O juiz federal Eduardo Appio, que esteve à frente da célebre 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela Operação Lava Jato, substituindo Gabriela Hardt, a ‘herdeira’ de Sergio Moro, deu uma longa entrevista exclusiva ao Fórum Onze e Meia nesta quinta-feira (25). Na conversa com os jornalistas Renato Rovai e Dri Delorenzo, o magistrado falou seu livro recém-lançado, “Tudo por Dinheiro: A ganância da Lava Jato segundo Eduardo Appio”, da Kotter Editora, acompanhado pelo publisher da empresa, Salvio Kotter.
Appio começou a participação na atração assumindo ser leitor e espectador da Revista Fórum e da TV Fórum, agradecendo ao trabalho desempenhado pelos veículos de imprensa independente no país.
“Eu acompanho o programa de vocês, Dri e Rovai, há bastante tempo, não diariamente claro, porque a gente sempre acaba fazendo uma ou outra coisa, mas sou um fiel seguidor deste canal que é um canal disruptivo, independente, crítico e um canal que traz a realidade para as pessoas, porque a grande mídia acaba criando uma realidade ficcional, infelizmente. Então, os poucos canais de realidade são aqueles canais independentes como o de vocês, e aí vocês fazem um trabalho para o Brasil que realmente não tem preço”, disse.
Sobre o título de seu livro, o juiz afirmou que “fazer tudo por dinheiro” não é algo que se encaixe em seu perfil e que a expressão é na verdade endereçada às figuras que o antecederam na 13ª Vara Federal de Curitiba e outros atores da Lava Jato.
“Claro. Primeiro o título. Eu, ao contrário dessa turma deles, não faço tudo por dinheiro. Muito pelo contrário. Faço por um dever cívico e por acreditar na ideia da soberania do Brasil. Isso é fundamental. Não é nada partidário. Pelo contrário, eu estou há 25 anos escrevendo. Eu publiquei minha tese de doutorado há 25 anos. Estou desde lá batendo na mesma tecla que nós devemos despolitizar o judiciário para que não aconteça um episódio como aconteceu no caso do Moro, de uma pessoa se utilizar do cargo como um trampolim para depois ir para político. Eu até estava pensando aqui em trocadilho. Você estava falando do Morumbi e, para mim, por livre associação, não sei se é psicanálise ou alguma coisa, veio a palavra 'Moro bi'. Porque, então, tem R$ 2,5 bilhões ‘Moro Gate’ que foi desvendado, e não por mim... Eu detectei, claro, digamos assim, a anomalia no sistema, e reportei tudo ao CNJ. E aí, claro, quem foi o herói dessa ocasião e que apurou tudo durante um ano foi o ministro Salomão, enquanto esteve corregedor lá no Conselho Nacional de Justiça. Hoje ele é corregedor da Justiça Federal. Então, os méritos, realmente, a apuração são dele. Mas o fato é que eu esbarrei ao acaso. A minha chegada se deu início de fevereiro de 2023. E é uma chegada marcada pela hostilidade”, explicou Appio.
O juiz explicou também o verdadeiro périplo que foi para chegar ao posto de comando da vara responsável pela mais conhecida operação judicial da História do Brasil. Ninguém queria uma autoridade de fora do “clubinho” de Sergio Moro, alguém que não estivesse comprometido em continuar com os desmandos e absurdos cometidos pela tão afamada “força-tarefa” que levou o país à ruína.
“Para eu conseguir chegar no cargo, isso o livro está refletindo, o Salvio Kotter (publisher da Kotter Editora, que está publicando a obra de Appio) conta essa história... Todas as adversidades que eu tive que enfrentar, que foram muito grandes para conseguir a vaga 13ª Vara (Federal, de Curitiba). A vaga era por antiguidade na carreira. Eu era o mais antigo. Eu tive que esperar até a última hora para fazer o pedido de remoção para essa vaga. Em 2019, nós tivemos aquele incidente que está retratado pela Vaza Jato, em que houve uma disputa muito grande sobre quem iria suceder ao Sérgio Moro na 13ª Vara. Ou seja, eu já sabia que ele tinha uma caixa preta. Então, quando houve uma resistência, obviamente muito grande, havia um grupo, de alguma forma, conectado a Dallagnol, Moro e a essas pessoas que tentaram barrar a minha remoção por antiguidade no Tribunal Regional Federal. Não conseguiram naquele momento. Naquele momento, um advogado teve que fazer inclusive uma defesa da minha candidatura. No caso, foi o Rochinha. O Rochinha é um amigo, e é meu advogado desde que eu era promotor, em 1996, quando eu já arrumava essas broncas por amor ao Brasil e por senso social de defesa daqueles que não têm voz. E o Rochinha sempre foi meu advogado. E o Rochinha depois acabou sendo o advogado do Lula, e uma coisa não tem nada a ver com a outra. Mas o Rochinha fez a minha defesa e nós conseguimos emplacar a minha candidatura e eu fui como o mais antigo removido. Cheguei na vara, e hostilidade para todos os lados. A começar pela Gabriela Hardt, os servidores, todos muito hostis. Todos assim, eu não sabia se poderia tomar um cafezinho na copa se não tivesse alguma coisa. Então, assim, o receio permanente. Na segunda semana de atividade profissional, já através do lawfare, (apareceram) nove representações disciplinares no CNJ promovidas por Flávio Bolsonaro, Kim Kataguiri, Deltan Dallagnol, Marcel Van Hatten e outros parlamentares de extrema direita. Então, assim, todos eles mais ou menos com a mesma representação, tudo mais ou menos no mesmo modelito. E então, entraram, me obrigaram a contratar advogados, indicavam para pagar honorários, aquela coisa toda. Enfim, eles utilizam dessa maquinaria que eles têm à disposição”, relembrou.
Ele disse que chegou a se questionar sobre o que faria à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba, já que tudo e todos pareciam endossar as ações à margem da lei que até então vinham sendo encampadas. Mas manteve a convicção, mesmo sendo questionado por uma série de fatores.
“Eu nunca tive essa dúvida, de pensar ‘poxa, mas será que eu tô fazendo a coisa certa’? Eu tinha convicção plena de que estava fazendo a coisa certa em apurar essas legalidades, na medida em que eu não cheguei lá com o sentido de investigar, não cheguei na vara com o sentido de fazer um pente fino, mas simplesmente fazer o meu trabalho. E as pessoas leram uma entrevista minha na Folha de S. Paulo, se não me engano, fazendo críticas à Lava Jato, em que eu termino a matéria, a entrevista, dizendo o seguinte: ‘olha, eu sinto que você segue o lado certo da história’ e isso pegou forte, tanto no tribunal quanto nos colegas aqui, que de alguma forma, direta ou indireta, participaram dessa grande conspiração que culminou com a questão das eleições de 2018, com Lula preso e Bolsonaro eleito, e eles sabiam que eu, de fato, não anuía com esses métodos e muito menos com uma prisão política, como aconteceu em 2018 com o presidente Lula. Então, a questão central é essa, todo mundo contra e eu convicto de que estava fazendo a coisa certa... E dou essa entrevista e aí, na medida que eu dou a entrevista, vários advogados de partido dizem ‘opa, entrou um juiz novo aí na parada e esse cara, nós podemos encaminhar as denúncias todas que aconteceram de muitas ilegalidades em envolvendo a Lava Jato’...”, explanou Appio.
Assista à entrevista completa na TV Fórum: