O termo fake news se alastrou nas disputas e debates políticos pelo mundo desde a eleição presidencial dos EUA em 2016. No Brasil, a expressão marcou fortemente as eleições de 2018. Desde então, o uso de notícias falsas e boatos tem sido particularmente associado ao presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores, que se tornaram alvos de investigações conduzidas por instituições do Estado brasileiro. Na segunda edição do programa Terra em Transe, a jornalista investigativa Bárbara Libório, editora da agência de checagem Aos Fatos, conversou com os membros do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI/PUC-SP) sobre a desinformação, as fake news e seus efeitos políticos e sociais.
Discussões sobre as fake news e a desinformação vêm ganhando muito espaço na sociedade brasileira nos últimos anos. Este tema, contudo, é bastante complexo e repleto de implicações conceituais, éticas, políticas e jurídicas. Estas questões foram discutidas no programa Terra em Transe do dia 03/06, apresentado pela pesquisadora do GECI Isadora Souza. Para falar sobre o tema, a jornalista Bárbara Libório foi entrevistada pelos membros do GECI Vitor Sion, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e Bárbara Blum, do Mestrado Profissional em Políticas Públicas e Governança Global da PUC-SP.
De início, Bárbara Libório ressaltou que o problema das notícias falsas, boatos e rumores na vida pública precede o marco da eleição presidencial de 2016 nos EUA. Entretanto, o contexto dos últimos anos se diferencia qualitativamente em virtude dos meios de comunicação utilizados na atualidade. Plataformas como as redes sociais e aplicativos de mensagem, por exemplo, tornaram a comunicação muito mais difusa do que em tempos passados.
Para lidar com esse problema, Libório diz que é fundamental que as pessoas sejam mais rigorosas e atentas na recepção de notícias. Isto envolve pequenos cuidados como a verificação da confiabilidade e da autenticidade dos meios que veiculam a informação. A verificação das datas e contextos de publicação também é um passo importante, pois muitas vezes, como disse a jornalista, notícias e materiais gravados são retirados de seu contexto original e maliciosamente utilizados com vistas a se atingir determinados efeitos sobre o público.
Nesse sentido, comentou Libório, a consulta às agências de checagem pode uma ser boa fonte de verificação. Além disso, outras iniciativas vêm sendo difundidas. É o caso, por exemplo, do Sleeping Giants, que chama a atenção para o financiamento das fake news no Brasil e no exterior. Ao alertar marcas que anunciam em sites difusores de fake news, o Sleeping Giants busca atingir as fontes de receita dos disseminadores de conteúdo falso. De maneira até agora mais tímida, plataformas como o Twitter, o Instagram e o Facebook também têm tomado iniciativas no sentido de monitorar e minimizar o impacto das fake news. No caso do WhatsApp, principal canal de circulação de fake news no Brasil, Libório ressalta que há, de fato, dificuldades maiores de monitoramento, apesar de o aplicativo ter tomado iniciativas como a limitação do encaminhamento de mensagens.
Um desafio relacionado às discussões, ao monitoramento e à legislação sobre as fake news, conforme Libório, é a identificação e a responsabilização adequadas de seus difusores. Isto porque a disseminação de fake news frequentemente funciona a partir de uma cadeia de difusão complexa, que vai desde os produtores de conteúdo falso até seus disseminadores, passando pelas plataformas de divulgação e pelos anunciantes que, voluntária ou involuntariamente, acabam viabilizando financeiramente tal processo.
A jornalista ilustrou tal questão com o caso da cloroquina: após o presidente Jair Bolsonaro ter incorporado o medicamento - cuja eficácia contra a Covid-19 está longe de ser aceita consensualmente pela comunidade científica - ao seu discurso sobre a pandemia, houve um grande aumento da desinformação relacionada ao assunto. “Antes das falas de Bolsonaro, 8% dos tweets tinham desinformação, por exemplo. Depois, esse número passou para mais de 40%. Quase metade dos tweets mais populares sobre a cloroquina tinham alguma desinformação”, disse Libório, apontando para o impacto das ações de figuras públicas como Bolsonaro. Assim, fatores como o alcance e o status social dos disseminadores de mensagens, bem como as motivações por trás de sua difusão, devem ser levados em conta quando das discussões sobre os impactos e a responsabilização (inclusive em sentido penal) pela disseminação de fake news.
Sobre o contexto brasileiro, marcado recentemente por investigações do STF e da CPMI do Congresso Federal sobre a disseminação de fake news por redes bolsonaristas, Libório acredita que há uma maior atenção social sobre o tema. Entretanto, a jornalista alerta que é necessário um debate maduro e a observação de procedimentos institucionais para que haja avanços genuínos. Libório falou, por exemplo, da necessidade de se delimitar conceitualmente as fakes news para evitar sua contaminação por interesses e convicções políticas.
No último bloco do programa, o pesquisador Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da PUC-SP e membro do GECI, falou sobre iniciativas que podem auxiliar o público a lidar com problema das fake news. O Poynter Institute, por exemplo, é uma importante rede internacional que estabelece códigos de princípios e condutas na checagem de fatos. Já a First Draft News é uma agência independente que busca capacitar as sociedades com informações precisas em momentos críticos. A First Draft News também fornece orientações práticas e éticas para a verificação e publicação de conteúdo na internet.
No Brasil, além do já mencionado Sleeping Giants, há agências como a Aos Fatos, que acompanha e verifica declarações de políticos. Recentemente, a Aos Fatos lançou um sistema interativo para checar fatos no WhatsApp, no Messenger e no Twitter. Já a Agência Lupa é a primeira organização brasileira especializada em fact checking. Ela busca corrigir informações imprecisas e divulgar dados corretos. Abrigada na Revista Piauí, a Agência Lupa trabalha em diversas áreas de interesse social (como política, economia, educação e cultura).
O Terra em Transe continuará indo ao ar ao vivo às quartas-feiras, às 18h30, com transmissão pela TV PUC (YouTube), o Facebook do GECI e o Canal Universitário de São Paulo (CNU). Na próxima edição, no dia 10/06, o Terra em Transe terá como tema as dimensões internacionais dos direitos humanos. O convidado será Paulo Sérgio Pinheiro, professor titular da USP, ex-Secretário de Direitos Humanos do governo federal brasileiro, ex-integrante da Comissão Nacional da Verdade e presidente da Comissão Internacional de Investigação para a Síria.