"TAMO JUNTO"

A razão que levou à união de todos os ministros do STF na defesa de Moraes

Situação inédita resultou em blindagem total do colega que atua nas ações do golpe. Entenda o que ocorreu e qual hipótese foi vislumbrada no horizonte para que isso ocorresse

A formação completa do atual STF, além do PGR Paulo Gonet.Créditos: Fellipe Sampaio /SCO/STF
Escrito en POLÍTICA el

O Supremo Tribunal Federal, como qualquer corte suprema nas democracias liberais do mundo, é um ambiente de visões e posições plurais. No Brasil, em que pese o fato de o Judiciário ser o mais aristocrático e intocável dos poderes, formando quase que uma casta, não é diferente. Para comprovar isso, basta lembrarmos dos inúmeros embates acalorados a que assistimos nas duas últimas décadas em julgamentos das mais variadas naturezas, como porte de arma, eutanásia, células-tronco e ações envolvendo políticos poderosos e influentes.

No entanto, algo ocorrido na última semana chamou a atenção de todos. Após a confirmação saída da boca do secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, de que o governo da maior potência do planeta poderia impor sanções econômicas severas contra o ministro Alexandre de Moraes, impulsionado pelo verdadeiro inferno promovido pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que a todo custo tenta livrar seu pai da cadeia, o que se viu foi uma união total, absoluta e inquebrantável dos outros dez magistrados da Corte para defender o colega popularmente conhecido como Xandão.

Mas então, num local onde imperam as vaidades e as ambições de poder, mesmo que involuntariamente, por que todos os ministros do STF se juntaram para formar um verdadeiro escuro em torno de Moraes? A resposta é relativamente simples, mas trabalhosa na hora de contextualizá-la.

Antes de tudo, é necessário explicar o que é e o que significa na prática a famigerada Lei Magnitsky, um mecanismo que está à disposição da Casa Branca, cuja aplicação dispensa chancela do Judiciário ou do Congresso dos EUA. Ou seja, um instrumento para uso discricionário do presidente norte-americano.

Criada nos EUA em 2012, durante o governo de Barack Obama, a Lei Magnitsky foi concebida e colocada em vigor para punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky. Em 2016, a lei foi ampliada e passou a ter aplicação global, permitindo sanções contra indivíduos de qualquer país supostamente envolvidos em corrupção ou violações graves de direitos humanos. Para aplicá-la não há necessidade de processo judicial, exigindo apenas do Executivo algum tipo de “relatório” com base em informações de organizações internacionais, imprensa ou testemunhas. Na prática, ela cassa o visto de entrada nos EUA do sujeito alvo, se ele possuir, o impede de fazer negócios ou adquirir qualquer tipo de patrimônio naquele país e gera bloqueios em contas e transações internacionais, uma vez que para isso é necessária a utilização de meios como bancos que tenham sede nos EUA, cartões de crédito (a Visa, a MasterCard e a Amex têm sede em solo norte-americano), além de uma série de outras dificuldades em âmbito financeiro.

A nítida e cristalina impressão dos integrantes do Supremo é que, se realmente aplicada contra Moraes, a Lei Magnitsky facilmente será direcionada contra todos os integrantes do Tribunal, convertendo-se num instrumento da família Bolsonaro para amedrontar a mais alta instância do Judiciário nacional. Se isso ocorrer, os ministros do STF passariam a ter dificuldades para realizar coisas muito simples para o padrão e estilo de vida que levam. Vejamos um exemplo concreto.

Dos atuais 11 ministros do STF, até onde se sabe e pelas apurações da Fórum, apenas dois teriam imóveis fora do Brasil. O ministro Gilmar Mendes possui um apartamento num bairro nobre de Lisboa, em Portugal, enquanto o presidente da Corte, o ministro Luís Roberto Barroso, teria uma casa de grandes dimensões na Ilha Key Biscayne, na Flórida, nos EUA, embora esse imóvel estivesse no nome de sua esposa, falecida em 2023. Algumas informações não confirmadas apontam para a possibilidade de que a casa possa ter sido vendida, uma vez que o magistrado teria sinalizado a intenção de não ficar mais com ela há algum tempo. Nos dois casos, de Mendes e Barroso, não há nada de ilegal em relação a essas propriedades.

Se a Lei Magnitsky fosse aplicada a eles, no caso de Barroso, na hipótese de ainda possuir a o imóvel avaliado em mais de US$ 3 milhões na Ilha Key Biscayne, o ministro “perderia” a propriedade da casa, além dos ativos que mantém nos EUA, como contas bancárias, além de receber uma ordem de veto na hora de entrar em território norte-americano por qualquer aeroporto. Para Gilmar Mendes, os problemas poderiam aparecer para operar suas contas na Europa utilizando os cartões das principais operadoras mundiais, como a Visa, a MasterCard e Amex.

Para os outros magistrados do Supremo, além de inconvenientes no Brasil para utilizar cartões de crédito ou fazer qualquer tipo de compra internacional, eles poderiam ainda ficar “engessados” em viagens ao exterior. É válido lembrar que para muitos deles, como Dias Toffoli, Luiz Fux, Cristiano Zanin, além dos próprios Barroso e Gilmar Mendes, viajar ao exterior é algo corriqueiro, pois estão constantemente em eventos acadêmicos, simpósios e todo tipo de encontro do universo do Direito. Essas saídas internacionais, ainda que possíveis e seguras no que dizem respeito às suas integridades físicas, poderiam se tornar verdadeiros tormentos.

Em síntese, “se a moda pega” e os EUA sob administração do extremista descompensado Donald Trump resolvem apontar essa legislação draconiana contra a totalidade dos integrantes da Corte, a situação de todos poderia se complicar muito. Daí o senso de união.

Aliás, uma união tão sólida que as duas figuras bolsonaristas do Tribunal, os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça, também selaram o pacto em defesa de Moraes. Afinal, os dois também realizam viagens internacionais e têm, naturalmente, suas ambições financeiras, que podem passar pela aquisição de um imóvel no exterior, a abertura de contas ou de aplicações no estrangeiro ou ainda possibilitar estudo aos filhos ou familiares num outro país. Diante da loucura de Trump e do autoritarismo doentio e desmedido da família Bolsonaro, nem mesmo aliados de primeira hora preferem arriscar.

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar