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Bolsonaro é preso: quão próximos estamos de ler esta manchete?

Juristas e advogados ouvidos pela Fórum avaliam impactos da megaoperação da PF que atinge em cheio o ex-presidente, militares e aliados golpistas

Prisão de Bolsonaro em debate após operação da PF.Créditos: Gabriela Biló/Folhapress
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A megaoperação da Polícia Federal (PF) deflagrada nesta quinta-feira (8), a Tempus Veritatis, que mirou Jair Bolsonaro, ex-assessores e militares próximos ao ex-presidente, inclusive com prisões de três dos investigados, reacendeu no debate público uma pergunta que há muito vem sendo feita: 

Bolsonaro vai ser preso? Em caso afirmativo, quando? 

No despacho em que autorizou a operação, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), destacou trechos do relatório da PF sobre a investigação e, no documento, há fartas evidências e até mesmo provas materiais de que Jair Bolsonaro, de fato, articulou uma tentativa de golpe de Estado que, felizmente, não obteve êxito. 

No relatório consta, por exemplo, que Bolsonaro pediu e aprovou alterações em uma minuta de decreto que buscava implementar o golpe. A “minuta do golpe” previa a prisão de autoridades, como os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco, intervenção das Forças Armadas no Judiciário e, finalmente, a convocação de novas eleições, cujo objetivo era manter o ex-presidente no poder mesmo após a vitória eleitoral do presidente Lula em outubro de 2022. 

Trecho da manifestação da PF sobre as investigações diz: 

“Após a apresentação da nova minuta modificada, JAIR BOLSONARO teria concordado com os termos ajustados e convocado uma reunião com os Comandantes das Forças Militares para apresentar a minuta e pressioná-los a aderirem ao golpe de Estado”.

A reunião citada pela PF foi gravada em vídeo, apreendido na casa do ex-ajudante de Ordens da Presidência, Mauro Cid, e o material tornou-se uma peça-chave na investigação. Na gravação, Bolsonaro e ministros discutem estratégias para disseminar fake news sobre as urnas eletrônicas antes mesmo das eleições de 2022, prevendo uma possível derrota.

No encontro, realizado em 5 de julho, Bolsonaro, segundo a PF, pressionou seus ministros a disseminarem desinformação, mencionando a "PEC da Bondade" como forma de ganhar votos. Ele também instruiu ataques contra Lula, sugerindo falsas acusações de envolvimento com o narcotráfico e alegada manipulação de pesquisas eleitorais. 

O ápice foi a ameaça do ex-presidente de usar força militar em caso de derrota nas urnas, direcionada ao então ministro da Defesa. A PF afirma que o objetivo da reunião era coagir os presentes a aderirem à desinformação para minar a estabilidade democrática. 

Para compreender quais as chances de Bolsonaro, apresentados todos esses fatos, ser alvo de uma ordem de prisão, Fórum ouviu advogados e juristas renomados. A maior parte deles aponta que uma eventual condenação do ex-presidente é cada vez mais iminente e explica quais fatores poderiam ensejar seu encarceramento neste momento. 

O que dizem os juristas 

Amanda Cunha, especialista em Ciências Penais e Direito Eleitoral; coordenadora da  Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep)

"Considerando as operações da Polícia Federal no dia de hoje, com alvos sobre ex-ministros do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e demais pessoas de sua confiança, o risco de sua prisão torna-se cada vez mais concreto. As operações são um desdobramento das investigações sobre os atos que ocorreram na capital federal em 08/01 e a minuta de golpe de Estado encontrada na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres.

Dentre os principais indícios de participação de Bolsonaro e da cúpula de seu governo está a gravação de uma reunião em que supostamente o ex-presidente e seus ministros articulavam uma tentativa de golpe contra o resultado das eleições de 2022. Esta gravação teria sido encontrada na casa do tenente-coronel Mauro Cid, seu ajudante de ordens, também alvo das investigações e que já realizou delação premiada com a Polícia Federal.  

Caso seja comprovada a intenção de dar um golpe de Estado, impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais, destacadamente o Legislativo e o Judiciário, o ex-presidente e demais envolvidos pode, sim, responder por um ou mais crimes, tendo em vista que o Código Penal pune nestes casos desde a tentativa. Ou seja, não precisa que os atos cheguem a ser cometidos ou um golpe de Estado seja efetivamente concretizado, bastando inclusive somente a ameaça de fazê-lo. 

Além disso, comprovado o conluio de 4 ou mais pessoas com esse objetivo, podem também responder pelo crime de organização criminosa. As penas dos crimes variam isoladamente entre 4 a 12 anos e, somadas, podem chegar a ainda mais anos de prisão". 

Pedro Serrano, advogado, jurista e professor de Direito Constitucional e Teoria Geral do Direito na PUC-SP 

"Vi na imprensa que há até mesmo filmagens de reuniões discutindo sobre o golpe, entre outras coisas. Se isso for verdade, a defesa terá dificuldades em evitar a condenação dos participantes dessas reuniões. No entanto, eu acho que a prisão preventiva no Brasil é banalizada. Quarenta por cento da nossa população carcerária está detida preventivamente, ou seja, sem ter tido ainda direito de defesa, constituição da culpa, entre outros procedimentos. Isso é muito preocupante, não é? Não é porque 40% da população carcerária está detida preventivamente que justifica estender essa injustiça ao ex-presidente da República. Precisamos universalizar os direitos, não universalizar as injustiças no Brasil.

Então, eu acho que só seria justificável a prisão preventiva de Bolsonaro se for demonstrado, na minha opinião, que de alguma forma ele está prejudicando o bom andamento das investigações e do processo penal. Se isso for comprovado, seria legítimo prendê-lo preventivamente. Caso contrário, não seria uma prisão legítima, em minha opinião. Não vou afirmar se haverá ou não prisão, isso é... Pode ocorrer uma prisão abusiva, podem surgir diversas situações imprevisíveis. E também pode ser que uma prisão dele seja correta, não sei.

Estou te dizendo o que posso prever com base no exercício da minha profissão, ou seja, qual a legislação aplicável. Na minha opinião, só seria legítima uma prisão dele se fosse feita para preservar o processo e as investigações. Por outro motivo, acredito que a prisão cautelar ou preventiva não seria legítima. Agora, se esse conjunto de provas que estão mencionando realmente existir, ele muito provavelmente será condenado e com penas graves. Mas vamos aguardar, vamos acompanhar para verificar exatamente o que está ocorrendo". 

Fernando Augusto Fernandes, advogado criminalista, especialista em Direito Penal e cientista político

"Ao serem aplicadas medidas restritivas, como a impossibilidade de deixar o país e de se comunicar com outros investigados, o ministro Alexandre de Moraes entendeu que estavam presentes os pressupostos para a prisão preventiva, pois essas medidas são substitutivas à prisão. O STF considerou essas medidas necessárias no momento. No entanto, se forem descumpridas ou se Bolsonaro persistir nos ataques ao STF e continuar cometendo delitos, como em sua recente live atacando as eleições, o ministro pode determinar sua prisão"

Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado criminalista e jurista

"Desde o início desta operação, tenho afirmado que o curso dos acontecimentos tem seguido exatamente como era previsto. Primeiro, houve a prisão de várias pessoas envolvidas no planejamento do ato, que buscavam a ocupação militar para, em seguida, promover uma GLO e concretizar o golpe.

A progressão da operação tem mostrado os desdobramentos esperados. Os financiadores foram identificados aproximadamente duas semanas atrás, seguidos pelos militares e políticos, e agora, inevitavelmente, os beneficiários, incluindo Bolsonaro, sua família e seus colaboradores mais próximos, estão sob escrutínio.

Considero a decisão de hoje extremamente importante, pois atingiu 16 militares de alta patente, incluindo alguns generais. Tudo isso sugere que estamos nos aproximando do desfecho dessa operação, com o devido processo e, espero, denúncias semelhantes àquelas feitas contra os responsáveis por atacar o Supremo e o Congresso.

Acredito que a próxima fase da operação provavelmente focará no grupo político. Ainda não sei se Bolsonaro estará diretamente envolvido nesse grupo político ou se será considerado separadamente como um dos maiores beneficiários".