A cena não deixa de ser insólita. O cineasta Walter Salles sobe ao palco para receber das mãos da atriz Penélope Cruz a estatueta do Oscar de Melhor Filme Internacional para seu "Ainda Estou Aqui", retira os óculos do bolso interno do paletó e os coloca no rosto, apalpa o bolso externo direito à procura do discurso e só aí se dá conta de que não está ali.
Fala, então, de improviso, mais ou menos as mesmas palavras que anotara para discursar na hora da premiação. Mais adiante, Salles postou nas redes sociais a imagem da anotação esquecida, uma mensagem de que o filme fala do passado mas não é passado, assim como o crime de desaparecimento que denuncia é um crime contínuo, que se perpetua enquanto o corpo não for encontrado:
"Obrigado, em nome do Cinema Brasileiro.
Agradeço à Academia por reconhecer a história de uma mulher que, diante de uma tragédia causada [por] uma ditadura militar, optou por resistir para proteger sua família. Em um tempo em que tais regimes estão se tornando cada vez menos abstratos, dedico esse prêmio a Eunice Paiva e a todas as mães que, diante de tamanha adversidade, têm a coragem de resistir. Que nos ensinam a lutar sem perder a capacidade de sorrir, mesmo quando elas se sentem frágeis.
Este prêmio também pertence a duas mulheres extraordinárias, Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. Elas não apenas elevaram nosso filme, mas representam o fato de que a arte resistiu no Brasil.
Governos autoritários surgem e desaparecem no esgoto da história, enquanto livros, canções e filmes ficam conosco... Obrigado a todos, em nome do cinema brasileiro e latino-americano!!
Viva a Democracia, Ditadura Nunca Mais!"
Aqui o discurso de improviso na cerimônia de premiação:
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