ESPECULAÇÃO

Dólar subiu pelas falas de Lula? É “chantagem do Banco Central com DNA do bolsonarismo”

Alta da moeda norte-americana vem sendo associada à postura crítica do presidente ao BC e sua resistência à pressão do mercado por corte de gastos em áreas sociais; essa, no entanto, é só a “ponta do iceberg”

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central.Créditos: Adriano Vizoni/Folhapress
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A disparada do dólar em relação ao real é o principal assunto no debate político e econômico brasileiro nos últimos dias. A moeda norte-americana disparou e atingiu, na terça-feira (2), a cotação de R$ 5,66, maior alta desde janeiro de 2022.

A supervalorização da moeda frente ao real vem em meio a críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à política de juros do Banco Central (BC) e, principalmente, ao presidente da instituição, Roberto Campos Neto, que, segundo o chefe do Executivo, “trabalha contra o país”.

A movimentação, porém, acontece enquanto o Brasil apresenta indicadores econômicos positivos: a inflação, que chegou a 12% em abril de 2022 no governo Bolsonaro, caiu para 4,62% e, no acumulado dos últimos 12 meses, está em 3,93%. A taxa de desemprego atingiu no último trimestre de maio a menor taxa desde 2014, chegando a 7,1%. Além disso, a renda domiciliar per capita teve alta de 11,5% e o aumento do salário mínimo real chegou a 6% em 2 anos.

O que explica, então, a disparada do dólar?

Parte da imprensa insiste, amparada por economistas neoliberais, na tese de que a moeda norte-americana vem registrando alta por conta de uma suposta reação do mercado financeiro às declarações de Lula críticas a Roberto Campos Neto, que mantém a taxa básica de juros (Selic) em astronômicos 10,5%, e às falas do mandatário dando conta de que não vai ceder à pressão deste mesmo mercado financeiro e do próprio BC por corte de gastos em áreas sociais. Lula tem afirmado que não vai promover ajuste fiscal mexendo no aumento real do salário mínimo ou desvinculando-o da previdência, e nem mesmo rebaixar os pisos da saúde e da educação.

"Não tenho que prestar contas a nenhum ricaço deste país, a nenhum banqueiro. Tenho que prestar contas ao povo pobre, trabalhador deste país, que precisa que a gente tenha cuidado e que a gente cuide deles", disse Lula durante um evento em Feira de Santana (BA) na terça-feira (2).

Para agentes do mercado financeiro, falas como essas representam uma sinalização de “descontrole” nos gastos públicos e uma “interferência” do presidente na economia, justificando assim uma especulação que resultaria na alta do dólar.

Esta, no entanto, seria somente a “ponta do iceberg” no movimento de disparada da moeda norte-americana, segundo o economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) André Roncaglia.

Muito além das declarações de Lula

Em entrevista à Fórum, o economista André Roncaglia afirma que, para além das razões de conjuntura, a alta do dólar está atrelada a causas mais estruturais.

“As causas estruturais têm a ver com a sensibilidade da moeda brasileira aos ciclos de liquidez internacional. Agora, com o Banco Central Americano subindo a taxa de juros, a tendência é a gente também reagir aqui desvalorizando a nossa moeda porque o dinheiro que está aqui foge na direção dos Estados Unidos. Isso está acontecendo em toda a região. Depois, existe uma dimensão própria da moeda brasileira, que é uma moeda commodity. Ela serve para os mercados financeiros internacionais montarem posições em mercados derivativos, o que a torna também potencialmente mais volátil”, explica.

Segundo Roncaglia, os “ruídos” gerados a partir das declarações críticas de Lula ao BC e a sinalização de que não promoverá ajuste fiscal alterando investimentos na área social são apenas “a pontinha desse iceberg, a cereja do bolo que o mercado precisa para dizer que o bolo é dele e atuar de uma maneira a intensificar a especulação com a moeda brasileira”.

“Então, eu não acho que o câmbio estaria numa situação melhor no sentido de estar abaixo de cinco reais por dólar se o presidente Lula não estivesse falando”, prossegue o economista.

Roncaglia considera, contudo, que as recentes declarações de Lula “não ajudam”, apesar do presidente ter o direito de expressar sua opinião sobre a política monetária e cambial do BC.

“É preciso atuar de maneira estratégica, não dar ao mercado motivos para usar o poder que ele tem para instabilizar a macroeconomia e tornar a vida do governo mais difícil. Então, eu acho que faria muito bem se o governo conseguisse articular uma narrativa clara, uma trajetória para a economia que não desse ao mercado motivos para agudizar esse processo de especulação com a moeda”, pontua.

Chantagem do BC com DNA bolsonarista

Paulo Kliass, doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal, considera que as declarações de Lula sobre ajuste fiscal e contra a política que vem sendo desempenhada pelo Banco Central não representam as razões para a disparada do dólar.

Em entrevista ao programa Fórum Café, Kliass avaliou que os grandes responsáveis pelo atual câmbio da moeda norte-americana são o próprio Roberto Campos Neto, presidente do BC, e agentes do sistema financeiro.

“É óbvio que não são as falas do Lula que estão provocando essa movimentação na taxa de câmbio. O principal responsável é o próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O comportamento dele contribui muito para criar esse clima de incerteza”, sentencia o economista.

Lula, Fernando Haddad e Roberto Campos Neto (Foto: Adriano Machado/Reuters/Folhapress)

Kliass chama atenção para o fato de que o problema teria começado a ser gestado ainda em 2021, quando foi aprovada a lei que estabeleceu a independência do BC, apesar da instituição sempre ter sido autônoma.

“O BC sempre foi autônomo, mas era um órgão de governo subordinado ao Ministério da Fazenda, uma autarquia. O presidente tinha a capacidade de nomear os diretores, que eram sabatinados pelo Senado. O que fizeram foi pensar: ‘vai que o Lula ganha a eleição, vamos nos antecipar e colocar dificuldade’. Todos os diretores da gestão Bolsonaro ficaram com mandato fixo. Então, chegamos ao paradoxo da antidemocracia: o Lula toma posse em janeiro de 2023 e tem 9 bolsonaristas na direção e fiscalização do órgão regulador do sistema financeiro”, assevera.

O economista afirma que esses diretores indicados por Jair Bolsonaro passaram “meses sabotando a política monetária e cambial do Lula” e que o presidente da República, desde o início, “identificou um problema nessa dualidade de poder”, já que a política monetária e cambial são aspectos fundamentais da política econômica. Apesar de Lula, pouco a pouco, ter indicado 4 diretores, a maioria ainda é “herança maldita” de Bolsonaro e isso “cria algum tipo de incerteza e expectativa do ponto de vista do interesse do financismo”.

Segundo Paulo Kliass, foi neste contexto que o BC e o sistema financeiro passaram, nos últimos meses, a “chantagear” o governo com especulação, fazendo o dólar disparar.

“Vejam que o sistema financeiro poupa o Fernando Haddad [ministro da Fazenda], o discurso oficial é que Haddad está fazendo o dever de casa, cortando gastos, austeridade. O Lula, não. O Lula é gastador, irresponsável e populista, segundo eles. E a arma que eles lançaram mão, com toda a bancada que têm para impedir o governo de levar à frente as necessidades do país, é essa história do dólar (...) E nos últimos três meses, quando teve maior atrito na questão da política fiscal, que promoveram uma desvalorização de caráter meramente especulativo. Isso quando as informações sobre a economia justamente melhoraram muito. Não há razão [para a alta do dólar] do ponto de vista dos fundamentos da economia para esse movimento”, avalia.

“O Lula, em suas declarações, está sendo muito correto no sentido de identificar quem está sendo o responsável pela nossa instabilidade (...) Isso é uma grande chantagem com DNA do bolsonarismo em aliança com setores do sistema financeiro”, prossegue Kliass.

Aumento da taxa de juros

Também em entrevista ao programa Fórum Café, o ex-presidente do PT e ex-deputado federal José Genoino seguiu a mesma linha e considerou que Roberto Campos Neto é a razão por trás da alta do dólar.

O ex-parlamentar acusa Campos Neto de incentivar a "especulação do dólar" e de não intervir para conter a alta da moeda, como já fez durante o governo Bolsonaro utilizando as reservas cambiais da instituição. Genoino argumenta que essa atitude visa justificar um possível aumento na taxa básica de juros (Selic) e garantir o ajuste fiscal, prejudicando os investimentos do governo Lula em áreas sociais, principalmente com relação à previdência, educação e saúde.

"Há uma crise real, sistêmica, do modelo neoliberal que atinge o mundo inteiro. A alguns mais e a outros menos. É nesse clima de crise que, no caso do Brasil, há uma atitude de incentivo à especulação do dólar por parte do presidente do Banco Central. Ele não toma nenhuma atitude: fica especulando com o aumento do dólar para que atinja de maneira dura a economia e justifique o aumento dos juros", afirma Genoino.

"Setores financeiros monopolistas querem garantir o ajuste fiscal tirando dos pobres. Querem mexer na saúde, educação e previdência", prossegue.

Genoino também destaca o aspecto político e eleitoreiro da articulação de Campos Neto e das elites financeiras para manter o dólar alto.

"Eles querem, com isso, fazer um processo de 'mostrar a crise' do governo Lula para que ele possa ser enfraquecido politicamente. Estamos em ano eleitoral. Querem encurralar o Lula politicamente", pontua.

O ex-deputado propõe que o PT, partidos de esquerda e lideranças políticas façam um "movimento contra a especulação do dólar". "É especulação para forçar o aumento dos juros e fazer o governo mexer no teto da previdência, saúde e educação", diz.

"Campos Neto é um infiltrado do bolsonarismo no Banco Central para torpedear o governo Lula", finaliza José Genoino.

E as reservas?

Parlamentares têm cobrado o Banco Central a reagir à disparada do dólar. Isso porque a instituição possui reservas cambiais que podem interromper o ciclo de alta da moeda e que, se fossem utilizadas antes, evitariam a movimentação brusca.

Segundo o economista André Roncaglia, “existe então uma série de ferramentas e instrumentos que o Banco Central pode usar, desde vender a moeda no mercado à vista, vender dólar e tentar segurar um pouco essa cotação, até atuar nos mercados derivativos, por meio dos swaps cambiais, ou mesmo operações compromissadas em moedas estrangeiras”.

Roncaglia, entretanto, pondera que, dentro do arranjo atual, os efeitos de uma intervenção do tipo seriam pequenos, pois o mercado financeiro pode reagir às declarações de Lula “punindo a moeda”.

“O mercado tem esse poder, consegue fazer, não faz isso de maneira deliberada para atacar o governo, mas é evidente que, o governo dando motivo, o mercado enxerga nisso incerteza e toma uma posição defensiva. E a posição defensiva é apostar contra a moeda, contra o real, e aí as justificativas são exatamente a questão fiscal”, afirma.

“Os dois lados [governo e mercado financeiro] já mostraram o poder que têm, os dois lados já se confrontaram, acho que agora está na hora de baixar os ânimos, acalmar, pôr a bola no chão. Eu acho que o mero fato de parar um pouco essa disputa já vai diminuir muito os prêmios de risco, já tende a dar uma aliviada na moeda e deixar apenas os fatores externos, sobre os quais a gente não tem nenhum controle, atuarem sobre o câmbio”, emenda o economista.

Em discurso na tribuna da Câmara na última terça-feira (2), o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) classificou o fato do BC não ter intervido e não planejar intervir para segurar o dólar como um ato de “sabotagem”. O parlamentar relembrou que a instituição, já sob a presidência de Campos Neto, vendeu US$ 70 bilhões das reservas cambiais para intervir no câmbio durante o governo Bolsonaro “e agora está de braços cruzados”.

“Eles querem comprar uma crise, é isso o que está acontecendo. Não faz sentido. O Brasil tem US$ 350 bilhões de reservas cambiais. Ele [Roberto Campos Neto] poderia fazer swap cambial e ele sabe que o dólar alto pode puxar a inflação. O compromisso maior do Banco Central é a estabilidade monetária”, disparou.

“O mercado quer desestabilizar o governo Lula. Não vão conseguir, porque os números reais da economia vão se impor. Agora é importante, e eu chamo a atenção deste Parlamento para que haja uma reação, porque é claramente uma política de sabotagem. Esse Campos Neto trabalha para o governo Lula dar errado. É uma ação orquestrada por parte do mercado financeiro, estimulada por esse presidente do Banco Central”, finalizou Farias.