HORA DA VERDADE

Quem é Tércio Arnaud, assessor que estava com Bolsonaro durante a ação da PF

Ex-assessor de confiança de Jair Bolsonaro estava na sua casa de Mambucaba no momento da apreensão; a polícia apreendeu seu celular e determinou seu retorno à Brasília

Tércio Arnaud era "homem da mais irrestrita confiança de Bolsonaro".Créditos: Divulgação/DFRLab
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O ex-assessor especial da presidência, Tercio Arnaud, estava junto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na residência de Mambucaba, em Angra dos Reis (RJ), durante operação da Polícia Federal, deflagrada nesta quinta-feira (8).

A operação Tempus Veritatis (A hora da verdade, da tradução do latim) cumpriu mandados de busca e apreensão expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) na apuração da organização criminosa que teria envolvimento na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito,

De acordo com o advogado Luiz Eduardo Kuntz, que representa Tércio Arnaud, o ex-assessor estava reunido com Jair Bolsonaro na casa de Angra dos Reis. Arnaud foi retirado do local, onde estava desde o Reveillón, e deve ser encaminhado à Brasília, em razão da proibição de manter contato com os demais investigados.

A informação foi confirmada pela defesa de Bolsonaro. Em seu perfil no X, antigo Twitter, o advogado Fabio Wajngarten, se manifestou:

"Em cumprimento às decisões de hoje, o [ex-] Presidente Jair Bolsonaro entregará o passaporte às autoridades competentes. Já determinou que seu auxiliar direto, que foi alvo da mesma decisão, que se encontrava em Mambucaba, retorne para sua casa em Brasília, atendendo a ordem de não manter contato com os demais investigados", escreveu.

 Além da ordem de restrição, o ex-assessor teve seu celular apreendido por determinação da PF, na segunda vez neste ano que Arnaud foi alvo de medidas da instituição – ambas na presença do ex-presidente.

Em 29 de janeiro, ele teve um tablet e um notebook apreendidos durante a segunda fase da operação Vigilância Aproximada, cujo objetivo era investigar a instalação de uma estrutura paralela na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) por uma organização criminosa liderada pela família Bolsonaro.

Moraes decretou "a busca e apreensão de armas, munições, computadores, tablets, celulares e outros dispositivos eletrônicos, bem como de quaisquer outros materiais relacionados aos fatos aqui descritos, nos endereços fornecidos pela Polícia Federal", em poder de uma série de procurados, inclusive de Tercio Arnaud.

O auxiliar de Bolsonaro também foi proibido de manter contato com os demais investigados através de advogados e de se ausentar do país, com a exigência da entrega de passaportes no prazo de 24 horas.

O papel de Arnaud

Segundo a petição (nº 12.100/DF), Tércio Arnaud Tomaz é integrante do núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral, operacionalizado para desacreditar o processo eleitoral, planejar e executar o golpe de Estado e abolir o Estado Democrático de Direito.

O documento detalha a forma de atuação do grupo e menciona o ex-assessor: "Tércio Arnaud Tomaz, teria atuado, prioritariamente, na produção, divulgação e amplificação de notícias falsas e de 'estudos' quanto à falta de lisura das eleições presidenciais de 2022, bem como sobre supostos registros de votos após o horário oficial, inconsistências no código-fonte, com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis e de instalações das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para a execução de um golpe de Estado".

Arnaud é mencionado na investigação por ter encaminhado ao tenente-coronel e ajudante de ordens Mauro Cid um link do Google Drive, no qual foram armazenados os arquivos da gravação da transmissão de uma live presidencial e de uma versão editada do vídeo. Os cortes eram realizados "para facilitar a disseminação dessas notícias fraudulentas e amplificar a ilícita desinformação".

Em 29 de julho de 2021, Bolsonaro e o então ministro da Justiça, Anderson Torres, tiveram a oportunidade de "para disseminação de desinformação, com a prática de notícias fraudulentas sobre inexistentes indícios de ocorrência de fraudes e manipulação de votos nas eleições e vulnerabilidades do sistema eleitoral brasileiro", diz o documento.

Vínculo de Arnaud com Bolsonaro

O ex-assessor especial da presidência no mandato de Jair Bolsonaro aparece como figura envolvida no "gabinete do ódio", uma organização de milícias digitais na disseminação de discursos de ódio ou informações falsas, com atuação na campanha eleitoral de 2018 e composta, sobretudo, pelo núcleo da família Bolsonaro.

De acordo com o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Fake News, Arnaud era um dos servidores comissionados que atuavam no Palácio do Planalto, com atividades de formulação e distribuição de notícias falsas, junto dos assessores Filipe Martins, Felipe Mateus, Mateus Diniz e José Matheus.

Em 2021, Bolsonaro comentou sobre sua campanha nas redes sociais: "O meu marqueteiro é um simples vereador, Carlos Bolsonaro, lá do Rio de Janeiro. É o Tercio Arnaud, aqui que trabalha comigo [...] são pessoas, são perseguidas o tempo todo, como se tivessem inventado um gabinete do ódio. Não tem do que nos acusar. É o gabinete da liberdade, da seriedade".

"A ligação do Carlos com o Filipe e os três ali, os dois Matheus e o Tércio, é uma ligação que todo mundo sabia dentro do Palácio que existia, é uma coisa que não é uma novidade, todo mundo sabia que existia", informou a ex-deputada Joice Hasselmann, em depoimento à comissão em dezembro de 2019.

O ex-assessor era dono de contas em redes sociais que foram suspensas por conterem conteúdo negacionista. O paraibano foi descoberto pelo vereador do Rio de Janeiro (RJ), Carlos Bolsonaro (Republicanos) – o filho 02 –, entre 2013 e 2014, por ser criador da página "Bolsonaro Opressor" no Facebook.

Com mais de 1 milhão de seguidores, a página publicava "memes" atacando adversários políticos do então deputado Jair Bolsonaro. Após o período eleitoral, o operador utilizou o perfil para fazer críticas à então vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada por integrantes de milícias cariocas.

Tércio não tinha experiência prévia em política. O ex-assessor tem formação em Biomedicina e, antes de conhecer a família Bolsonaro, trabalhava como recepcionista de hotel. Em 2017, passou a integrar o gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro, onde recebia salário mensal de R$ 2,1 mil, entre abril e dezembro daquele ano.

Em dezembro de 2017, foi deslocado para o gabinete de Carlos Bolsonaro na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, com salário de R$ 3,6 mil.

Com a vitória de Bolsonaro, ele foi nomeado assessor especial do Presidente da República, cargo de confiança em que permaneceu até 30 de dezembro de 2022, com remuneração mensal de R$ 13,6 mil. 

"Uma vez eleito o presidente Jair Bolsonaro, muitos desses canais integrantes do Gabinete do Ódio passaram a atacar as instituições brasileiras, especialmente o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e alguns dos seus membros", diz o relatório.

O conteúdo de seus perfis continha desinformação, incluindo falsas informações sobre a pandemia de Covid-19. Segundo apurações do Facebook, em parceria com o Digital Forensic Research Lab (DFRLab), Arnaud acessou 1.045 vezes esses canais durante o horário de expediente em computadores de órgãos públicos – inclusive mais de 50 vezes a partir do IP (protocolo de rede) do Palácio do Planalto.

"Há informações de que Tércio foi contratado pelo partido do ex-presidente para fazer o seu assessoramento direto, certamente por ser um homem da mais irrestrita confiança de Bolsonaro", indica o relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas.

Mesmo como desempregado e sem vínculos com o governo federal, Tércio Arnaud recebeu 20 transferências bancárias no valor de R$ 2.219,79, entre fevereiro e agosto de 2023, do ex-ajudante de ordens Osmar Crivelatti.

A CPMI dos Atos Golpistas, sob relatoria da deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA), concluiu que Arnaud deve ser responsabilizado por incitação ao crime (artigo 286 do Código Penal), por ter "reiteradas vezes e mesmo antes do início do governo de Jair Bolsonaro, incitado publicamente a prática de crimes e a animosidade das Forças Armadas contra os poderes constitucionais e as instituições civis de Estado".