Novos diálogos do WhatsApp de Mauro Cid revelam que o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) procurou o principal assessor do ministro Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal (STF), Sérgio Braune Solon de Pontes, para tentar se livrar de uma iminente prisão.
A troca de mensagens, revelada neste segunda-feira (26) por Aguirre Talento no portal Uol, aconteceu no dia 1º de Janeiro de 2023 em meio à posse de Lula.
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Às 12h42, Cid envia uma mensagem a Braunes que antecipava uma "ofensiva" do STF "contra o ex-presidente e seu ajudante de ordens".
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"Não acredito. Não tem sentido", diz Braune em meio às reclamações de Cid, que afirma que "começar o ano com essa notícia é muito ruim".
"Absurdo! Tudo vai se resolver", emenda o assessor de Toffoli, que promete "passar sua preocupação para o meu 01", sinalizando que falaria sobre o assunto com o ministro do Supremo.
Em seguida, Braune pergunta a Cid "quem é seu advogado". O tenente-coronel diz que "na verdade, eu acho que não tenho" e passa a mostrar desespero com as ações contra ela "para chegar" a Jair Bolsonaro.
"Mas me usam para chegar ao PR... Como dele passa por mim... Quebraram meu sigilo bancário... telemática... Vazou essa quebra para a Folha... Impressionante... Eu sou 'chefe do grupo político dos atos antidemocráticos!'. Está em relatório", escreve Cid, que afirma na sequencia que "a PGR mandou arquivar quase todos os inquéritos" e relama que "tem inquérito que só eu sou indiciado e ele continua no STF, sendo que não tenho foro".
O desespero de Cid segue, dizendo que "os relatórios que a PF divulga" "vaza na imprensa".
Braune responde dizendo que acha "ridículo isso" e, mais uma vez promete que "no término do recesso do judiciário vou agendar uma audiência com o ministro para você".
O assessor de Toffoli ainda diz que faria a interlocução com "uns amigos advogados de peso sobre isso", citando que "os Caputo Bastos podem ajudar", em relação ao escritório que tem entre seus sócios o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Carlos Eduardo Caputo Bastos.
Cid agradece e começa a reclamar que "não sei até ondei isso vai, mas tenho que pelo menos expor meu lado".
"Eu não sou e nunca fui ente político. Sou militar e fui designado para trabalhar com o PR. Mas que funcionalmente me aproximei dele. Eu era responsável por toda vida pessoal e funcional dele... Desde pagar conta até controlar agenda", diz o militar sobre suas funções com Bolsonaro.
Braune então se solidariza com Cid lembrando o tempo em que teria atuado no Palácio do Planalto com o último presidente da Ditadura Militar, João Baptista Figueiredo.
"Claro! Tenho total ciência disso! Trabalhei no Palácio do Planalto por 30 anos, comecei no mandato do Figueiredo. Sei inclusive o que representa tudo isso em sua carreira militar. É uma injusta forma de atingir não a você diretamente mas ao presidente", diz o assessor de Toffoli sobre Bolsonaro, já ex-presidente, às 14h11.
"Se tivesse alguma coisa jurídica... ok... Mas é tudo político... Inclusive passando por cima do MP", reage Cid, que seria preso em maio, pouco mais de 4 meses após a troca de mensagens. "Tenho certeza que tudo se resolverá! Você não ficará sozinho", promete Braune.
Cid agradece e às 22h47 do mesmo dia envia uma notícia a Braune que diz que "Moraes mandará prender Bolsonaro, apostam integrantes do governo que termina".
Fuga do país
Toffoli foi um dos poucos ministros - além de André Mendonça e Kássio Nunes Marques, indicados pelo ex-presidente - que manteve interlocução com Jair Bolsonaro em meio à escalada golpista, após a vitória de Lula nas eleições de 2022.
Informações divulgadas em 20 de dezembro de 2022 revelaram que o ministro do Supremo teria ouvido de Bolsonaro que não iria desmobilizar os golpistas acampados em frente aos quartéis-generais em todo o Brasil.
O ex-presidente teria dito, na presença de Toffoli, que “não mobilizou nada, então não vai desmobilizar nada”. Ele teria prometido, porém, que não fará "nenhuma aventura" ao final de seu mandato.
No livro O Tribunal - Como a Suprema Corte se uniu ante a ameaça autoritária, os jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber relatam ainda que, na mesma reunião, Toffoli teria sugerido a Bolsonaro que deixasse o país antes da cerimônia de posse de Lula. O ex-presidente fugiu para os EUA em 30 de dezembro de 2022, para não passar a faixa na cerimônia de transição do governo.
O livro aponta que o magistrado teria dito: "Presidente, sua presença na cerimônia de posse só vai mostrar um país dividido, as pessoas vão vaiar", referindo-se ao evento no dia 1 de janeiro de 2023.
A relação entre Toffoli e Bolsonaro
Em 2009, Dias Toffoli chegou à Suprema Corte por indicação de Lula, durante o segundo mandato do presidente, na vaga aberta em decorrência do falecimento do ministro Menezes Direito.
Nove anos depois, assumiu a presidência do STF e escolheu o general Fernando Azevedo e Silva para ser seu assessor, após indicação do general Eduardo Villas Bôas. O general teria recebido Toffoli para uma reunião para indicação para a assessoria do magistrado em agosto de 2018, dois meses antes da eleição do deputado federal Jair Bolsonaro à Presidência da República.
Ainda em 2018, Toffoli se mostrou contente com a nomeação de Azevedo e Silva como ministro da Defesa de Bolsonaro: "É com muita alegria que vejo o anúncio do nome do general Fernando Azevedo e Silva para ministro de Estado da Defesa. Certamente sua larga experiência contribuirá para o fortalecimento da atuação das Forças Armadas, da segurança e da defesa no Brasil". O militar ficaria no cargo até março de 2021.
Durante o governo, Toffoli se aproximou de Bolsonaro e chegou a passar férias na mansão do ex-ministro das Comunicações, Fabio Faria, na praia de Pirangi, no Rio Grande do Norte.
Toffoli também foi o responsável por arquivar, em março de 2023, duas frentes de investigação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, abertas em decorrência do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia.
Toffoli atendeu a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), de julho de 2022, para quem não foi apontada a materialidade de nenhum crime praticado por Bolsonaro. O ministro entendeu que, se a PGR não viu ilícito, o pedido de arquivamento deve ser aceito.
"Se, dos fatos narrados e suas eventuais provas, apresentados, agora, à autoridade a quem compete investigar e representar por abertura de inquérito perante esta Suprema Corte, não visualizou a Procuradoria-Geral da República substrato mínimo para tais medidas, deve-se acolher seu parecer pelo arquivamento”, argumenta Toffoli.
Em parecer assinado por Lindôra Araújo, vice-procuradora-geral da República, a PGR argumentou que o relatório da CPI da Pandemia tem deficiências técnicas, por não ter individualizado provas, por exemplo.
Reaproximação de Lula
Após Lula tomar posse e sufocar a tentativa de golpe, Dias Toffoli tentou uma reaproximação do presidente, que o alçara a corte.
Em decisão em setembro de 2023, o ministro aponta o "erro histórico" da prisão de Lula, "fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais" e afirma que Lava Jato chocou o "ovo da serpente" que levaria o fascismo de Bolsonaro ao poder.
"Digo sem medo de errar, foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF. Ovo esse chocado por autoridades que fizeram desvio de função, agindo em conluio para atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos", diz.
Na sentença, o ministro ainda classificou como "pau de arara do século XXI" e "verdadeira tortura psicológica" os métodos de obtenção de provas da Lava Jato, anulando todas as provas obtidas por meio de acordo de leniência com a Odebrecht.
"Sob objetivos aparentemente corretos e necessários, mas sem respeito à verdade factual, esses agentes desrespeitaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas, agiram com parcialidade (vide citada decisão do STF) e fora de sua esfera de competência. Enfim, em última análise, não distinguiram, propositadamente, inocentes de criminosos. Valeram-se, como já disse em julgamento da Segunda Turma, de uma verdadeira tortura psicológica, UM PAU DE ARARA DO SÉCULO XXI, para obter “provas” contra inocentes", diz Toffoli.