Desde o início das investigações sobre o chamado escândalo das joias envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, a Polícia Federal procurava uma conexão que provasse que Bolsonaro sabia do esquema de furto e venda das joias recebidas como presente (ou propina) de autoridades da Arábia Saudita, Bahrein e Emirados Árabes.
O problema é que Bolsonaro, desde o esquema das rachadinhas, sempre terceirizou as irregularidades, de forma a isentar-se de culpa pelos ilícitos cometidos.
Sobre as rachadinhas, a responsabilidade ficou nas costas de Fabricio Queiroz, que teria organizado o esquema sem o conhecimento de Bolsonaro, como se isso fosse possível.
O mesmo aconteceu a respeito das joias. Bolsonaro desde o início negou as vendas, negou que tivesse se apropriado das joias. Quanto questionado sobre as que se encontravam em sua posse, alegou desconhecimento da lei, coisa que não serve de desculpa para um cidadão comum, ainda mais para um presidente da República, no mínimo pela penca de assessores de que dispõe.
Começou então o processo de apagamento dos rastros das movimentações das joias e a tentativa de recuperação das que foram vendidas — o que foi feito com sucesso, menos com uma das peças: um relógio que não foi recuperado.
A delação de seu ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, incriminava Bolsonaro e dizia que o presidente sabia de tudo. O mesmo com as pessoas que tentaram pegar o colar de milhões, retido na Receita Federal em São Paulo.
Bolsonaro reagia como sempre: ele nada tinha a ver com aquilo, eram decisões autônomas de seus subordinados. Como se fosse crível que um ajudante de ordens resolvesse vender joias ou um funcionário do Palácio pegasse um avião da FAB para ir a São Paulo tentar recuperar o colar de R$ 15 milhões.
Faltava a prova, a conexão.
Selva
Mas, finalmente, a PF chegou a uma prova que mostrava de maneira incontestável que Bolsonaro não só sabia do esquema como o incentivou. Já não era mais a palavra de Mauro Cid apenas.
O print de uma conversa entre Bolsonaro e Mauro Cid em que este comunicava ao ex-presidente que as joias iriam a leilão com o link para que Jair acompanhasse online a venda dos objetos furtados, e que foi respondido por Bolsonaro com um um jargão militar conhecido — "selva" —, que mostra.
"Nesse contexto, ratificando sua ciência e anuência na tentativa de alienação ilegal das joias, a análise dos dados armazenados no telefone celular apreendido em poder de JAIR MESSIAS BOLSONARO identificou cookies e históricos de navegação da página da empresa FORTUNA AUCTION, responsável pelo leilão do 'kit ouro rose'", diz a PF, que detalha que o ex-presidente acessou o link 21 minutos após receber a mensagem do ex-assessor.
"JAIR BOLSONARO encaminha para MAURO CID a mensagem 'Selva', demonstrando sua ciência sobre leilão das joias desviadas do acervo público brasileiro que ocorreria no dia 08 de fevereiro de 2023", segue o relatório, que prova ainda que Cid enviou para Bolsonaro uma mensagem no dia do leilão do "kit".
Bolsonaro já não pode mais alegar inocência. Está feito o vínculo que o liga a todo o esquema e que fez com que a PF pedisse seu indiciamento por organização criminosa (com penas de um a três anos de reclusão); lavagem de dinheiro (de três a 10 anos) e peculato (apropriação de bem público), com pena de dois a 12 anos de reclusão.
Agora é esperar a decisão da Procuradoria Geral da República pela aceitação do processo para que Bolsonaro se transforme em réu e finalmente seja julgado por mais esses crimes, além de um primeiro em que já foi julgado e condenado à inelegibilidade por oito anos no TSE.