Psicólogos e profissionais da saúde mental denunciam "genocídio" de Bolsonaro ao mundo: "O Brasil está asfixiado!"

Mais de 100 psicólogos, psicanalistas e médicos assinam manifesto contra o presidente brasileiro redigido após a Conferência Latino-americana da Sociedade de Psicologia Analítica; "Calamidade que não encontra referências na história". Leia

Foto: Filipe Araujo
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Mais de 100 psicólogos, psicanalistas e profissionais da saúde mental divulgaram, nesta segunda-feira (12), um manifesto em que denunciam à comunidade médica e científica mundial o "genocídio" que estaria em curso no Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro.

O documento foi redigido pelos profissionais de saúde após a Conferência Latino-americana do Jornal da Psicologia Analítica, realizada entre os dias 9 e 11 de abril em São Paulo. O evento, que ocorre anualmente, é realizado pela Sociedade de Psicologia Analítica, entidade internacional com sede no Reino Unido e que está ligada à terapia fundada pelo psiquiatra suíço Carl Jung, discípulo de Sigmund Freud.

A maior parte dos signatários do manifesto é composta por profissionais que integram a Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (SBrPA), a Associação Junguiana do Brasil (AJB) e a Comissão Latino-americana de Psicologia Analítica (CLAPA).

"O enfrentamento da pandemia no Brasil agrava as adversidades de um contingente populacional acossado por outra assombrosa tragédia. No final de 2018, foi eleito um governo de extrema-direita que tem sido responsável pela gravidade da pandemia no Brasil. Desde o começo, o presidente da República defendeu remédios sem efeito, combateu o distanciamento social e o uso de máscaras, estimulou aglomerações, negou a necessidade de vacinas, incitou dúvidas na população quanto à cientificidade das medidas preventivas e não organizou o sistema de saúde para enfrentar a pandemia. Hoje, podemos denunciar que os cidadãos brasileiros assistem, atônitos, a um genocídio, testemunhado com frieza, desdém e até com sarcasmo por Jair Bolsonaro e seu governo", afirmam os profissionais de saúde em um trecho do documento.

No texto, os psicólogos e psicanalistas citam o aumento da ansiedade e da depressão agravado pela crise socioeconômica agravada com a pandemia, criticando o a redução drástica no auxílio emergencial que vinha sendo pago pelo governo em 2020. Os profissionais ainda denunciam o "projeto" de Jair Bolsonaro de "destruição do Estado".

"É desolador constatar que a calamidade que vivemos no último ano não encontra referências na história brasileira. O governo Bolsonaro aproveitou a pandemia para acelerar seus objetivos perversos: destruir o Estado brasileiro, com o silêncio e a cumplicidade de grande parte da elite econômica que quer aproveitar esse desgoverno para diminuir as leis que tentam proteger os mais pobres, a saúde e a educação pública, o meio ambiente, as terras indígenas, a floresta amazônica e o Estado democrático de direito", diz o manifesto.

Além do enfrentamento à pandemia, o documento denuncia o saudosismo de Bolsonaro com relação à ditadura militar, a destruição de terras indígenas e o desmatamento na Floresta Amazônica e no Pantanal. Os médicos frisam, entretanto, o que consideram a "ação mais abjeta" do governo: "insistente recusa em comprar vacinas contra a Covid-19, enquanto importava e autorizava a aquisição de armas para serem usadas pelos seus apoiadores".

"Este manifesto solicita uma escuta atenta aos amigos da comunidade Junguiana, a fim de que essas denúncias corram o mundo e, também, para que possamos encontrar apoios fraternos!", declaram.

O documento foi redigido em português, inglês e espanhol. Confira, aqui, a íntegra do manifesto com todas as assinaturas e, abaixo, a versão em português.

Brasil: um país asfixiado

Nós, analistas brasileiros participantes da Conferência Latino-americana do Journal of Analytical Psychology, pedimos um espaço para denunciar, mais uma vez, a gravíssima situação em que se encontra o Brasil e o povo brasileiro.

Vivemos o impacto da tragédia da pandemia de Covid-19 que está cada vez mais preocupante e já matou mais de 300 mil pessoas em todo o território nacional. Apesar de estarmos em quarentena há mais de um ano, o número de doentes e mortos cresce assustadoramente, gerando a agonia do sistema de saúde tanto na modalidade pública quanto privada. Faltam vacinas, remédios, profissionais de saúde, espaços para enterrar os mortos: colapso, simultaneamente, hospitalar e funerário! O medo extremado ao paroxismo, a ansiedade e a depressão, evidentes expressões de uma condição traumática, generalizam-se e aparecem diariamente em nossa clínica. Com a pandemia, a crise econômica que já estava instalada intensificou-se, multiplicando o desemprego, a fome e a miséria explicitados pelo cenário desolador que inquieta nossos olhos: as ruas do Brasil entulhadas por pessoas e mais pessoas vivendo em situação precária. A necessária quarentena somente se efetiva possível para as populações mais favorecidas financeiramente: multidões têm que lutar pela sobrevivência a cada dia, enfrentando transportes públicos abarrotados, resultando numa aglomeração contraindicada pelos protocolos divulgados pela Organização Mundial de Saúde. A irresponsabilidade governamental excede limites toleráveis. Por exemplo, o auxílio financeiro destinado, no ano de 2020, à população pobre e miserável, não foi mantido neste ano. Foi aprovada, apenas, uma pequena ajuda financeira que ainda não foi distribuída. Os ricos e poderosos têm demonstrado não ter pressa… Enquanto isso, o país pede socorro, asfixiado!

O enfrentamento da pandemia no Brasil agrava as adversidades de um contingente populacional acossado por outra assombrosa tragédia. No final de 2018, foi eleito um governo de extrema-direita que tem sido responsável pela gravidade da pandemia no Brasil. Desde o começo, o presidente da República defendeu remédios sem efeito, combateu o distanciamento social e o uso de máscaras, estimulou aglomerações, negou a necessidade de vacinas, incitou dúvidas na população quanto à cientificidade das medidas preventivas e não organizou o sistema de saúde para enfrentar a pandemia. Hoje, podemos denunciar que os cidadãos brasileiros assistem, atônitos, a um genocídio, testemunhado com frieza, desdém e até com sarcasmo por Jair Bolsonaro e seu governo.

É desolador constatar que a calamidade que vivemos no último ano não encontra referências na história brasileira. O governo Bolsonaro aproveitou a pandemia para acelerar seus objetivos perversos: destruir o Estado brasileiro, com o silêncio e a cumplicidade de grande parte da elite econômica que quer aproveitar esse desgoverno para diminuir as leis que tentam proteger os mais pobres, a saúde e a educação pública, o meio ambiente, as terras indígenas, a floresta amazônica e o Estado democrático de direito.

Durante o último ano, enquanto ficar em casa e manter o distanciamento passou a ter no Brasil um significado político de oposição ao governo, fomos incitados a ouvir, impotentes, as declarações absurdas e perversas do capitão-genocida, invariavelmente ladeado por militares de alta patente. Sem aparentar nenhum pudor ou sequer constrangimento, o presidente elogiou o período da ditadura militar e seus implacáveis procedimentos de tortura, tendo recebido torturadores desse período no palácio de governo. Não bastasse tamanha sordidez, desmantelou os órgãos de defesa da Amazônia e de seus povos ancestrais, burlando a percepção crítica da população quanto ao incêndio sem controle e intencional da floresta amazônica e do Pantanal – a maior planície alagável do mundo. Imagens de animais silvestres queimados nessa paisagem nos aterrorizam.

Como complemento a esse programa sistemático de violência, o presidente incentiva a destruição de terras indígenas pela mineração clandestina e não mais reprimida. Hoje, há tribos inteiras contaminadas pelo mercúrio ilegal que envenena os rios amazônicos, uma das maiores reservas florestais do mundo.

Todavia, a ação mais abjeta do governo Bolsonaro consistiu na insistente recusa em comprar vacinas contra a Covid-19, enquanto importava e autorizava a aquisição de armas para serem usadas pelos seus apoiadores. A par de tal infâmia, presenciamos uma política de destruição das melhores universidades do país e constatamos que não há nenhum planejamento para garantir o ensino público durante a pandemia, o que motiva, há mais de um ano, o abandono das escolas e a inexistência de aulas destinadas às crianças pobres. Como complemento a esse programa tanático, a palavra gênero está proibida nas salas de aula e a homofobia, o racismo e a misoginia se tornaram um espetáculo diário.

O Brasil está asfixiado! Há um genocídio em curso!

Este manifesto solicita uma escuta atenta aos amigos da comunidade Junguiana, a fim de que essas denúncias corram o mundo e, também, para que possamos encontrar apoios fraternos!