O clima e o tempo na Câmara dos Deputados estão tão imprevisíveis e mudando de forma tão repentina quanto numa ilhota oceânica perdida na Atlântico. Em determinado momento, há uma certeza de que o Projeto de Lei da Anistia aos golpistas do 8 de Janeiro não será pautado pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), minutos depois tudo parece virar de cabeça para baixo e o mais certo é que a iniciativa em favor dos criminosos extremistas entrará na pauta em breve. Nesse mar de incertezas, um fato novo nesta terça-feira (15) deixou a capital federal sob tensão.
Fora de Brasília, em viagem, Motta foi às redes sociais e fez uma publicação na qual aparentemente contraria tudo que havia dito até então, ainda que sem citar nominalmente a anistia. Até agora, o discurso do jovem parlamentar que comanda a Casa era de que essa questão não receberia seu apoio e que, mesmo sendo pressionado pela extrema direita (ele chegou a ser literalmente ameaçado pela bancada bolsonarista), não a colocaria para tramitar em regime de urgência ainda que os entusiastas da matéria juntassem as 257 assinaturas necessárias para tal, em que pese o fato de Motta jamais ter criticado a iniciativa, posicionando-se de uma maneira institucional e mantendo o alinhamento com o governo Lula, com quem tem interesses comuns e questões de primeira hora para resolver na Câmara.
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Num movimento visto por alguns como um “cavalo de pau”, Motta disse em sua postagem, recheada de chorumelas sobre “o que é a verdadeira democracia”, que deixará a decisão em relação a pautar a anistia para uma consulta com todos os líderes partidários, o que na prática é abrir mão de seu poder como presidente da Câmara para conduzir os trabalhos por lá. Há quem acredite que, se realmente levada a cabo, a decisão de consultar os líderes de partidos poderia terminar num placar favorável ao bolsonarismo com o início da tramitação do Projeto de Lei.
“Democracia é discutir com o Colégio de Líderes as pautas que devem avançar. Em uma democracia, ninguém tem o direito de decidir nada sozinho. É preciso também ter responsabilidade com o cargo que ocupamos, pensando no que cada pauta significa para as instituições e para toda a população brasileira”, escreveu Motta.
Interpretações
Fontes ouvidas pela Fórum apresentaram duas interpretações diferentes para a postagem do presidente da Câmara. Numa delas, ele simplesmente teria cedido às pressões e colocado na balança o que ganharia e perderia segurando a matéria ou a liberando. Diante disso, Motta teria achado o caminho da tal “democracia”, deixando para que o Colégio de Líderes resolvesse votando, o que certamente levaria a uma vitória dos bolsonaristas.
Já na outra interpretação, a atitude do parlamentar teria sido de uma espécie de recado ao governo Lula. Se de fato querem barrar o PL da Anistia, que tomem postura no Congresso e pressionem as bancadas dos partidos que mantêm ministérios e cargos no Executivo federal e que vivem traindo o Planalto o tempo todo. Por essa lógica, Motta sinalizou que o governo precisa agir, visto que teria forças para isso, e não ficar colocando em suas costas a missão ingrata de segurar os deputados do Centrão que querem colocar fogo no circo apoiando as asneiras da extrema direita.
Por ora, o que se sabe até aqui é depois de uma segunda-feira (14) claramente favorável aos democratas, com o famigerado e vergonhoso Projeto de Lei perdendo força, inclusive com uma declaração de Gilmar Mendes o rotulando como uma “manobra”, agora tudo ficou incerto e Hugo Motta poderia lavar as mãos e soltar a pauta para tramitar.