Segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), a crise econômica de 2020 no contexto de pandemia levará à maior retração econômica mundial desde a Grande Depressão dos anos 1930. Apesar do espectro de elevação da pobreza nesse contexto, há, por outro lado, sinais de simbiose entre o governo brasileiro e setores empresariais que vislumbram ganhos nas políticas econômicas do governo Bolsonaro. Na quarta edição do programa Terra em Transe, o economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP, conversou com membros do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI/PUC-SP) sobre o panorama socioeconômico atual, o papel do Estado na economia e as relações entre grupos corporativos e o poder político.
A divulgação da gravação da reunião ministerial de 22/04, que faz parte do inquérito sobre as suspeitas de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal, causou grande agitação no Brasil. Entretanto, um importante aspecto da reunião passou largamente batido no debate público: as sinalizações, por membros do governo Bolsonaro, de políticas econômicas de promoção da iniciativa privada, que foram bem recebidas por investidores.
Este fato, somado a questões como o papel destacado de Paulo Guedes no governo e acontecimentos como a marcha de um grupo de empresários com Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), indica que o governo Bolsonaro possui bases de sustentação em influentes setores corporativos.
Para falar deste tipo de relação entre grupos empresariais e o poder político, bem como de suas implicações para a economia e a sociedade no contexto de pandemia, o economista Ladislau Dowbor foi o convidado da quarta edição do Terra em Transe, exibida em 17/06. No programa, apresentado pela pesquisadora do GECI Isabella Lamas, Dowbor foi entrevistado pelos membros do GECI Paulo Barata, doutorando em Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa, e Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP.
O contexto da pandemia novamente chamou a atenção para a questão do papel do Estado na economia – havendo, inclusive, novas articulações entre grupos empresariais e governos. Nesse sentido, Dowbor considera que o Estado, por sua maior eficiência na provisão de determinadas funções – como saúde, educação e segurança – deve ter papel de destaque em um sistema de economia mista que equilibre os papéis do setor estatal, da iniciativa privada e de organizações da sociedade civil.
Dowbor falou, em seguida, sobre a questão da desigualdade socioeconômica. “Hoje, a dimensão da concentração de renda através de processos rentistas, e não de lucros produtivos, se agigantou", comentou o economista. Dowbor destaca que aplicações financeiras em escala internacional, imensamente facilitadas pelas novas tecnologias e pelos limites de alcance de órgãos reguladores nacionais, são hoje muito mais rentáveis. Este fator, conforme Dowbor, conduz à drenagem de recursos que poderiam ser destinados a investimentos produtivos (como fábricas, escolas ou universidades).
Para o professor da PUC-SP, que já atuou como consultor junto a governos e agências da ONU, este processo de financeirização e concentração de renda também atinge o Brasil. Nesse sentido, perguntado sobre as possibilidades de superação da crise econômica e política pela qual passa o Brasil em meio à pandemia, Dowbor sugere a inspiração em experiências como as do New Deal norte-americano e do Estado de bem-estar social europeu, bem como as dos sistemas econômicos em países tão diferentes como China e Canadá. “O que funciona é repassar mais dinheiro para a base da sociedade, porque o consumo das famílias é o principal motor da economia”, disse Dowbor, pensando em um ciclo virtuoso propiciado pelo circuito consumo - investimentos produtivos - arrecadação de impostos.
O economista ressaltou, ainda, que a questão da desigualdade socioeconômica tem dimensões políticas e ideológicas. Para Dowbor, a superação deste problema passa pelo exame crítico das narrativas ideológicas que justificam a desigualdade e a austeridade econômica seletiva. Além disso, falando em termos de políticas concretas voltadas para mitigar a desigualdade socioeconômica, Dowbor enfatiza a viabilidade da renda básica de cidadania, capaz de dinamizar, a partir do estímulo ao consumo na base da sociedade, o referido ciclo virtuoso na economia.
A eleição presidencial nos EUA, a ser realizada em novembro de 2020, e seus impactos para a economia mundial também foram abordados na entrevista. Nesse sentido, Dowbor acredita que uma eventual derrota de Donald Trump, na qual deposita grande esperança, pode trazer impactos positivos para o Brasil e o mundo, pois facilitaria a possibilidade de reconstituição de pactos internacionais capazes de domar o sistema financeiro global. Do contrário, disse Dowbor, “a consolidação de Trump pode aprofundar todos nós no planeta num sistema de desarticulação política extremamente preocupante”.
No último bloco do programa, Bárbara Blum, pesquisadora do GECI e discente do Mestrado Profissional em Governança Global e Formulação de Políticas Internacionais da PUC-SP, mencionou iniciativas e organizações que dialogam com as questões da desigualdade socioeconômica e das redes de poder globais.
O blog do entrevistado Ladislau Dowbor, por exemplo, disponibiliza livros, artigos e regularmente traz postagens sobre os assuntos discutidos no programa. O trabalho de Dowbor é possibilitado pelo licenciamento do Creative Commons, uma rede global de colaboradores fundada em 2001 que permite a distribuição gratuita de obras protegidas por direitos autorais, o que facilita o compartilhamento do conhecimento.
A Tax Justice Network, recomendada por Dowbor, é uma rede internacional independente lançada em 2003 para ampliar discussões sobre a justiça fiscal, os paraísos fiscais e a globalização financeira. O entrevistado indicou, ainda, a Real World Economics, revista de livre acesso focada em abordagens heterodoxas sobre economia. Por fim, uma outra recomendação de Dowbor mencionada por Blum são as pesquisas do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica sobre o mapeamento de empresas e de suas relações pelo mundo.
O Terra em Transe é exibido às quartas-feiras, às 18h30, com transmissão pela TV PUC (YouTube), o Facebook do GECI e o Canal Universitário de São Paulo (CNU). O programa com Ladislau Dowbor, bem como as edições anteriores, podem ser assistidos também pela TV PUC no YouTube. A próxima edição do Terra em Transe, no dia 24/06, terá como tema a questão socioambiental no Brasil. O convidado entrevistado pelos membros do GECI será Felipe Milanez, colunista da revista Carta Capital, professor de Humanidades na Universidade Federal da Bahia e militante em ecologia política.