COITADINHO, TÃO PERSEGUIDO

Cinismo da extrema direita: Veja um exemplo de como nascem as fake news

Deputado bolsonarista desconhecido tornou-se caso clássico. Ofende, mente e espalha a mentira. Ao ser intimado pela PF, cobra “democracia”, diz-se “perseguido” e pede “respeito”

O deputado bolsonarista Cabo Gilberto Silva.Créditos: Vinícius Loures/Agência Câmara
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Era 13 de março de 2023. Flávio Dino, bem antes de ingressar no Supremo Tribunal Federal, era então ministro da Justiça e Segurança Pública nos primeiros meses do terceiro mandato do presidente Lula (PT). Em agenda oficial, ele foi à favela Nova Holanda, uma das 16 que compõem o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, para participar lá de um evento relacionado ao “Boletim Direito à segurança pública na Maré”, uma publicação que a Redes da Maré produz desde 2016.

A pauta estava relacionada à segurança pública e versava sobre garantias à cidadania daquela população que vive numa das áreas mais violentas do Brasil. Como ministro, chegou em carro blindado, com sua escolta pessoal composta de guarda-costas de forças federais, e acompanhado por viaturas da PRF e da PF, de forma velada e discreta por trata-se de uma zona conflagrada. Tudo dentro da mais absoluta normalidade.

Já no mesmo dia, pela noite, começam a surgir publicações afirmando que Dino foi praticamente sozinho à Mare para tratar de temas escusos, entrando com facilidade por ter ligação com o crime organizado. A coisa foi crescendo e, em poucas horas, parlamentares de extrema direita passaram a reverberar o absurdo em seus perfis nas redes sociais.

Entre esses vários difamadores estava um deputado federal bolsonarista desconhecido para a imensa maioria dos brasileiros: Cabo Gilberto Silva (PL-PB), e não estamos falando do volante pentacampeão mundial com a seleção brasileira na Copa do Mundo de 2002.

Na onda de linchamento moral baseado numa mentira sem tamanho, Cabo Gilberto Silva passou a espalhar de forma desmedida que Dino estava na Maré sem escolta, uma notória mentira, por ter relações com as facções do tráfico que dominam a localidade, uma óbvia calúnia, bem como uma difamação. Ele passou os dias seguintes batendo bumbo em relação ao tal episódio, passou a cobrar a presença do ministro na Câmara “para dar esclarecimentos” sobre uma agenda banal e cotidiana. Mas Dino não engoliu.

O chefe da pasta da Justiça e Segurança Pública registrou uma queixa-crime não só contra o Cabo Gilberto Silva, mas também contra vários outros parlamentares extremistas que propagaram a mentira descarada. A situação, relembremos, é de uma fake news inequívoca: dizer que Dino circulava sem escolta por ser ligações com o crime organizado da Maré. O hoje ministro do STF esteve o tempo todo acompanhado de seus seguranças e nada, rigorosamente coisa alguma, durante toda sua vida pública, foi ventilado sobre qualquer conexão com quadrilhas, bandidos ou malfeitores.

Eis que agora, com a queixa-crime em andamento, Cabo Gilberto Silva foi intimado na Polícia Federal. É algo tão circunstancial e óbvio que sequer merece explicações mais extensas, mas vamos dá-las. Ele atribuiu crimes graves a um agente público no exercício correto de sua função, afirmando que tal pessoa tinha relação com o crime organizado que domina uma área do Rio de Janeiro. Como jamais vai poder provar isso, por tratar-se de mentira pura e simples, foi convocado para dar depoimento, pois tal ato configura os crimes de calúnia e difamação.

Diante da situação flagrantemente ilegal de seu ato, Cabo Gilberto Silva corre agora para dizer que é “o mais novo perseguido do STF”. Ele protestou veementemente sobre a intimação recebida, com ares de indignação total.

 “Isso é Democracia? É uma vergonha o que está acontecendo”, bradou.

É até difícil definir tanto cinismo. Chamar alguém com conduta ilibada, no exercício do seu cargo público, de amigo de bandidos do crime organizado não tem relação alguma com “democracia”. Quem comete um crime é responsabilizado por ele. Calúnia e difamação são crimes, ao cometer tais condutas, você responderá na forma da lei, e isso vale para o Cabo Gilberto, para Flávio Dino, para mim ou para você que lê.

“O Congresso Nacional precisa tomar uma atitude urgentemente para o reestabelecimento do Estado de Direito, porque isso vai atingir a todos... É a Gestapo nazista da Suprema Corte... Policiais federais, poucos, que mancham a imagem de uma instituição séria, comprometida com o povo brasileiro, patrocinando inquéritos fraudulentos”, disse ainda indignadíssimo. Pura groselha e o mais genuíno extrato de cinismo.

A investigação, repito, decorre de uma conduta que será tida como criminosa se o acusado não conseguir provar o que disse. Como jamais provará que Dino estava sem escolta e que mantém conexão com o crime organizado do Rio, será inevitavelmente condenado por mentir e espalhar mentiras sobre alguém. Ou seja, disseminar fake news de maneira deliberada por razões políticas.

O comportamento indignado e irascível de Cabo Gilberto Silva tem explicação. Ele quer o direito e a segurança legal de inventar qualquer absurdo, dos mais dantescos, contra quem quer que seja, sem ser incomodado ou interpelado. Mentir para destruir e devastar reputações pelo simples motivo de enxergar naquele indivíduo um inimigo ou adversário, escondendo-se atrás de um manto ridículo e risível expressado por um tal “eu tenho direito de criticar”.

Não, Cabo Gilberto, você não criticou Flávio Dino. Você poderia dizer que ele é incompetente, que não tem envergadura para exercer seu cargo, que é um ministro idiota ou limitado, que é comunista, que é esquerdista, que é progressista, que é tendencioso, enfim, qualquer coisa que esteja restrita à sua avaliação sobre ele ou outra pessoa. Dizer que estava na Maré por ter relações com o tráfico é mentira, você sabe disso, eu sei disso, e apenas distribuir essa afirmação é crime.

Em resumo, Cabo Gilberto espalhou para todo Brasil que o então ministro da Justiça e Segurança, Flávio Dino, era um aliado de facções do narcotráfico que pode circular sem proteção num dos maiores complexos de favela do país, e agora ele não quer responder pelo que fez. Se tentar cobrá-lo por mentir propositalmente com a intenção de destruir a reputação de um servidor público, ele dirá que é “ditadura do STF”, “gestapo nazista” e “perseguição à direita”. É como Nikolas Ferreira (PL-MG): mente descaradamente, destrói pessoas ou ações do governo com falácias vergonhosas, gaba-se nas redes de ter esse poder, mas se você disser que isso é crime, e que é imoral, ele rosna por estar sendo vítima de “perseguição” e denuncia “falta de democracia”.

E mesmo estando em primeiro mandato e sendo um ilustre desconhecido da cobertura política nacional, ele é reincidente. Foi à tribuna da Câmara insultar com mentiras o delegado federal Fábio Shor, responsável por indiciar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no caso das joias furtadas do acervo da Presidência da República para revendê-las como um muambeiro. O deputado acabou indiciado pelas mentiras lançadas contra o policial.

E sim, Bolsonaro levou joias, relógios e peças de arte que pertenciam ao estado, admitiu isso com desculpas esfarrapadas e é público e notório que seus emissários gastaram verdadeiras fortunas indo ao exterior para recomprar e recuperar algumas delas, na esperança de limpar a barra do “chefe”. O delegado Shor apenas constatou o óbvio e indiciou o acusado.

Sabe qual foi a resposta indignada ao indiciamento dada pelo tal cabo, por suas mentiras direcionadas a Shor? “Roubei? Matei? Trafiquei drogas? Pratiquei corrupção? Não! Apenas cumpri com o meu dever”. Pois é, ele acha que só roubar, matar, traficar e se corromper são crimes, o resto pode tudo. Infernizou e ajudou a destruir a vida e a carreira de um servidor público com mentiras que nunca poderá provar, mas crê que está “cumprindo seu dever”. Aliás, crê não, sabe que age ao arrepio da lei ao se comportar assim.

É só pensar em Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O sujeito vai para os EUA e de lá diz que ele, o pai golpista e os criminosos presos e condenados por destruírem Brasília são todos injustiçados que estão tendo seus direitos humanos violados, quando absolutamente todos estão tendo o devido processo legal, sem abusos, violências ou situações degradantes. O pior é que quem diz isso é um homem que desfilava em público com uma camiseta em homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um psicopata assassino e torturador que seviciava, espancava, eletrocutava e mutilava cidadãos detidos ilegalmente até matá-los.

O cinismo da extrema direita é um fenômeno visível a olho nu, mas é sempre bom manter-se vigilante para que essas pessoas não furem os olhos de que enxerga suas versões patéticas que tentam justificar crimes e tanta desumanidade.

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