer.

A segunda profissional encontrada sem vida foi a norte-americana Jesse Jane, de 43 anos. Ele estava sem vida, ao lado do namorado, na casa onde viviam, em Moore, no estado de Oklahoma. A mulher que por anos atuou na indústria pornográfica vinha apresentando vários problemas de ordem mental e abusava de álcool e drogas. A perícia policial determinou que o casal foi vítima de uma overdose.

Já esta semana, a terceira vítima do segmento foi a também norte-americana Kagney Linn Karter, de 36 anos. Morando em Ohio, onde abriu um estúdio de polidance, e fazendo de tudo para não se vincular mais com a atividade com a qual sobreviveu por quase duas décadas, a atriz pornô aposentada, segundo amigos e familiares, vinha enfrentando graves problemas psiquiátricos. Conforme reportes da polícia local, ela tirou a própria vida usando uma arma de fogo.

O drama das profissionais da pornografia e seus testemunhos

A pesquisadora Thais Faria de Castro, que produziu a dissertação de mestrado “(Des)construindo performances: O feminino como sujeito na pornografia feminista”, concedeu uma entrevista ao portal g1 falando sobre a morte dessas profissionais.

“A precarização vai gerar esse contexto de violência, que vai ‘matando’ essas pessoas. E, se não mata através do suicídio, vai matando através de outros fatores: privação do convívio social, da afetividade, da saúde. É uma falta de segurança de acesso à humanidade, por isso chega a situações tão extremas, como o suicídio”, explicou a acadêmica, que afirmou existir um processo claro de “desumanização das pessoas que trabalham com pornografia”.

Lana Rhoades, de 27 anos, uma ex-atriz pornô dos EUA, foi uma dessas jovens que entraram para o mundo do pornô e que viram suas vidas virarem de cabeça para baixo. Em entrevista à imprensa de seu pais, Lana explicou as razões que a levaram, ainda muito cedo, a entrar para o ramo, mesmo sem saber exatamente o que estava fazendo.

“Eu queria escapar da situação que eu tinha em casa. Eu me trancava no closet e assistia Girls Next Door of Playboy [reality sobre as namoradas de Hugh Hefner, fundador da Playboy] pensando em fazer 18 anos para poder viver aquilo”, relatou.

“Eu sempre vou ser uma estrela do pornô, independente de querer isso ou não, não importa. Eu lido com a depressão e pensamentos suicidas todos os meses por conta do meu passado no pornô. Estou apenas sendo sincera, não é uma grande coisa carregar esse título”, contou a jovem que não consegue retomar a vida com normalidade.

Já Mia Khalifa, de 31 anos, uma das mais conhecidas atrizes pornôs da atualidade, também é crítica da indústria que explora mulheres mundo afora. Ela relatou numa entrevista ao Daily Star que se sente invadida o tempo todo pela superexposição de seu corpo na atividade que realiza.

“Acho que acontece principalmente quando saio na rua, porque sinto como se as pessoas pudessem ver através da minha roupa e me sinto profundamente envergonhada. Tenho a sensação de que perdi direito a toda a minha privacidade. E perdi, porque estou a um clique de distância no Google... A indústria é toxica”, desabafou.

Quem corrobora dessa impressão é Chloe Cherry, outra profissional do pornô, de 25 anos. Numa entrevista ao podcast norte-americano Going Mental, a atriz também se referiu ao meio como “tóxico”, mesmo quando comparada à indústria da moda, também muito criticada.

“A indústria pornô é muito mais tóxica quando se trata de imagem corporal do que a indústria da moda. Eu estive em ambas. Na indústria da moda, as pessoas apenas permitem que os corpos sejam como são. Vejo garotas de vários tipos físicos diferentes e adoro isso. Já no pornô existe literalmente um único tipo de corpo que você pode ter. Era muito rigoroso”, contou.

“Não sei por que, na moda, entendemos que as pessoas gostam de muitos tipos diferentes de corpos, enquanto no pornô ainda é de um único jeito. Acho que ficou parado nisso, porque acho que todas as pessoas que administram são apenas velhas... O pornô é como qualquer outra indústria: dirigida por um bando de velhos brancos estúpidos”, criticou Chloe.

A ex-atriz pornô Nadya Suleman, conhecida no meio como “Octomon”, deixou a atividade há alguns anos e diz que das gravações apenas ficaram traumas. Ela tem 14 filhos e assumiu, em entrevista à revista Touch, que fez isso para poder sustentá-los.

“Eu me desumanizei completamente com o pornô e o striptease. Eu estava tão desesperada, pois vi que estávamos à beira de nos tornarmos sem tetos. Então, ao invés de colocar meus filhos diante das câmeras, preferi fazer isso apenas comigo”, relembrou, lamentando.

A brasileira Vanessa Danieli, de 36 anos, é outra atriz pornô que deixou a indústria dos filmes adultos. Ela resolveu dar outro rumo para sua vida e investiu na carreira como analista de marketing e youtuber do segmento geek, mostra uma entrevista de 2021 da jovem ao portal Uol.

“Até hoje sou crucificada por ter sido atriz pornô. Até hoje lido com haters, comentários maldosos e preconceito. Mas tudo isso não me abala, sigo firme nos meus propósitos, investindo na minha carreira e vivendo uma fase bem diferente... Entrei por necessidade e me arrependo muito. Tudo ali no set não era montado como prometido, era caseiro, sem uma cópia do contrato, cenas cansativas e muito forçadas, tudo era sofrimento, foi uma fase bem difícil. Tenho traumas até hoje. A ideia do livro surgiu justamente para alertar outras mulheres”, disse.

Ainda que tenha saído da indústria pornô brasileira, Vanessa afirma que segue tendo problemas com seu “passado”, uma vez que, antes o problema era o que fazia, e agora a questão é o que já deixou de fazer.

“Mesmo assim sou criticada. Primeiro eu era alvo porque tinha entrado no pornô, depois porque sai e não tinha direito a uma vida digna, a uma vida ‘normal’, como, por exemplo, casar, ter uma família e um outro trabalho. As pessoas são cruéis e hipócritas. Hoje, eu faço tratamento psiquiátrico para não pirar, essa coisa de fazer parte do pornô é pesado e gera muitas frustrações, pois as pessoas glamourizam a pornografia e não pensam em tráfico e exploração sexual. Pensei em suicídio muitas vezes por não aguentar a pressão”, completou.

Numa entrevista ao podcast ‘The Plug’, dos EUA, a atriz pornô ainda em atividade Adriana Chechik não lamentou exatamente o que faz, mas confirmou, com uma naturalidade até constrangedora, as violências que sofre nas gravações. Ela respondeu a uma pergunta sobre o que já aconteceu durante a produção de cenas violentas de sexo e se isso teria deixado sequelas em seu corpo e mente.

“Eu estou realmente com o pescoço ferrado agora. Estou com um nervo comprimido e minhas vértebras C6 e C7 estão fora do lugar... Tenho ainda uma hérnia de disco e meu tronco cerebral foi deslocado”, contou, explicando ainda que seu médico pediu para que ela ficasse pelo menos um ano sem gravar, para “curar seu corpo”, ao que ela respondeu que seria “impossível”.