ELEIÇÕES 2030?

Recado ao Kassab: o que Haddad disse - e o que não disse - sobre as críticas do cacique do PSD

Como assessor especial de Tarcísio, Kassab não deve deixar o ministro da Fazenda em paz até pelo menos 2030. Mas, pote de mágoas remete a 2012, quando Haddad derrotou José Serra na prefeitura paulistana

Fernando Haddad e Gilberto Kassab em 2015 na sede da Prefeitura de São Paulo.Créditos: Jorge Araújo/Folhapress
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Em entrevista a Miriam Leitão, nesta quarta-feira (5) na GloboNews, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, buscou não polemizar sobre as críticas de Gilberto Kassab, presidente do PSD e assessor do governador bolsonarista Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos-SP).

Fiador da candidatura do ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) na terceira via neoliberal, Kassab disse em evento com agentes do sistema financeiro que Lula "perderia a eleição se fosse hoje" e que Haddad "é fraco".

"O que vemos hoje é uma dificuldade do ministro Haddad de comandar. Um ministro da Economia fraco é sempre um péssimo indicativo", disparou o presidente do PSD aos financistas.

A Miriam Leitão, Haddad disse que não falou com Kassab após o episódio, ocorrido na semana passada, e que não sabe "o que se passou para ele dizer isso, eu não sei".

O ministro ainda afirmou que a resposta a Kassab já havia sido dada por Lula - que começou a rir com a declaração sobre a antecipação da disputa presidencial e classificou Haddad como "um ministro extraordinário".

"Bom, primeiro que quem tem que dar resposta sobre isso é o presidente da República, que já deu no dia seguinte e falou: olha, uma pessoa que faz o Brasil crescer 7% ao ano, com a menor taxa de desemprego, aprova uma Reforma Tributária, melhora as contas públicas, aprova um marco fiscal, peraí, vamos combinar", disse Haddad na GloboNews.

"Mas eu não vou ficar aqui disputando isso porque não é uma coisa razoável. Um partido que é da base do governo, um presidente de um partido que é a base do governo Lula", emendou o ministro, buscando minimizar a tentativa de bate-boca de Kassab.

Em seguida, Haddad expôs a contradição e a falta de critérios de Kassab ao compará-lo com o ex-ministro Henrique Meirelles, que comandou a Fazenda nos dois mandatos do governo Lula, e listou os feitos da sua gestão nesses dois anos do terceiro mandato do presidente.

"O que importa é o seguinte, eu penso que a entrega que nós fizemos em dois anos, eu vejo poucos paralelos no Ministério da Fazenda. Tiveram ministros relevantes, Fernando Henrique foi um ministro relevante, conseguiu em pouco mais de um ano estabilizar a moeda. Mas assim, se eu for pegar o histórico, quem foi o ministro forte? Ele falou, o Meirelles foi forte, mas entregou um déficit muito superior ao atual. Qual o critério que ele está usando? Eu não quero ficar fazendo esse tipo de disputa porque eu acho de mau gosto, inclusive ficar comparando. Isso quem tem que fazer é a população. Isso quem tem que fazer é a História, muitas vezes, porque às vezes a pessoa toma medidas que não são compreendidas no momento e vão ser compreendidas tempos depois. Eu estou muito tranquilo em relação às medidas que eu estou tomando. Não me arrependo de nenhuma delas. Podia ter errado, não é pecado...", afirmou.

Por fim, Haddad admitiu que o presidente do PSD, que tem Alexandre Silveira no comando do Ministério de Minas e Energia, pegou carona na saraivada de críticas que recebe dizendo, aos risos, que "tem fogo amigo, fogo inimigo, aqui tem fogo pra todo gosto".

"Temos um discurso coerente desde dezembro de 2022, se você pegar todas as minhas entrevistas, eu estou perseguindo os mesmos objetivos, com a mesma tenacidade, com o mesmo entusiasmo, com a mesma certeza de que o Brasil pode melhorar muito e podemos sair dessa armadilha em que nós entramos dez anos atrás. Nós entramos em uma armadilha, nós precisamos sair dela. Armadilha por razões econômicas e políticas. A política também atrapalhou muito o Brasil por causa dos conflitos que se estabeleceram em 2014, 2015. O país se desorganizou completamente. Nós precisamos sair dessa armadilha. E o que eu tenho dito e disse para o deputado Hugo Motta, presidente da Câmara, e já disse também ao presidente Davi Alcolumbre, com quem eu jantei semana passada, e vou agora me apresentar aos novos líderes do Senado, política econômica tem que ser uma política de Estado no Brasil. Nós perdemos essa consciência", disse Haddad, antes de alfinetar Kassab, que fez parte do governo Michel Temer (MDB) e aplaudiu a política econômica neoliberal de Paulo Guedes durante a gestão Bolsonaro.

"Nós temos que corrigir esses dez anos, botar as coisas em perspectiva, voltar a falar de desenvolvimento sustentável e para isso não pode ter privilégio, pauta-bomba, amigos do rei, não pode ter nada disso", disparou.

Um pote até aqui de mágoa

Colocando foco nas negociações de pautas importantes para a Fazenda no Congresso Nacional - como o aumento do imposto de renda para os ricos, que ganham acima de R$ 50 mil mensais, para garantir a isenção dos que ganham até R$ 5 mil -, Haddad buscou não levar adiante a polêmica com Kassab.

No entanto, no Planalto a avaliação é uma só: as críticas de Kassab a Haddad fazem parte de "um pote até aqui de mágoa" que o presidente do PSD carrega desde 2012, quando o atual ministro da Fazenda venceu José Serra (PSDB) e foi eleito prefeito de São Paulo. E aumentou em 2022, quando Haddad pôs fim a um sonho do atual assessor de Tarcísio.

Segundo fontes do Planalto, a avaliação é que o atual assessor de Tarcísio "nunca esqueceu 2012".

Além de impor uma derrota robusta - por 55,57% dos votos válidos contra 44,43% - e acabar com as pretensões para eleições majoritárias de Serra, na prefeitura, Haddad desmontou todo o aparato de corrupção criado nas administrações tucanas que eram comandados e irrigavam as negociatas políticas de Kassab.

Haddad, por exemplo, desmontou a chamada "Máfia do ISS", um esquema de corrupção que desviava dinheiro de impostos municipais. Irmão do ex-governador Rodrigo Garcia (sem partido), o empresário Marco Aurélio Garcia, confessou participação no crime em um acordo de não persecução penal com o Ministério Público paulista em que se compromete a pagar R$ 900 mil, parcelados em 36 meses, em reparações. Segundo o MP, o esquema desviou mais de R$ 500 milhões da prefeitura paulistana.

O atual ministro também pôs fim ao esquema de Kassab com a Controlar, consórcio formado pelas empreiteiras Camargo Correa e Serveng, que segundo testemunha ouvida pelo MP-SP garantiu uma “verdadeira fortuna” ao político.

Na investigação, os promotores afirmam que o Consórcio Controlar valeu-se de "um pretexto humanístico da preservação do meio ambiente e da vida", mas que só serviu para o "enriquecimento ilícito" dos acionistas da empresa contratada, que abocanhou um total de R$ 2,5 milhões, em valores da época.

A empresa foi extinta em 2013, após Haddad decretar o fim da inspeção veicular na capital paulista, e o inquérito foi arquivado em 2017, quando Kassab comandava o ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações do governo golpista de Michel Temer (MDB), pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

O atual ministro da Fazenda também expôs as ligações obscuras de Kassab com as grandes empreiteiras ao suspender a construção do túnel Roberto Marinho após suspeitas de superfaturamento na licitação, favorecendo empreiteiras como OAS, Odebrecht e UTC. 

Nesse caso, mais uma vez, Kassab atropelou a legislação ambiental, via Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, para conceder a licença Ambiental Prévia (LAP) à construção do túnel de 2.350 metros que vai ligar a Avenida Jornalista Roberto Marinho à Rodovia dos Imigrantes.

Kassab chegou a pagar R$ 28 milhões dos R$ 503 milhões do contrato que, segundo o MP, foi superfaturado. Em 2018, depois de uma investigação envolvendo formação de cartel, o consórcio contratado chegou a aceitar devolver parte dos recursos que já havia recebido, pagando como indenização R$ 7 milhões. Em 2020, o então prefeito Bruno Covas (PSDB) suspendeu a construção do túnel, afirmando que haviam outras prioridades para a cidade.

A gota d'água

O pote de mágoas de Kassab, no entanto, entornou em 2022, quando o já presidente do PSD tinha pretensões políticas de chegar ao Planalto.

Em meio ao golpe de 2016, Kassab entregou o comando do Ministério das Cidades após calcular que o impeachment de Dilma Rousseff (PT) seria irreversível. A carta de demissão foi entregue no dia 15 de abril de 2016.

Antes, porém, ele já havia negociado a entrada no futuro governo golpista diretamente com Michel Temer, que alçou o colega paulista ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações no dia 12 de maio, logo após o afastamento de Dilma.

Mesmo assim, o oportunista - como é visto nos corredores do Planalto - Kassab tentou articular sua candidatura a vice na chapa de Lula em 2022.

Percebendo as peças se movendo no tabuleiro, Haddad se antecipou e, juntamente com Gabriel Chalita, se aproximou de Geraldo Alckmin.

Chalita, que foi secretario de Educação tanto de Haddad (na prefeitura) quanto do ex-tucano (no governo do Estado), ajudou a articular a saída de Alckmin do ninho tucano - onde havia sido preterido por João Doria - rumo ao PSB para efetivar sua candidatura a vice-presidência na chapa de Lula.

Cavalo de Troia

Astuto articulador político e comandando o maior número de prefeitos no país, Kassab segue atuando nos bastidores movido pelo rancor contra Haddad e vê o ministro da Fazenda como potencial sucessor de Lula - o que complicaria muito sua atuação política.

Após ocupar dois ministérios no governo Bolsonaro - com Fábio Faria nas Comunicações e Marcos Montes, substituto de Tereza Cristina na Agricultura -, Kassab emplacou Alexandre Silveira em uma pasta-chave no governo Lula.

Com Silveira no Ministério de Minas e Energia, Kassab mantém sua influência no governo Lula, ao mesmo tempo em que atua como assessor especial de Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), que busca tirar o coturno para se tornar o candidato do sistema financeiro e da mídia liberal na terceira via em 2026 - ou em 2030, quando pode enfrentar Haddad.

No Planalto, as atenções estão voltadas para Silveira que, segundo fontes, é visto como "o cavalo de Troia de Kassab no governo Lula”.

No Ministério de Minas e Energia, Silveira - que comanda em 2025 um orçamento de R$ 86,4 milhões - tem interlocução direta com as transnacionais do petróleo que patrocinam golpes e guerras pelo mundo afora, como as petrolíferas norte-americanas Chevron e Exxon.

Basta lembrar que, em 2009, o site WikiLeaks vazou um documento do consulado americano no Rio de Janeiro de uma correspondência entre José Serra e executivos das duas petrolíferas.

Na mensagem, o tucano assumia o compromisso de mudar as regras de exploração do pré-sal brasileiro para beneficiar empresas estrangeiras. 

Eleita, Dilma enterrou as pretensões das transnacionais com a lei que destina 75% dos royalties do petróleo e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para a educação.

Em meio aos achaques no segundo mandato da ex-presidente, em 2015,  Serra apresentou projeto para tirar a exclusividade da Petrobras na exploração do pré-sal. Após o golpe, o projeto foi aprovado e sancionado por Michel Temer.

Os ataques à riqueza do pré-sal seguiram durante o governo Bolsonaro, com Paulo Guedes no comando da Economia, com a cessão onerosa da exploração do petróleo e gás para as grandes petrolíferas transnacionais.

2012 e 2030

Mesmo com Lula estancando a sangria petrolífera no Brasil, Silveira dá de ombros e dá pouca importância à Pré-Sal Petróleo (PPSA), criada por Dilma, que segue sob o comando de uma interina, Tabita Loureiro.

Fontes da Fazenda acreditam que com Silveira nas Minas e Energia, Kassab busca promover uma "guerra surda" contra Haddad, buscando influenciar Lula nas tomadas de decisões econômicas do governo.

A jogada retoma 2012, quando Kassab nutriu sua primeira mágoa contra Haddad por vencer Serra, seu padrinho político e interlocutor das transnacionais do petróleo no Brasil.

Embora busque minimizar as críticas de Kassab em público, Haddad e assessores da Fazenda não permitem quaisquer desatenção sobre os passos do cacique do PSD, que não pretende dar paz ao desafeto.

O cálculo tem a ver com 2026. Mas, principalmente, com 2030, quando Lula escolherá o candidato à sucessão, que se tornará seu herdeiro político. Kassab já se enfileirou na trincheira de Tarcísio pois sabe quem é um dos preferidos de Lula para estar no campo de batalha.
 

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