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Anticoncepcional masculino: ele existe e funciona; por que não está disponível?

Apesar de se saírem mais do que bem em ensaios clínicos, métodos de contracepção hormonais para homens ainda não estão disponíveis no mercado — sem bons motivos

Contraceptivo em bolso de camisa.Créditos: Pixabay
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Os anticoncepcionais masculinos começaram a ser desenvolvidos na década de 1970. Desde então, pesquisas têm mostrado bons prospectos para esses métodos, que são tão eficazes quanto os antitconcepcionais desenvolvidos para pessoas do sexo feminino, produzidos à base de hormônios cujos efeitos são bem conhecidos — mas, no caso masculino, sem consequências negativas a longo prazo

De acordo com Piedad Goméz Torres, professora doutora do departamento de Enfermaria da Universidade de Granada, a aceitabilidade dos métodos contraceptivos masculinos tem sido ampla em ensaios clínicos, e sua procura poderá ser igual à dos métodos já comercializados para mulheres.

Mas por que, então, essa ainda não é uma possibilidade? 

A indisponibilidade de métodos contraceptivos masculinos é fruto de dois males principais: primeiro, a falta de financiamento crônica — que pode ser traduzida, de maneira consequencial, como falta de interesse da comunidade científica e da sociedade em levar à frente um tratamento focado na parte masculina, em responsabilizá-la pelo "ônus" da contracepção, ainda que não seja particularmente alto. 

Depois, a falta de regulamentos e diretrizes claras por parte das autoridades farmacológicas, como é o caso da FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos, órgão norte-americano de regulação) e da EMA (Agência Europeia de Medicamentos), para a aprovação e comercialização desses medicamentos.

Hoje, só há dois métodos disponíveis para a contracepção masculina: a camisinha, cuja eficácia é de até 87%, e a vasectomia, um procedimento cirúrgico reversível, mas inconveniente.

O restante dos métodos existentes é dedicado à anatomia feminina, dos diversos tipos de contraceptivos hormonais existentes àqueles métodos físicos, como é o caso do DIU. 

A professora doutora Gómez Torres aponta, em artigo no The Conversation, para a falta de divisão das responsabilidades reprodutivas causada pela carência de métodos contraceptivos do lado masculino. 

Um estudo publicado na revista Taylor & Francis, que se dedicou a avaliar os determinantes para a adoção de contraceptivos hormonais por parte de homens, revelou que os principais fatores a influenciar na disposição masculina quanto ao uso de anticoncepcionais são: os efeitos colaterais, a via de administração (que é, para eles, preferencialmente oral) e a frequência da administração. 

Uma pílula recentemente aprovada, por exemplo, traz como recomendações a ingestão duas vezes ao dia, junto a refeições. Essa espécie de "dificuldade" no método hormonal afastaria os homens da possibilidade de se submeter ao contraceptivo.

Quanto aos fatores socioculturais, o estudo apontou como fatores determinantes o nível de educação, os hábitos de saúde, a religião e as percepções de gênero dos homens, isto é, a percepção quanto à sua própria masculinidade e a responsabilidade compartilhada da contracepção. 

Uma outra questão apontada pela pesquisa foi a função e o desejo sexual, que podem ser afetados pela ingestão de hormônios contraceptivos. Esse é, aliás, um efeito já avistado em mulheres — a diferença é que elas têm de se submeter aos métodos existentes, enquanto não há alternativas compartilhadas disponíveis.

De acordo com Torres, o contraceptivo que primeiro deve chegar ao mercado para atender à demanda masculina é um gel chamado NES/T. O gel é um composto facilmente aplicável, de uso tópico (aplicado diretamente na pele), que combina testosterona ao acetato de segesterona, um composto sintético capaz de imitar os efeitos da progesterona no organismo e, em contato com o muco cervical feminino, previnir a passagem de espermatozoides. Aplicado na pele diariamente, o gel "quase não tem efeitos colaterais", e é usado para interromper a produção de esperma, momentaneamente, em homens.

A produção do NES/T já está em estágio avançado, e, se aprovado pelas autoridades reguladoras, esse método fácil, reversível e prático poderia ser revolucionário para a divisão da experiência e da responsabilidade contraceptiva entre homens e mulheres.

"Estudos clínicos conduzidos com a Rede de Ensaios Clínicos do NICHD (National Institute of Child Health and Human Development) indicam que o uso do gel reduziu a produção de espermatozoides a um nível considerado indicativo de supressão bem-sucedida de espermatozoides, mantendo níveis saudáveis de testosterona e, assim, minimizando efeitos colaterais, como diminuição da libido, acne, ganho de peso e níveis alterados de colesterol", afirma o Population Council, organização internacional sem fins lucrativos que conduz pesquisas em biomedicina, ciências sociais e saúde pública.


Produzido com informações de The Conversation
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