ECONOMIA

Pix: o que muda com medida provisória do governo Lula após onda de fake news

Norma da Receita sobre fiscalização de movimentações financeiras foi revogada diante do volume de desinformação sobre o assunto; entenda ponto a ponto

Fernando Haddad.Créditos: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda
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Diante da disseminação de fake news sobre taxação do Pix, promovida principalmente por lideranças bolsonaristas, o governo federal anunciou a edição de uma medida provisória (MP) para assegurar a gratuidade e o sigilo bancário nas transações realizadas através do sistema. 

A MP também vai reforçar a equiparação entre os pagamentos pelo Pix e o uso de dinheiro em espécie, proibindo qualquer tipo de taxa adicional nas transações. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comunicou a edição da MP em uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto, após se reunir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A declaração veio na sequência da repercussão negativa em torno de uma norma da Receita Federal que visava intensificar a fiscalização das transações financeiras de pessoas e empresas.

O objetivo do governo, segundo o ministro, é "salvaguardar a economia popular e as finanças das pessoas mais pobres, do pequeno comerciante, da dona de casa que vai fazer suas compra". "Não ter a sua relação afetada por esse grupo inescrupuloso que tomou as redes”, destacou Haddad. 

“A Medida Provisória está garantindo que o consumidor tem o direito de, se o pagamento em Pix estiver disponível no estabelecimento, que ele pague exatamente o valor que pagaria em dinheiro. E configura uma prática abusiva não adotar essa regra, porque Pix é dinheiro”, emendou o ministro sobre os golpes financeiros que surgiram com as fake news.

“Essas práticas que estão sendo utilizadas hoje, com base na fake news, de cobrar a mais por aquilo que é pago em Pix na comparação com dinheiro, estão vedadas. Ou seja, o que você cobra em dinheiro, você vai poder cobrar em Pix, você não vai poder cobrar a mais”

Jorge Messias, ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), informou vai notificar a Polícia Federal para abertura de inquérito policial “com o objetivo de identificar todos os atores nas redes sociais que geraram essa desordem informacional, que criaram essa narrativa e fizeram com que pessoas de boa fé, comerciantes, cidadãos em geral, caíssem nos golpes contra a economia popular”. De acordo com ele, também serão investigados crimes relacionados ao uso indevido dos símbolos e da logomarca do Governo Federal, do Ministério da Fazenda e da Secretaria da Receita Federal.

Recentemente, Lula optou por trocar a chefia da Comunicação Social e convidou o publicitário Sidônio Pereira, devido à avaliação de que a administração petista está perdendo terreno nas redes sociais para a oposição. Desde o início do mandato, o Executivo tem enfrentado dificuldades em transformar suas realizações em narrativas atraentes que cheguem de forma eficaz à base social e ao público mais amplo.

Fake news do imposto no Pix alcançou quase 10 milhões de usuários em uma semana

Desinformação na economia é a arma mais utilizada pela extrema direita para fomentar polarização política nas redes, segundo mostrou um levantamento da Agência LupaMais de 9,4 milhões de brasileiros foram alvo de desinformação entre os dias 7 e 14 de janeiro com a propagação de notícias falsas em grupos públicos do WhatsApp e do Telegram, após o Banco Central (BC) revelar as novas regras para o compartilhamento de dados fiscais com a Receita Federal.

Conforme dados da Palver, adquiridos pela agência de checagem de fatos "Lupa", mais de 18 mil mensagens únicas sobre o tema foram compartilhadas em 2,2 mil grupos de comunicação em português, com membros de diferentes partes do Brasil, nos últimos sete dias. 

Isso resulta em uma média de quase dois conteúdos novos (1,8 mensagem) sendo postados a cada minuto no WhatsApp ou Telegram desde terça-feira passada. A análise da Palver revelou que as mensagens falsas sobre o Pix, com conteúdo predominantemente negativo, se espalharam rapidamente por todo o Brasil, especialmente em São Paulo. 

As fake news, que associavam o Pix a uma nova taxação e a um suposto favorecimento de bancos e milionários, foram disseminadas principalmente através do WhatsApp, nos códigos de área 11 e 19. A propagação dessas mensagens, nos dois aplicativos, segue um padrão semelhante: os ataques ao Pix começaram no dia 8 de janeiro e atingiram seu auge no dia 12. O dia em que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) gravou um vídeo, com ironia, dizendo que o presidente "monitorava até quem pede dinheiro em semáforo", além dele, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) também foi um dos maiores responsáveis pela propagação da desinformação sobre o Pix.

Entre as 18 mil mensagens únicas sobre o Pix detectadas, pelo menos 38 receberam a classificação de virais pela Meta, com a seta dupla, que é atribuída a conteúdos “frequentemente encaminhados”. Dentro das mensagens mais populares, 20 mil pessoas tiveram acesso a pelo menos um desses conteúdos ultravirais em 39 grupos públicos. Além disso, todos os materiais que circularam no WhatsApp em 12 de janeiro foram classificados como “negativos” pelo sistema automático da Palver. 

Revogação da norma da Receita

O governo Lula decidiu revogar os atos da Receita Federal que ampliavam as normas de fiscalização das operações financeiras (Pix, pagamentos e investimentos) realizadas pelos contribuintes, após uma enxurrada de fake news alegando que as transações Pix seriam taxadas. A revogação dos novos atos da Receita Federal foi confirmada por Robinson Barreirinhas (Receita Federal) e pelo ministro da Fazenda.

Com a decisão do governo federal, as regras de fiscalização para valores acima de R$ 5 mil para pessoas físicas, iniciadas em janeiro, deixam de valer. Além disso, o governo federal vai editar uma Medida Provisória para equiparar o pagamento via Pix ao pagamento em dinheiro. O objetivo é evitar que comerciantes impactados pela fake news do Pix cobrem taxas diferentes para valores digitais ou em espécie.

O ministro Fernando Haddad afirmou que os parlamentares que atentaram contra o Estado vão responder criminalmente. "O estrago está feito, inclusive senadores e deputados agindo contra o Estado brasileiro. Eles vão responder por isso", declarou o responsável pela Fazenda.

O que realmente ia mudar? O governo pode taxar o Pix?

A intenção da Receita Federal, na verdade, era atualizar o sistema de monitoramento e comunicação obrigatória entre instituições financeiras e a Receita para transações que ultrapassem certos valores — algo que já vinha ocorrendo desde 2015. Antes, os valores mínimos para comunicação eram de R$ 2 mil para pessoas físicas e R$ 6 mil para jurídicas. Agora, esses valores passariam a ser R$ 5 mil e R$ 15 mil, respectivamente, ou seja, o valor mínimo a ser informado para a Receita foi elevado.

O governo federal não pode instituir um imposto permanente sobre o Pix ou qualquer outra transação financeira. A Constituição Federal só permite que a União crie uma contribuição temporária, com uma alíquota máxima de 0,25% sobre as movimentações financeiras. Em 1997, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi criada a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que incidia sobre todas as movimentações bancárias, exceto negociações na Bolsa de Valores, saques de aposentadoria, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas correntes de mesma titularidade. 

Os bancos eram responsáveis por repassar o valor cobrado sobre as transações diretamente ao governo federal. Embora tenha sido criada como uma contribuição provisória, a CPMF foi renovada diversas vezes e permaneceu em vigor até 2007, quando foi extinta pelo Senado Federal. Atualmente, não há planos do governo federal de criar uma nova taxa sobre transações. 

LEIA MAIS: O real motivo para a decisão de revogar a normativa do Pix

Guedes e Bolsonaro tentaram taxar o Pix

A Secretaria de Comunicação Social esclareceu que o Pix não está sendo taxado, e o Ministério da Fazenda afirmou que a inclusão do Pix no monitoramento das transações financeiras "fortalece a segurança fiscal, preserva o sigilo bancário e não institui nenhum novo imposto para os brasileiros". Em 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, cogitou a criação de uma nova versão da CPMF, defendendo que a taxação não prejudicaria os contribuintes. A proposta, no entanto, foi abandonada em maio de 2021, após senadores se oporem fortemente à ideia, tanto na Comissão Mista da Reforma Tributária quanto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

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