O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a abertura de investigação sobre a relação "duvidosa" da Organização Não Governamental (ONG) Transparência Internacional com procuradores da Lava Jato na criação de uma fundação para gerir recursos pagos por empresas em multas por empresas investigadas pela força-tarefa em Brasília.
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Na decisão, Toffoli pede que o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) participem da investigação sobre a ONG, que tem um longo histórico de conluios com a Lava Jato.
A exemplo do que aconteceu em Curitiba, quando procuradores da Lava Jato tentaram criar uma organização não governamental (ONG) para ficar com R$ 2,5 bilhões de um acordo da Petrobras nos EUA, os membros da força-tarefa em Brasília fizeram uma manobra semelhante para ficar com R$ 270 milhões do acordo de leniência da J&F, holding da gigante de alimentos JBS.
Segundo informações obtidas pelo site Consultor Jurídico, a manobra contou com a ajuda da ONG Transparência Internacional, que chegou a receber os R$ 270 milhões, em uma manobra do conselheiro da organização e assessor informal da Lava Jato, Joaquim Falcão.
Os planos, no entanto, foram frustrados pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que detectou a manobra e bloqueou o repasse de recursos.
Aras teria comunicado a subprocuradora-geral da República Maria Iraneide Olinda Santoro Facchini, coordenadora da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, informando-a de que a destinação correta do dinheiro seria o Fundo de Direitos Difusos ou revertidos em favor da União.
No comunicado, Aras lembra a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu a criação da ONG pela Lava Jato em Curitiba - que ficou conhecida como "Fundação Dallagnol".
Os planos dos procuradores da Lava Jato em Brasília foram semelhantes, usando a Transparência Internacional para promover uma "campanha educativa" de "controle social da corrupção". Dos R$ 10,3 bilhões do acordo, a força-tarefa queria destinar R$ 2,3 bi para a ação publicitária.
Bruno Brandão e Dallagnol
O aval de Dias Toffoli para a investigação atende a petição do deputado federal Rui Falcão (PT-SP), que entrou com a ação por meio dos advogados Marco Aurélio de Carvalho e Fernando Hideo Lacerda, do grupo Prerrogativas.
"Embora a legalidade dessa forma de cooperação, por si só, possa e deva ser questionada, há fortes indícios de que a TI poderia ter atuado na administração e aplicação de recursos bilionários oriundos de acordos de leniência, sem que se submetesse aos órgãos de fiscalização e controle do Estado", diz a petição.
O documento menciona uma reportagem da Agência Pública, baseada nas conversas entregues ao site The Intercept, que revela mensagens trocadas entre Deltan Dallagnol, procurador-chefe da Lava Jato em Curitiba, e o diretor-executivo da ONG, Bruno Brandão.
Nas conversas, Dallagnol e Bruno Brandão combinavam artigos em que a ONG fazia a defesa pública da Lava Jato. O procurador recorria a ele quando a imagem da operação estava em perigo ou quando queria promovê-la.
Na ação, Rui Falcão destaca ainda uma série de documentos que mostram a ligação íntima entre Brandão e membros do MPF.
Entre os documentos está uma troca de e-mails entre José Ugaz, então presidente da TI, e o ex-PGR Rodrigo Janot. Na troca de conversas são formulados pleitos específicos sobre a destinação dos recursos obtidos justamente no acordo de leniência celebrado com a J&F Investimentos S.A.
"O presidente da TI registra que a entidade caso venha a ter papel ativo no desenho e monitoramento dos processos, a TI se absterá de pleitear tais recursos durante todo o período em que possa ter influência decisória (Doc. 05), deixando clara a intenção dessa organização internacional de gestão dos recursos nacionais bilionários oriundos de acordos de leniência", diz trecho da ação.
Segundo Falcão, só o fato do MPF incluir uma organização internacional nas tratativas da destinação dos recursos oriundos de acordos de leniência já demonstra "clara afronta à Constituição Federal e à própria soberania nacional".
Piadas
Diálogos obtidos pela Operação Spoofing, da Polícia Federal, mostra que Dallagnol fez piadas com o seu famoso Power Point, criado em setembro de 2016 para colocar Lula como figura central de um esquema investigado pela Lava Jato, em conversa com Bruno Brandão, da Transparência Internacional no Brasil.
No novo lote de diálogos, revelado pelo site Consultor Jurídico, Dallagnol faz troça de sua "habilidade com marketing" ao consultar Brandão sobre uma campanha anticorrupção que estava sendo criada em parceria com a ONG.
Brandão elogia o texto e a habilidade com marketing de Dallagnol que, vaidoso, solta a piada.
"Como procurador estou dando pro gasto como comunicador rsrs… deixa que eu vou fazer um gráfico de bolinhas concêntricas com as 12 propostas e vai bombar na net", disse, em 20 de fevereiro de 2019, mais de dois anos após a famigerada primeira apresentação para tentar incriminar Lula.
"Depois Vc vai poder dizer que a TI é tão importante no BR que o coordenador da maior ação anticorrupção do mundo é seu assessor", gabou-se o ex-procurador.
Os diálogos divulgados nesta segunda-feira (2) mostram que Dallagnol e Brandão trocavam impressões sobre textos e combinavam ações públicas alinhadas aos interesses da Lava Jato.
"Vamos soltar uma nota, daqui a pouco lhe mostro. Ainda tenho que pegar a autorização com Berlim, mas veja o que acha, pf", disse Brandão a Dallagnol sobre texto da Transparência Internaconal, que seria enviado para aprovação da matriz da ONG, na Alemanha.
"Contribuir para a apuração dos fatos' parece que quer contribuir com a apuração de atividade ilícita rsrsrs. da pra mudar um pouco essa parte? talvez 'a Transparência Internacional é testemunha da intenção manifestada pelo Procurador Dallagnol de destinar os valores recebidos em palestras e em vendas de seu livro para o combate à corrupção'", opinou o ex-procurador.
Em 14 de fevereiro de 2018, foi a vez de Dallagnol enviar artigo para Brandão opinar. "Bruno veja se tem alguma sugestão diferente. Adapte como ficar melhor. A Andrea, que já foi da nossa ASSCOM e foi para outro órgão (MPT), preparou os posts pra mim (pago ela por mês para posts em geral)", escreveu, recebendo um "tudo certo", do amigo.
Diálogos já divulgados pelo Conjur mostram que em 2017 Dallagnol pediu a Bruno para o Allard Prize, prêmio promovido pela University of British Columbia, no Canadá, caso a indicação da força-tarefa saísse vencedora - o que não aconteceu.
"Podemos tentar fazer esta transferência sim, dos recursos, pro fundo que queremos abrir no Brasil", respondeu prontamente Brandão.
"Tínhamos pensado em fazer algo para ganhar créditos pra FT. Se o dinheiro fica no Canadá, não ganhamos créditos. Não dá ibope", respondeu o ex-procurador.
A Lava Jato, no entanto, não ganhou o prêmio de 100 mil dólares, que acabou ficando com a jornalista do Azerbaijão Khadija Ismayilova.