Engavetada em maio deste ano devido à péssima repercussão pública, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022, conhecida como PEC da Privatização das Praias, foi ressuscitada pela extrema direita e está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado para ser votada nesta quarta-feira (4).
Aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados em 2022, a PEC, que tem como relator o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), propõe novas diretrizes para a propriedade e gestão dos terrenos de Marinha, possibilitando a venda das áreas que dão acesso às faixas de areia para entes privados. Em resumo, a medida facilitaria a privatização das praias.
O governo Lula já manifestou oposição ao projeto. "O governo é contrário a qualquer programa de privatização das praias públicas, que cerceiam o povo brasileiro de poder frequentar essas praias. Do jeito que está a proposta, o governo é contrário a ela", afirmou o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em junho.
Otto Alencar (PSD-BA), líder do governo no Senado, reforçou o posicionamento contrário e revelou que não foi informado pelo presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), sobre o retorno da PEC à pauta. "Vou conversar com ele [Alcolumbre]. A princípio, não tem acordo. A posição do governo é contra a aprovação", declarou.
Integrante da CCJ, o senador Humberto Costa (PT-PE) revelou qual será a estratégia dos parlamentares que compõem a base do governo para barrar a proposta: pedirão vistas para adiar a votação e, se obtiverem êxito, tentarão o arquivamento da PEC.
"Nós vamos pedir vistas e vamos votar contra no momento que esse debate volte à CCJ. Acredito que teremos sucesso em ter essa vista, analisar eventuais emendas que venham a ser apresentadas. Acho que podemos acumular forças para derrotar essa proposta na primeira reunião que a CCJ venha a pautar", declarou o petista em entrevista na noite desta terça-feira (3).
PGR é contra PEC: "Deve gerar graves impactos"
A Procuradoria-Geral da República (PGR), por meio da 4ª Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, se posicionou contra a PEC. Em nota divulgada na noite desta terça-feira (3), o órgão destacou que a proposta, diferentemente do que afirmam seus defensores, poderá abrir caminho para a privatização das praias e causar "grandes impactos" ao meio ambiente.
De acordo com o comunicado, a legislação vigente determina que a utilização desses terrenos deve seguir "parâmetros de proteção ambiental", permitindo à União reassumir sua titularidade "quando o uso pretendido importar em potenciais danos ao meio ambiente". A nota ainda alerta que "Estados e Municípios (estão) sujeitos a intensa pressão para acolher empreendimentos que promovem desenvolvimento econômico sem a necessária sustentabilidade ambiental".
"A PEC pretende alterar um sistema existente há mais de cem anos, sedimentado na CF/1988, para beneficiar todas as classes sociais da população brasileira, com o intuito de criar um regime excludente e privilegiado para poucas pessoas. Como os terrenos poderiam ser transferidos para proprietários particulares", afirmou a PGR.
Segundo os procuradores, a medida "viola invariavelmente direitos e garantias individuais de grande parte da população brasileira".
Entenda a PEC da privatização das praias
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado vai votar nesta quarta (4) a PEC 3/2022, a chamada PEC da privatização das praias, que prevê a transferência da propriedade das terras litorâneas do Brasil da União para estados, municípios e donos privados. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) é o relator do projeto, e trabalha contra resistências à PEC para levar adiante a emenda constitucional que elimina o domínio exclusivo da União sobre as praias.
Em vídeos publicados nesta segunda (2) e nesta terça-feira (3), Flávio mudou o discurso e criou uma narrativa surreal em torno da PEC, dizendo que a proposta é “exclusiva para a preservação de praias” e promove mais “acesso”, além de alegar que “há uma insegurança jurídica para aqueles que "adquiriram" o terreno e que “vai aumentar a arrecadação de impostos”.
Um levantamento do portal UOL em junho mostrou que a aprovação da PEC poderia beneficiar diretamente pelo menos 295 políticos, incluindo vereadores, deputados e senadores que possuem imóveis em terrenos de marinha e deixariam de pagar as taxas atualmente exigidas.
Caso seja aprovada na CCJ, a proposta ainda precisará passar por votação em dois turnos no plenário do Senado. Para avançar, o texto deve ser pautado pela Presidência da Casa e obter o apoio de 3/5 dos senadores (49 dos 81). Caso sejam feitas alterações substanciais, a PEC retorna à Câmara para análise; caso contrário, segue para promulgação.
Aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados em 2022, a PEC propõe novas diretrizes para a propriedade e gestão dos terrenos de Marinha, possibilitando a venda das áreas que dão acesso às faixas de areia para entes privados. Em resumo, a medida facilitaria a privatização das praias.
Em resposta às críticas à PEC, Flávio Bolsonaro incluiu, em seu último parecer, a ressalva de que as praias são "bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido".
Apesar disso, a proposta mantém a possibilidade de que terrenos da Marinha sejam vendidos a pessoas ou empresas que já ocupem as áreas. Na prática, isso significaria que as áreas que dão acesso às faixas de areia poderiam deixar de ser compartilhadas com o governo, ficando restritas ao uso do novo proprietário, como um hotel ou resort. Assim, apenas pessoas autorizadas pelo dono poderiam usufruir do espaço.
Ainda que a praia permaneça pública, o acesso a elas ficaria sob o controle de um dono, o que abre brecha para a restrição da entrada das pessoas. Além disso, especialistas apontam que a proposta deve atrair a construção de megaemprendimentos próximos às faixas de areia, como hotéis e resorts, o que compromete o ecossistema local e pode trazer impactos para as comunidades locais.