Especialistas ouvidos pela Fórum dão como certa a prisão preventiva de Carla Zambelli (PL-SP), que fugiu do país dias após ser condenada a 10 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Como seu caso ainda não transitou em julgado, não há mandado de prisão em aberto, mas sua saída do Brasil deve ensejar a aplicação de medidas cautelares.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) deve enviar ainda nesta terça-feira (3) um pedido de prisão preventiva da extremista, que anunciou sua fuga mais cedo em uma live de um canal bolsonarista no YouTube.
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A deputada disse, ainda, que pretende ser um "Eduardo Bolsonaro da Europa", em referência a articulação golpista do filho de Jair Bolsonaro nos EUA. Zambelli afirma que vai "denunciar" os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no exterior, em uma clara tentativa de escapar da cadeia.
Zambelli tem dupla cidadania e saiu do Brasil utilizando seu passaporte italiano. Não está claro, contudo, em qual país a parlamentar está neste momento. A princípio, deu a entender que estava em Portugal e que fixaria residência na Itália. Depois, disse que está nos EUA e que, depois, partirá para a Europa.
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Para Max Telesca, advogado especialista em tribunais superiores ouvido pela Fórum, apesar de não haver ainda trânsito em julgado no caso que levou Zambelli a ser condenada à prisão, sua saída do Brasil deve ensejar um pedido de prisão preventiva a ser feito pela PGR ao STF.
"Ainda não há o trânsito em julgado da decisão que condenou a deputada, mas o ato concreto da saída do Brasil, em conjunto com as declarações de confronto ao processo e aos julgadores do STF, também comparando-se a Eduardo Bolsonaro, que responde por coação no curso do processo, podem ensejar a aplicação do artigo 312 do Código de Processo Penal que traz os pressupostos da prisão preventiva, entre eles a garantia da ordem pública, em virtude da declaração de confronto, bem como para assegurar a aplicação da lei penal, em razão da saída do Brasil e da declaração explícita de que residirá na Europa", explica o advogado.
"É de se perguntar, se residirá na Europa, com cidadania estrangeira, como será a ela aplicada a pena? É sobre isso que os ministros deverão decidir em razão de eventual pedido de prisão preventiva feito pelo Procurador-Geral da República", prossegue o especialista.
Também ouvido pela Fórum, o advogado Guilherme Barcelos, doutor em Direito Constitucional, afirma que a saída de Zambelli do Brasil pode, sim, ser interpretada como uma fuga e que a deputada até pode pedir asilo ao governo de um país estrangeiro, mas que se este asilo não for concedido, ela provavelmente será presa.
"Ela pode requerer asilo. Se não houver a concessão desse asilo por intermédio de uma nação estrangeira, a deputada poderá ter problemas, notadamente em razão de uma conduta que poderia ser entendida como 'tentativa de fuga', de 'evasão', de se 'furtar ao cumprimento da lei penal (... ) Mediante requerimento do titular da ação penal, medidas cautelares poderiam ser impostas contra ela. Até mesmo poderia ser decretada a sua prisão preventiva. A preventiva, como prisão cautelar que é, seria destinada a garantir o cumprimento da lei penal", pontua.
E a cidadania italiana?
Carla Zambelli alega ter dupla cidadania – brasileira e italiana – e teria saído do Brasil com seu passaporte italiano. Se a prisão preventiva for decretada pelo STF enquanto ela estiver fora do país, especialmente residindo na Itália, o cumprimento dessa prisão enfrenta nuances jurídicas importantes.
A Itália e o Brasil têm um tratado de extradição, que prevê a cooperação para a entrega de pessoas acusadas ou condenadas. No entanto, o tratado também estabelece que a Itália não é obrigada a extraditar seus próprios cidadãos. Como Zambelli é cidadã italiana, a Itália pode negar a extradição.
Porém, isso não significa que a cooperação judicial esteja descartada. A Itália pode decidir colaborar com o Brasil por meio de mecanismos legais e, em casos específicos, autorizar a extradição ou transferir o cumprimento da prisão ou da pena para seu território – uma alternativa chamada “extradição ou execução da pena no país de residência”.
Assim, embora a Itália tenha o direito de negar a extradição com base na nacionalidade, ela pode avaliar o pedido brasileiro e, caso concorde, enviar Carla Zambelli de volta ao Brasil para cumprir a prisão preventiva.
Se Zambelli passar a residir na Itália, é provável que o Brasil atue diplomaticamente para solicitar essa cooperação, usando o tratado vigente e outros mecanismos de cooperação internacional.
Enquanto isso, a decretação da prisão preventiva no Brasil serve para garantir que, caso Zambelli retorne, ela seja imediatamente presa, e para reforçar a posição da Justiça brasileira no cenário internacional.
"Fuga anunciada"
O jurista Roberto Bertholdo esteve no Fórum Onze e Meia desta terça-feira (3) para comentar sobre a fuga da ex-deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), condenada a 10 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pela invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e falsidade ideológica. Até o momento, a informação divulgada é que Zambelli está na Europa, mas ainda não há confirmação de em qual país.
De acordo com Bertholdo, a fuga da parlamentar foi uma "fuga anunciada", assim como a de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está nos Estados Unidos há mais de dois meses, e assim como pode ser a do ex-presidente e réu no STF Jair Bolsonaro (PL). "Será uma fuga em massa", afirma o jurista. Bertholdo ainda lamentou o fato do Supremo não ter apreendido o passaporte de Zambelli, como aconteceu com Bolsonaro, que terá que fugir para alguma Embaixada ou para países de fronteiras.
Bertholdo também explicou o que pode acontecer com Zambelli, uma vez condenada no Brasil mas com cidadania italiana. O jurista esclarece que será obrigação das autoridades brasileiras do Ministério da Justiça comunicarem às autoridades italianas a decisão judicial tomada contra Zambelli para que possa ser executado um mandado de prisão pendente no Brasil. A partir disso, a Suprema Corte da Itália decide se pedirá ou não a extradição da parlamentar ou até mesmo se permitirá Zambelli cumprir sua pena em território italiano.
O jurista ainda destacou que a própria Zambelli classificou sua ida à Itália como uma fuga. Caso a parlamentar não tivesse confirmado o ato como uma fuga, talvez pudesse ter viajado se não houvesse nenhuma restrição do STF sobre isso. No entanto, como ela antecipou sua fuga, deverá ter alguma ordem do STF pedindo a prisão da ex-deputada e um alerta vermelho para a Interpol. Já a extradição deverá ser partir da Justiça italiana.
Condenação
No dia 14 de maio, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou unanimidade ao condenar a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP) e o hacker Walter Delgatti pela invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Votaram pela condenação de Carla Zambelli e Walter Delgatti: Alexandre de Moraes (relator), Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
A condenação de Carla Zambelli deve ser confirmada após os recursos. Em seguida, a Câmara dos Deputados deverá confirmar a decisão do STF e declarar a perda de mandato. Além disso, Zambelli ficará inelegível, isso de acordo com a Lei da Ficha Limpa.
Os ministros propuseram as seguintes penas:
- Carla Zambelli: perda do mandato parlamentar (a ser declarada pela Câmara dos Deputados), inelegibilidade e 10 anos de prisão.
- Walter Delgatti: 8 anos e 3 meses de prisão em regime inicialmente fechado, além do pagamento de multa. Delgatti já cumpre prisão preventiva.
Zambelli e Delgatti também foram condenados ao pagamento de uma indenização de R$ 2 milhões por danos morais e coletivos.
Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes declarou:
"É completamente absurda a atuação vil de uma deputada federal, que exerce mandato em representação do povo brasileiro, e de um indivíduo com conhecimentos técnicos específicos, que causaram relevantes e duradouros danos à credibilidade das instituições, em completa deturpação da expectativa dos cidadãos e violação dos princípios constitucionais consagrados no Brasil.”