O LADO DA FOLHA

Folha tenta livrar Bolsonaro e entrevista bolsonaristas; eles negam crimes

Em defesa do ex-presidente, a Folha usa o jornalismo declaratório e entrevista filhos de Bolsonaro, que negam um crime quando a acusação é de outro

Braga Netto e Bolsonaro.O general Braga Netto e o ex-presidente Bolsonaro lado a ladoCréditos: Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
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Após a Polícia Federal ter executado a Operação Contragolpe na manhã de hoje, quando foram presos cinco criminosos golpistas que planejavam um golpe de Estado em que as mortes de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes eram parte integrante e fundamental do crime, a Folha sentiu que precisava dar voz ao "outro lado" e partiu para entrevistar bolsonaristas.

Com seu jornalismo declaratório, como o utilizado na série de reportagens com Jair Bolsonaro, inclusive com a abertura de sua página de opinião para o ex-presidente acusado de inúmeros crimes, a Folha abriu espaço para dois filhos do ex-presidente, um senador e uma deputada bolsonaristas, sem contestá-los.

Dois filhos de Bolsonaro, o deputado Eduardo e o senador Flávio, vieram com o mesmo argumento, de que no Brasil não há crime de planejamento de assassinato.
 

"Se eu falar o seguinte: 'eu vou ali que eu vou acabar com fulaninho de tal'. Isso é crime? Só existe a tentativa de um crime quando se inicia a execução", disse Eduardo Bolsonaro. "Se porventura foi cogitado, cogitação não faz parte do crime."

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente, foi na mesma linha. Disse que "não há crime" no que foi apontado pela PF e que "todo mundo alguma vez na vida já teve" vontade de matar alguém.

A Folha ouviu também o senador Jorge Seif (PL-SC), ex-secretário da Pesca de Bolsonaro, que ironizou o plano. E a deputada Julia Zanatta, do mesmo partido e estado do senador, que defendeu que enquanto não houver anistia para os criminosos da tentativa de golpe de Estado de 8/1 o país não terá paz.

 

É ou não crime?

O jornalismo declaratório da Folha ouviu a palavra dos bolsonaristas e ficou com ela, sem contestá-la. Afinal, houve ou não crime?

Por mais que possa parecer estranho, de fato a simples tentativa de matar alguém não é enquadrado na legislação brasileira como crime. Mas, ou por falta de informação ou por má fé, Flávio Bolsonaro esqueceu de informar que os militares kids pretos não foram presos por “pensar em matar alguém”, mas sim por tentativa de golpe de Estado. A Folha também não apontou isso na matéria que fez com os bolsonaristas.

O professor de Direito Constitucionalista Pedro Serrano lembra que “neste caso, o crime é tentativa de golpe. O tipo penal não é dar um golpe”, adverte. “Não existe crime em dar um golpe porque uma vez que se dá um golpe você funda uma nova ordem jurídica e, obviamente, os novos governantes não vão considerar o que eles fizeram um crime”, explica.
 

“O que ele tá fazendo é confundir a mera cogitação com a tentativa da tentativa. Você inicia uma tentativa de golpe quando você se reúne, começa a fazer o planejamento. E isso não é só no Brasil. A Alemanha prendeu 20 pessoas no ano passado, inclusive um empresário ligado ao bolsonarismo, pelo simples fato de fazerem reunião planejando dar um golpe”, recorda o jurista.

“Neste caso”, prossegue Serrano, “eu não tenho dúvidas que eles começaram com a execução da tentativa. Eles seguiram um ministro de Estado, acompanharam a vida do Lula, do Alckmin e do Alexandre de Moraes, autoridades que, segundo o planejamento deles, seriam mortas. Isso, evidentemente, é iniciar a execução de uma tentativa de golpe, além da conspiração”, encerrou.


Os próximos a serem presos devem ser o general Braga Netto, na casa de quem teria começado a articulação do golpe, e o principal beneficiário dele, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que, aliás, quase foi preso por seu comandante do Exército na época, caso continuasse a incitar as Três Forças a acompanhá-lo no golpe de Estado, segundo depoimento do comandante da Aeronáutica à PF.

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