GRAMPO DO RAMAGEM

“Ninguém gosta de tráfico de influência”, disse Bolsonaro enquanto a praticava

O áudio gravado escondido por Alexandre Ramagem mostra algumas pérolas do ex-presidente na tentativa de favorecer o primogênito

Jair Bolsonaro.Créditos: Felipe Marques/Zimel Press/Folhapress
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O áudio gravado Alexandre Ramagem (PL-RJ) em 25 de agosto de 2020 e tornado público nesta segunda-feira (15) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), revela uma série de pérolas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na tentativa de blindar seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), da investigação que apurava suposta prática de rachadinha em seu antigo gabinete na Alerj. Numa delas, diz que "ninguém gosta de tráfico de influência", enquanto pratica justamente essa conduta.

Ramagem à época do grampo era chefe da Abin e atualmente é deputado federal e pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro com apoio de Bolsonaro. A existência do grampo gerou rusgas na relação entre ambos. Além deles, também participaram da reunião o general Augusto Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e as advogadas Juliana Bierrenbach e Luciana Pires.

Na longa conversa, cuja gravação contou com um 1 hora e 8 minutos, esteve em pauta uma forma de interferir diretamente nas investigações que miravam o antigo gabinete de Flávio na Alerj, quando ele era deputado estadual. Os auditores da Receita Federal que atuavam no caso eram os alvos da trama costurada no encontro.

Num trecho crítico da conversa, aos 48 minutos, após tratarem longamente de um caminho para descobrirem quem são os auditores da Receita Federal chegaram a relatórios contra o senador Flávio Bolsonaro, e como o fizeram, o então presidente da República diz diretamente no diálogo para procurar o chefe do Dataprev, Gustavo Canuto, que foi ministro do Desenvolvimento Regional no governo Bolsonaro. A sugestão é para uma finalidade obviamente ilegal.

Já o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), alerta que a ação não pode “vazar”, naturalmente por se tratar de uma atitude criminosa. Bolsonaro então responde que Heleno pode confiar em chefe do Dataprev: "Meu ministro".

Naquele momento a reunião já estava se encaminhando para o final e, aos 51 minutos de gravação Bolsonaro anuncia que precisa sair porque “mais de cinquenta empresários” o aguardavam. Os presentes então começam a definir tarefas, quando o ex-presidente dispara: “O que acontece, o que acontece? Ninguém gosta de tráfico de influência".

A ironia da afirmação é que ela foi feita, exatamente, no momento em que Bolsonaro praticava tráfico de influência.

Leia a transcrição do trecho

[51min23seg] Jair Bolsonaro – Eu tenho que sair. Têm uns cinquenta empresários me esperando. [Vamos] fazer uma coisa. Vocês vão falar com quem amanhã? Canuto?

Luciana Pires – Presidente? O senhor determina.

Jair Bolsonaro – Não, não, não. A quem interessa pra gente resolver esse assunto?

Juliana Bierrenbach – Eu acho, o Serpro. O que a gente puder mesclar a opinião.

Jair Bolsonaro – Eu falo com o Canuto. Agora isso aí eu falo com o Flávio então. Qualquer hora do dia amanhã.

Alexandre Ramagem – Fala com o Canuto para saber do Serpro. Fala com o Canuto para saber do Serpro, tá? É secretário da Receita.

Luciana Pires – Qualquer horário. O nosso voo é oito e quarenta da noite só. Eu já deixei a agenda livre para conversar.

Jair Bolsonaro – O que acontece, o que acontece? Ninguém gosta de tráfico de influência. A gente quer fazer…

Luciana Pires – Não. Outra coisa, só não bateram em mim até agora, presidente. Não sei se o senhor reparou, eu não dou entrevista.

Jair Bolsonaro – Dois meses e meio que eu não falo.

Luciana Pires – As coisas acalmaram. É que dá raiva mesmo, mas presidente, a gente ficou esperando que cada um…

Jair Bolsonaro – Eu errei. Eu errei duas vezes

Ouça o áudio na íntegra