CAUSA SOCIOAMBIENTAL

Por que não há justiça climática sem justiça social? Entenda mensagem de Greta Thunberg

Ativista que liderou missão humanitária ao lado de Thiago Ávila com Flotilha da Liberdade reitera que não deve haver separação entre crise ambiental e direitos humanos

Greta Thunberg.Créditos: Reprodução / Facebook / Chris Kebbon / Divulgação
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No último domingo (8), forças israelenses interceptaram o barco da Madleen, da Flotilha da Liberdade, que seguia viagem em direção à Faixa de Gaza. O grupo de ativistas levava remédios, alimentos e outras formas de ajuda humanitária para a população palestina no enclave, mas a embarcação foi alvo de uma operação do exército sionista e desde então Israel segue deportando ativistas e mantendo outros detidos. Entre as mensagens da Flotilla estava a de Greta Thunberg, conhecida ppor mobilizar o ativismo climático no mundo.

Em entrevista ao programa Democracy Now, Greta foi enfática ao explicar por que não vê separação entre jusiça social e climática e destaca a estranheza do mundo com relação à conexão das duas causas.

“Para mim, não há como distinguir os dois. Não podemos ter justiça climática sem justiça social. A razão pela qual sou ativista climática não é porque quero proteger as árvores. Sou ativista climática porque me importo com o bem-estar humano e planetário, e esses dois aspectos estão extremamente interligados”, destacou na semana passada.

Após a deportação, Greta reiterou a defesa da causa palestina e climática. Questionada pela imprensa sobre o motivo de tantos países e governos ignorarem a situação em Gaza, Greta foi categórica: “Por causa do racismo”, afirmou a ativista.

Ainda na entrevista à Democracy Now, Greta justificou a importância da luta socioambiental:

“Quando vemos o genocídio em Gaza, é claro que há algumas ligações muito óbvias: o ecocídio, a destruição ambiental, é um método muito comum usado em guerras e para oprimir pessoas. Mas também deveria ser muito mais simples do que isso. Não importa qual seja a causa do sofrimento, seja o CO2, sejam bombas, seja a repressão estatal ou outras formas de violência, temos que nos opor a essa fonte de sofrimento. E se fingirmos nos importar com o meio ambiente, se fingirmos nos importar com o clima e o futuro dos nossos filhos, sem ver, reconhecer e lutar contra o sofrimento de todas as pessoas marginalizadas hoje, então essa é uma abordagem extremamente racista à justiça que exclui a maioria da população mundial”

Uma reportagem do The Guardian confirma que os ataques de Israel estão piorando a crise climática no mundo. “O estudo concluiu que o combustível dos bunkers e foguetes do Hamas é responsável por cerca de 3.000 toneladas de CO2e, o equivalente a apenas 0,2% do total de emissões diretas do conflito, enquanto 50% foram gerados pelo fornecimento e uso de armas, tanques e outras munições pelo exército israelense”, escreveu o jornal.

Greta Thunberg ganhou notoriedade ainda adolescente, ao realizar sozinha e em silêncio protestos diante do parlamento sueco, exigindo ações de governantes contra a crise climática. A atitude inspirou outros jovens, dando origem a um movimento global que culminou em grandes marchas pelo clima. 

Embora nunca tenha oferecido algum tipo de risco e tenha sido presa em protestos pacíficos em outros páises, tornou-se alvo também de líderes autoritários e negacionistas. Em 2020, Jair Bolsonaro a chamou de “pirralha”. Donald Trump, após manifestações de Greta em apoio à Palestina, a classificou como “estranha” e “pessoa raivosa”. Agora, o governo de Israel, por sua vez, ironizou a iniciativa simbólica da Flotilha da Liberdade, chamando-a de “barco de selfies”.

Mas a mensagem de Greta ultrapassa isso tudo. A ativista alerta que não há justiça climática sem justiça social porque as duas estão profundamente interligadas. A crise climática afeta de forma desigual grupos sociais, e as causas e consequências estão enraizadas em estruturas históricas de desigualdade, exploração e opressão.A devastação ambiental também é usada como arma de guerra. Sem boas condições do clima, não há bem-estar social. Se não bem-estar social, há potencial destruição do clima. Se a sociedade é desigual, o modelo de desenvolvimento é insustentável.

Ecocídio em Gaza

Ao longo dos últimos meses, estudos vêm denunciando o magnitude do colapso ambiental em Gaza. Um exemplo marcante veio de imagens de satélite feitas durante o curto cessar-fogo no começo do ano: elas mostraram que 80% das árvores do território haviam sido eliminadas — vítimas dos bombardeios israelenses ou cortadas pela população, que, diante da falta de eletricidade e aquecimento, recorreu à madeira para alimentar lareiras improvisadas.

A análise foi publicada pelo Yale Environment 360, da Universidade de Yale. O emprego de maquinário militar e a remoção de árvores comprometeram a camada superficial do solo, reduzindo sua fertilidade e aumentando o risco de desertificação na região.

Foto: Reprodução / Universidade de Yale / Arquitetura forense

Esses dados se somam às conclusões iniciais de um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep), divulgado em junho passado. Embora preliminares, os números já apontavam para uma destruição ambiental de grandes proporções.

A guerra provocou o colapso no abastecimento de água e na infraestrutura de esgoto, fazendo com que efluentes não tratados se espalhem pelo solo palestino. Esse fluxo de esgoto contamina aquíferos subterrâneos e reservas do Mediterrâneo, fontes cruciais para irrigação agrícola. Além disso, mais de dois terços das terras cultiváveis de Gaza — incluindo poços e estufas — foram danificados ou destruídos por bombardeios e operações de terraplenagem conduzidas por forças militares israelenses.

Ataques em Gaza. Foto: Bashar Taleb/AFP

Com as instalações de água nocauteadas, as famílias palestinas estão retirando água de poços potencialmente contaminados e navios-tanque desconhecidos. Um levantamento revelou que apenas 14% das famílias seguiam recebendo água por meio dos sistemas públicos, a maior parte da população passou a recorrer a poços abertos — possivelmente contaminados — ou a caminhões-pipa privados sem regulamentação.

O relatório aponta que até 39 milhões de toneladas de escombros estão espalhados por Gaza, contendo substâncias tóxicas como amianto, chumbo e cádmio — provenientes de edifícios destruídos e painéis solares danificados. Esses resíduos contaminam o solo e os lençóis freáticos.

Em 50 páginas, o documento detalha uma cadeia de danos ambientais — afetando água, terra, ar e biodiversidade — que aprofunda a crise humanitária. Mas o texto alerta: qualquer plano de reconstrução precisa, desde o início, prever ações de remediação ambiental.

No Brasil, o Observatório do Clima (OC) emitiu uma nota sobre a devastação ambiental em Gaza, que segue pouco comentada na grande mídia e em entidades de direitos humanos. “Não existe justiça climática sem proteção aos direitos humanos. Uma comunidade internacional incapaz de parar uma limpeza étnica acontecendo em tempo real diante dos olhos de todos não será tampouco capaz de lidar com a crise do clima", escreveu a organização formada por uma rede de mais de cem entidades e organizações ambientais brasileiras.

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