A presidenta do PT Gleisi Hoffmann concedeu uma entrevista exclusiva no programa Fórum Onze e Meia exibido ao vivo de segunda a sexta, às 11h, na TV Fórum. Gleisi criticou a pressão do mercado por um ajuste fiscal em cima do povo brasileiro. A deputada federal é uma das vozes mais críticas à atuação do Banco Central, que mantém os juros brasileiros um dos mais altos do mundo. Gleisi também falou sobre o partido. “O PT é um partido de esquerda, tem história, tem programas, tem princípios, e é importante termos clareza disso”, disse. Confira a seguir os principais trechos da entrevista a Renato Rovai e Cynara Menezes e assista à íntegra ao final do texto.
“Temos controle fiscal”
O governo do presidente Lula pegou o país numa situação muito crítica, muito de desconstrução das políticas públicas, das finanças públicas. Eu não sei se vocês lembram, mas lá no início do governo diziam que o PIB não iria subir, iria subir só 0,8%, que a gente ia ter uma inflação absurda, que as coisas iam se descontrolar.
Aliás, lá antes do presidente assumir, já diziam que ia ser uma tragédia na economia. E não foi o que nós vimos, muito pelo contrário. Nós tivemos o PIB subindo a 2,9% ano passado, e este ano deve subir mais de 3%. A inflação ficou controlada, estamos vencendo o desemprego, a renda da população aumentou, tudo contra aquilo que o mercado dizia que ia acontecer.
Mas o mercado insiste que tem que colocar um ajuste fiscal sem precedentes em cima do povo brasileiro. Ora, cortar a aposentadoria, reduzir o aumento do salário mínimo, desvincular de benefícios e de aposentadorias é uma coisa absurda.
Por que isso? Nós não estamos no descontrole fiscal, muito pelo contrário. Temos controle fiscal, estamos recuperando os programas, e, em relação ao fiscal, temos uma relação com o PIB extremamente controlada.
“Juros altos são o problema”
Qual é o problema que impacta as finanças públicas? Os juros. A cada ponto percentual de juros que sobe neste país, temos um impacto de cerca de 50 bilhões de reais nas contas públicas. E esse aumento dos juros está trazendo uma conta estratosférica, já são 700 bilhões ao ano; esse é o grande problema fiscal.
E os juros estão subindo mediante um argumento do Banco Central de que a inflação está crescendo. Ora, a inflação está crescendo não por causas objetivas da demanda. Tivemos a situação climática ruim para o país, a subida do dólar, que foi especulação pelo próprio mercado, e, ainda assim, a inflação não está estourando.
Então, não justifica pedir um ajuste fiscal dessa monta em cima do povo brasileiro. E há uma pressão descomunal sobre o governo em relação a isso. Por isso fazemos este debate, para dizer: "Olha, mercado, tem um outro lado aqui; o presidente Lula foi eleito para reconstruir o Brasil e proporcionar políticas para melhoria de vida do povo brasileiro."
E isso passa, sim, por políticas que são financiadas pelo Estado. Tivemos agora essa melhora da economia exatamente por esse tipo de políticas. Foi o reajuste real do salário mínimo, foi a reestruturação do Bolsa Família, a renegociação da dívida das famílias, a desoneração da tabela do imposto de renda.
Tudo isso fez com que a economia brasileira melhorasse. Então, não podemos retroceder. É claro que o presidente Lula tem responsabilidade fiscal. Aliás, foi um dos presidentes que mais atestou isso nos seus mandatos. E continua tendo. Agora, não podem querer que o presidente Lula se suicide. Abra mão daquelas questões que são estruturais, programáticas e até de vida na sua defesa.
PT caminhou para o centro?
Saímos de um isolamento muito grande. Vocês lembram disso? Inclusive com os partidos de esquerda, com os partidos de centro-esquerda, que fizemos um movimento de articulação com esses partidos e também com o centro da política.
Recompusemos o campo da esquerda, fizemos oposição ao Bolsonaro, juntamos PSB, PDT, PSOL, PV, PCdoB, Rede e, depois, conversamos com setores do MDB, com setores do PSD. A própria eleição do presidente em 2022 teve essa organização de conversa com o centro da política.
Lembra que fizemos uma frente com mais de dez partidos e, depois, no segundo turno, ainda ampliamos mais essa frente. Não há problema nenhum em fazer essas alianças, e acho que elas devem continuar, até porque temos um governo de coalizão com partidos de centro e de centro-direita.
Não há problema. Na eleição agora municipal, também fizemos um movimento. O PT deixou de disputar várias eleições para apoiar candidatos de partidos do chamado centro e até da centro-direita para enfrentar a extrema direita. Isso não tem nada a ver com o partido mudar seu posicionamento histórico.
O PT é um partido de esquerda, tem história, tem programas, tem princípios, e é importante termos clareza disso. Então, o PT participa desse processo de aliança coordenado pelo presidente Lula, mas sem deixar os seus princípios e sua ação programática, até porque, nessa coalizão, também disputamos nossas posições, e isso é importante.
É a razão de vida do PT. Eu lembro de um discurso do presidente Lula, de novembro de 2019, que foi um discurso histórico, num encontro que fizemos, no qual ele fala sobre a razão do PT. Ele dizia assim: "Se fosse para governar apenas para metade da população, não teria razão para o PT existir."
Se fosse para o mercado definir a aposentadoria do povo brasileiro, não teria razão para o PT existir. Se fosse para concordarmos com essa absurda não distribuição de renda, essa concentração de renda, não teria razão para o PT existir.
Então, o PT existe para essas lutas, e isso não quer dizer que o PT não vá fazer alianças, que o PT não se alie ao centro para combater a extrema direita e para governar o país, mas nunca pode perder de vista as suas origens, sua ação programática e ter força sempre para influenciar, para que esse programa seja colocado em concretude.
“Polarização é um dado da realidade”
Não é o PT que está incentivando a polarização, nunca fez isso. O fato é que a polarização é um dado da realidade; não fomos nós que a trouxemos. A extrema direita teve um crescimento, não só no Brasil, mas no mundo.
Vamos ver o que está acontecendo nos Estados Unidos, o que aconteceu na Europa, o que acontece aqui perto de nós, na Argentina. Essa é uma realidade. Desde 2013, esses movimentos de direita, principalmente de extrema direita, têm se consolidado no Brasil. E os ataques são os mais ferrenhos possíveis.
Aliás, o Edinho vivenciou isso na eleição de Araraquara. Então, não é que nós queremos que aconteça a polarização; ela é um dado da realidade, e nós temos que fazer a disputa política. Porque, fora da disputa política, caberia o quê? A rendição?
Aí, nós concordaríamos, por exemplo, em anistiar aqueles que tentaram o golpe no 8 de janeiro, em anistiar Bolsonaro. Temos que entender um pouco o que é isso. Nós temos uma disputa política e temos que fazê-la, sempre colocando o nosso programa e as nossas propostas à frente disso.
Não é possível conviver com o ódio, com a violência política, com tudo o que nós passamos. Vamos lembrar que nós somos vítimas desde o golpe contra a Dilma, depois a Lava Jato, que foi a maior operação judicial política para destruir um partido, para acabar conosco, acabar com o Lula.
Nós estamos enfrentando isso há muito tempo e sobrevivemos porque fizemos a disputa política. Então, o que está dado é a realidade. Nós não temos como mudá-la com uma varinha de condão.
Nova presidência do PT
Eu gostaria muito que a gente construísse uma candidatura de consenso. Tem companheiros se colocando, todos com muita legitimidade. A gente inicia esse processo agora, a partir de janeiro.
Já no dia 5 e 6 de dezembro, nós vamos ter um seminário para falar sobre a realidade brasileira e também os desafios do PT. Uma reunião do Diretório Nacional, que vai sair com um calendário. A partir de março, as chapas que vão disputar o Diretório se inscrevem como os candidatos e candidatas a presidente do PT.
E, obviamente, mais do que definir um nome ou nomes para a direção do partido, nós temos que definir o posicionamento do partido diante da conjuntura que nós vivemos. Uma ação programática para o PT nesse próximo período. Eu acho que é isso que vai definir o perfil e quem vai dirigir o PT.
Então, a discussão política tem que preceder a definição de nomes. Mas todos os nomes colocados têm legitimidade. Eu vou me esforçar muito para que a gente possa ter a maior unidade possível em torno da candidatura do PT, à presidência do PT.
“2026 o nome é Lula”
Para a questão de 2026, o nome é o presidente Lula, eu não tenho dúvidas disso. Nós fizemos, em 2022, uma frente democrática, que foi muito importante para ganhar as eleições. Mas, se não fosse Lula disputar, a gente dificilmente ganharia aquela eleição. E acredito que agora, para 2026, é o presidente Lula também, de novo, que tem esse potencial de fazer a disputa política.
Eu sei que ele tem se colocado à disposição e também tem falado das condições que vai ter em 2026, mas eu acredito que é com o Lula, e defendo isso, que nós temos que disputar 2026.
Comunicação
Acho que a gente ainda tem que melhorar bastante nas redes. Mas, como disse o Felipe Neto em uma entrevista que assisti, o problema das redes também são os algoritmos, ou seja, eles levam a ter mais visualizações e interações aquelas inserções que divulgam, muitas vezes, o ódio, a violência, são estridentes, e não a quem está fazendo a disputa política com propostas.
Porque as redes visam o lucro, não têm uma ética. Por isso é muito importante a gente trabalhar na regulação das redes, para que a gente possa ter paridade de armas nesse mundo para a discussão e o debate.
Resultados do PT nas eleições municipais
Em relação às eleições de 2024, nós, do PT, nunca tivemos grandes expectativas com os resultados.
Acho que havia uma expectativa muito maior fora do PT em relação ao resultado do PT do que dentro, por conta de o Lula ter chegado à presidência. Mas as coisas não são automáticas. O Lula chegou à presidência, então melhorou a performance da disputa do PT em todo o Brasil?
Não acontece assim. É bom lembrar que a gente disputou e disputa política lá na ponta com vários partidos que hoje fazem parte da aliança e da coalizão do governo do presidente Lula. E você não muda as relações de uma hora para outra. E, ainda assim, nós deixamos de disputar em várias cidades para fazer alianças para enfrentar a extrema direita.
E o PT cresceu em votação, mesmo não disputando em grandes centros. Saiu de seis milhões de votos para mais de oito milhões de votos para as candidaturas a prefeito. Nós viemos de um processo de reconstrução.
Nos últimos anos, o PT ficou debatendo o Lava Jato, o lawfare, ficou se defendendo. Essa foi a grande verdade. Fizemos pouco debate sobre a sociedade brasileira, as mudanças pelas quais ela passava, a realidade que estava acontecendo. Porque queriam nos exterminar.
Nós estávamos lutando para sobreviver. Então, o PT se voltou para defender os seus quadros, defender o presidente Lula, se defender dos ataques. E esses ataques causaram muitos danos à imagem do PT, que até hoje reverberam.
É difícil você fazer uma reconstrução de imagem em um período curto de tempo. Nós estamos falando de coisas que aconteceram aí há oito anos e que a gente vem sofrendo. Tivemos um respiro para discutir um pouco de política, para fazer esse enfrentamento, em 2021, quando decidimos que o presidente Lula seria candidato a presidente e começamos uma discussão programática com a sociedade e a elaboração do programa de governo.
Mas nós não podemos olhar as eleições de 2024 dissociadas desse filme que nós vivemos. Porque, senão, a gente corre o risco de cometer erros. Isso não quer dizer que nós não tenhamos que avaliar o que nós estamos hoje fazendo, a forma de organização do partido, de comunicação, de interlocução e de disputa política.
Eu acho que nós temos que fazer várias coisas, ter muita humildade para analisar. Não tem receitas prontas, nem vaticínios, 'é por aqui, é desse jeito, é isso que impede'. Não. Eu acho que a sociedade é muito complexa. Nós temos que discutir essa complexidade.
Por isso que nós vamos fazer agora, dia 5 e 6, um seminário que inicia todo o processo de discussão do PED, que é a sucessão do PT, e que vai durar até junho. Esse debate que a gente inicia, dia 5, vai falar sobre essa nova realidade brasileira, o novo mercado de trabalho, as novas formas de comunicação, os desafios que a gente tem nas periferias e com a classe média.
Não é um único desafio. É como o PT, que é esse partido diverso, pode, de novo, trazer essa diversidade da sociedade, tendo uma pauta comum para o desenvolvimento do Brasil, que permeia todos esses setores.
Eu acho que esse é um grande desafio, e a gente só vai fazer isso com muito debate, com parcimônia, com humildade.
Relação com Fernando Haddad
Eu tenho uma boa relação com o ministro Fernando Haddad. Tenho muito respeito por ele e acho que ele tem se esforçado para acertar a economia do país. Lembro que ele foi responsável por levar a taxação de offshore e outros fundos, retomou o CARF, enfrentou questões de desonerações, e hoje temos mais de 540 bilhões em benefícios tributários.
Já tivemos divergências sobre essas questões fiscais. Não tenho conversado com o ministro Haddad; ele não procurou o PT para expor ou apresentar suas propostas. Pelo que sei, ele está discutindo isso apenas no âmbito do governo.
Agora, parece que pretende, segundo a imprensa, falar com os presidentes do Senado e da Câmara. Acho que é uma discussão mais restrita para evitar vazamentos, embora já esteja bastante pública na imprensa. Mas, de fato, não temos conversado.
Nem com o PT e nem com a bancada. Espero que ele nos convoque para conversar, avaliar as propostas e ajudar no que for possível.