O ministro do Esporte do governo Lula, André Fufuca (PP), saiu em defesa de Frei Gilson, religioso ligado à Igreja Católica adorado por bolsonaristas e golpistas por seu discurso conservador e fundamentalista.
Nos últimos dias, Frei Gilson se tornou alvo de inúmeras críticas feitas por usuários das redes sociais e lideranças de esquerda por conta de um discurso do religioso que viralizou no último sábado (8), Dia Internacional das Mulheres, no qual prega a submissão da mulher ao homem.
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"Portanto, eu já começo a falar: a guerra dos sexos é ideologia pura. A guerra do masculino com o feminino é diabólica. Para curar a solidão do homem, Deus fez você [mulher] [...] Deus faz uma promessa para Adão: eu vou fazer alguém para ser sua auxiliar. Aqui você já começa a entender qual é a missão de uma mulher. Ela nasceu para auxiliar o homem", disparou Frei Gilson.
A pregação de Frei Gilson gerou revolta e inúmeros outros vídeos com falas fundamentalistas do religioso foram resgatados. Pregações de tom político também vieram à tona, como a feita durante uma live "patriota" em 2022, ano da eleição presidencial, na qual rezou para que Deus "livre o Brasil do flagelo do comunismo".
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Lideranças bolsonaristas, então, saíram em defesa do religioso e o caso se tornou viral nas redes sociais. Nesta terça-feira (10), até mesmo o ministro André Fufuca foi às redes sociais para defender Frei Gilson.
"A religião transcende ideologias e partidos políticos. Criticar a fé ou os religiosos, de qualquer crença, é um desvio do que realmente importa: a busca pela união, pelo amor e pela paz. O mundo precisa de mais diálogo e menos divisões. Minha solidariedade ao Frei Gilson", escreveu Fufuca.
Nos bastidores, a saída de André Fufuca do governo Lula é dada como praticamente certa. Isso porque o senador Ciro Nogueira, presidente do PP de Fufuca, vem defendendo publicamente que sua legenda rompa com a atual administração federal.
Zé Barbosa: Frei Gilson tem uma "interpretação anacrônica" da Bíblia
O teólogo e pastor Zé Barbosa, colunista da Fórum sobre questões religiosas, esteve no Fórum Onze e Meia desta segunda-feira (10) para falar sobre as declarações machistas de Frei Gilson durante culto realizado a dezenas de mulheres. Na ocasião, ele afirmou que as mulheres deveriam ser submissas aos homens e criticou a palavra "empoderamento", usada para ajudar as mulheres a saírem de realidades abusivas.
Ao comentar sobre as falas de Frei Gilson, o pastor Zé Barbosa afirmou que o religioso tem uma "visão anacrônica do texto bíblico". "A gente está falando de um texto escrito há 4 mil anos, 3 mil anos, 2 mil anos, ou seja, um texto que é datado", explica o pastor. "Ele é datado dentro de um contexto patriarcal e machista. Isso tem que ser dito", acrescenta.
No entanto, o pastor defende que, mesmo no texto bíblico, há "saídas" para outras interpretações. Ele explica que Frei Gilson utiliza o texto de Gálatas que vai dizer que a mulher tem que ser submissa, mas também diz que o homem deve amar a mulher como Cristo amou a Igreja. "E a pergunta é: como é que Cristo amou a Igreja? Servindo. Então, se é assim, na verdade o texto de Gálatas está colocando os dois um servindo ao outro", analisa o pastor.
"Não é uma questão de hierarquia, é uma questão de ambos servindo uns aos outros, que é o princípio do evangelho, ou seja, todo mundo servindo uns aos outros, todo mundo ajudando uns aos outros. Essa ideia da mulher submissa é uma ideia datada, uma ideia patriarcal", explica Zé Barbosa.
O pastor ainda defende que o texto bíblico, muitas vezes, precisa ser revisto. "O texto bíblico, por exemplo, legitimava a escravidão. Ainda que falasse para os donos tratarem os seus escravos de forma honesta, legitimava a escravidão. Isso é uma verdade, estava lá, porque era datado isso. E a gente precisa ir além disso porque essa é a essência do Cristo, essa é a essência da fé cristã", diz o pastor.
"A mensagem de Jesus é exatamente essa ideia de que a gente tem algo para ir além. Como Jesus muitas vezes falou assim: "A lei diz isso. Eu, porém, digo outra coisa. Ou seja, eu estou indo além da lei, porque eu preciso caminhar para além disso", explica o religioso.
Zé Barbosa pontua que a evolução do ser humano e a evolução da percepção das mulheres no mundo mudou. "Então não pode ser essa a mesma consciência que a gente tem hoje", afirma.
Ele acrescenta que ver um frei fazer declarações machistas como a de Frei Gilson é um "arrepio". "E mais arrepiante ainda é ver as próprias mulheres defendendo aquilo. É porque realmente há uma interpretação equivocada do texto bíblico, não levando em conta a essência do Evangelho", avalia Zé.
"A essência do Evangelho é 'em Jesus Cristo, não há mais homem e mulher, senhor e escravo. Todos somos iguais perante Jesus. Em Jesus, todos são feitos um'. Essa é a ideia do cristianismo", explica o pastor.
"Ou seja, se eu sou cristão, eu tenho que defender, a total igualdade entre homem e mulher, entre servos e patrões, entre todo mundo, não há mais espaço para machismo, não há mais espaço para patriarcalismo, não há mais espaço para homofobia, não há mais espaço para escravidão, não há mais espaço para essas coisas em Cristo. Essa é a mensagem do evangelho."
O pastor ainda destaca que Frei Gilson é totalmente envolvido com a extrema direita, e inclusive foi quem recebeu a oração do golpe planejado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados, conforme denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Zé Barbosa reforça que esse processo de trazer a ideia da mulher submissa tem um único objetivo que é enfrentar o feminismo. "Ele vai exatamente contra a palavra que todo mundo tem falado, que é empoderar a mulher", diz.
Zé ainda defende que, diante disso, a esquerda precisa começar a enfrentar o fundamentalismo religioso. "Se a gente ficar nesse papo de que 'tem que pegar leve', a gente vai sempre perder o debate. Eles sempre vão pautar o que quiserem. É hora da gente se levantar e falar contra o fundamentalismo religioso, fazendo exatamente o contraponto a partir de Jesus Cristo. Isso é, a partir da liberdade, a partir de outros pontos que são importantes para a fé cristã", conclui o pastor.
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