Contratado por Jair Bolsonaro (PL) em setembro de 2022 para subsidiar os ataques às urnas eletrônicas, Walter Delgatti Neto, que ficou conhecido com hacker de Araraquara, se reuniu com o general "kid preto" Mario Fernandes em novembro do mesmo ano e prometeu desenvolver um "código malicioso" para subsidiar o Ministério da Defesa na tentativa de desacreditar o processo eleitoral.
Delgatti é classificado como "garoto" em conversa de Fernandes com o coronel Marcelo Câmara, então assessor de Bolsonaro. Os dois militares foram indiciados pela Polícia Federal (PF) na organização criminosa (OrCrim) golpista de Jair Bolsonaro (PL). O general foi preso na terça-feira (19) como membro da facção que planejou o assassinato de Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes.
“Força Caveira, meu amigo, olha só, te respondendo, tá? Nós fomos com o Vergara, fizemos aquela entrevista com o garoto, tá?", diz Fernandes. "Garoto" é Delgatti e "Vergara" é o general Rodrigo Pereira Vergara, então chefe da Comunicação do Ministério da Defesa.
Em seguida, Fernandes afirma que no encontro mandou Delgatti desenvolver um "código malicioso" - que ele já teria feito a pedido do PL - que seria usado pelos "técnicos" do Ministério da Defesa para encontrar possíveis falhas nas urnas eletrônicas.
"Eu forcei a barra e aí nós pedimos pro garoto, e ele prometeu fazer até o final dessa semana um protótipo do código que ele teria feito lá atrás, quando ele foi demandado pelos representantes dos partidos políticos, né? Que diz ele que ele colocou na nuvem quando os caras baixaram o código dele, certo? O código malicioso, ele teria deletado. Ele disse que até o final da semana ia preparar um, pra que o MD, com o seu pessoal técnico, pudesse preparar um bot, ou seja, uma ferramenta de busca", diz.
"O garoto tá à disposição. Eu botei o Velame fazendo o monitoramento, o controle dele, mas ele tá à disposição e prometeu até o final da semana preparar isso aí", emenda Fernandes, referindo-se que o hacker ficou sob a tutela de seu chefe de gabinete, o coronel "kid preto" Reginaldo Vieira de Abreu, o "Velame".
A conversa do general confirma o que Delgatti havia revelado em 2023, que participou de várias reuniões no Ministério da Defesa para municiar militares sobre supostas falhas no sistema de votação das urnas eletrônicas e nas interpelações que seriam feitas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido por Moraes.
Delgatti teria o papel de colocar um verniz "técnico" nas teorias conspiratórias de Bolsonaro para dar suporte tanto aos militares, quanto ao PL, que entregou um relatório ao TSE pedindo a invalidação de votos somente do segundo turno, alegando irregularidades em 60% das urnas eletrônicas.
Ministério da Defesa
No mesmo dia em que Fernandes falou ao assessor de Bolsonaro sobre a conversa com Delgatti e Vergara, em 10 de novembro, o Ministério da Defesa, comandado pelo general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, divulgou uma nota técnica afirmando que o relatório, que havia sido entregue no dia anterior ao TSE não excluía a possibilidade de fraude ou inconsistências nas urnas eletrônicas.
"Os testes de funcionalidade das urnas (Teste de Integridade e Projeto-Piloto com Biometria), da forma como foram realizados, não foram suficientes para afastar a possibilidade da influência de um eventual código malicioso capaz de alterar o funcionamento do sistema de votação", diz o texto, repetindo o mesmo termo falado por Fernandes na conversa com Câmara.
"Por isso, o Ministério da Defesa solicitou ao TSE, com urgência, a realização de uma investigação técnica sobre o ocorrido na compilação do código-fonte e de uma análise minuciosa dos códigos que efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas, criando-se, para esses fins, uma comissão específica de técnicos renomados da sociedade e de técnicos representantes das entidades fiscalizadoras", segue a nota da Defesa, subsidiando o discurso de fraude nas urnas eletrônicas propagados pelos golpistas - leia a íntegra.
Saúde de Bolsonaro e Braga Netto na Defesa
Na mesma conversa com Câmara, Fernandes, que atuava como ministro-adjunto a Secretaria-Geral a Presidência confessa que mandou mensagem ao então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, sinalizando uma pressão para adesão ao golpe.
"E olha só, eu aproveitei e te mandei aí acima uma mensagem que eu elaborei e mandei pro comandante do exército. Cara, eu tô aloprando por aqui. E eu queria que tu reforçasse também, pô, eu falei com o Cordeiro ontem, falei com o presidente", disse Fernandes ao "Caveira", codinome de Marcelo Câmara.
Em seguida, o general afirma que propôs a Bolsonaro que colocasse Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa derrotada, de volta ao Ministério da Defesa, para exercer ainda mais pressão sobre a cúpula das Forças Armadas.
"Porra, cara, eu tava pensando aqui, sugeri o presidente até, porra, ele pensar em mudar de novo o MD, porra. Bota de novo o General Braga Neto lá. General Braga Neto tá indignado, porra, ele vai ter um apoio mais efetivo. Reestrutura de novo, porra. Ah, não, porra, aí vão alegar que eu tô mudando isso pra dar um golpe. Porra, negão. Qualquer solução, Caveira, tu sabe que ela não vai acontecer sem quebrar ovos, né, sem quebrar cristais. Então, meu amigo, parti pra cima, apoio popular é o que não falta", emendou.
Ao concluir a conversa, Fernandes ainda diz que está "preocupado com a saúde" e o abatimento de Bolsonaro.
"Ontem eu fiquei preocupado com a saúde do presidente, cara. Porra, ele (ininteligível) escrota, ele tossindo, porra, ele tem que se cuidar, cara. E levantar a cabeça, porra. Partir pra cima. Ainda que seja caindo, porra, ele vai cair de pé, porra, altivo como sempre esteve", disse.