O Senado Federal, por meio do senador Angelo Coronel (PSD/BA), apresentou um novo Projeto de Lei Complementar para regulamentar as emendas parlamentares no orçamento de 2025. A proposta busca aumentar a transparência e melhorar a rastreabilidade dos recursos públicos, com o objetivo de tornar mais claro e acessível o uso das emendas. O projeto propõe que todos os dados sobre a alocação e execução das emendas sejam disponibilizados no Portal da Transparência. Essa medida tem o potencial de proporcionar um maior controle social sobre como e onde os recursos públicos estão sendo aplicados, reforçando a participação cidadã na fiscalização.
Transferências especiais: prioridade e limitações
As "transferências especiais", conhecidas popularmente como "Pix", são uma das principais formas de alocação de recursos através das emendas individuais. O projeto prioriza a conclusão de obras inacabadas como destino preferencial desses recursos, estabelecendo que os parlamentares devem especificar o objeto e o valor de cada transferência. Além disso, as prefeituras e outros entes beneficiados deverão criar contas bancárias específicas para receber os recursos, o que representa uma tentativa de aumentar a transparência e o controle.
Contudo, uma crítica direta ao projeto é a ausência de medidas punitivas em caso de descumprimento das regras estabelecidas ou de desvio de finalidade. Sem penalidades claras, o projeto corre o risco de não atingir seus objetivos de rastreabilidade total. O texto se limita a exigir a identificação do uso dos recursos, mas não estabelece sanções para situações em que os parlamentares ou gestores não cumpram essas obrigações. Essa lacuna compromete a efetividade da proposta, já que obrigações sem consequências tendem a ser menos respeitadas.
Além disso, a proposta não exige uma identificação detalhada dos beneficiários finais, o que dificulta o monitoramento adequado dos recursos. Sem essa clareza, os repasses continuam vulneráveis a práticas de direcionamento político e favorecimento pessoal, o que compromete a promessa de um sistema mais transparente e rastreável. Isso é especialmente problemático em municípios menores, onde a fiscalização é mais limitada e a influência política pode ser mais evidente.
Emendas de bancada e de comissão: falta de foco em resultados
O projeto também regula as emendas de bancada estadual e de comissão, que são coletivas e têm um potencial maior de impacto regional. As emendas de bancada, por exemplo, são destinadas exclusivamente a projetos estruturantes nas áreas de saúde, educação, segurança pública e infraestrutura, entre outras. A intenção é direcionar os recursos para ações de maior relevância social e econômica, garantindo que cada bancada estadual possa apresentar até oito emendas impositivas e oito discricionárias.
Nas emendas de comissão, o projeto estabelece que pelo menos 50% dos recursos sejam destinados a ações e serviços de saúde pública. Isso reforça o foco em um setor crítico, buscando atender demandas históricas da população. Além disso, as aprovações dessas emendas deverão ser registradas em atas públicas, garantindo mais transparência e um controle mais direto sobre as decisões tomadas.
Porém, o projeto não resolve um problema recorrente: a fragmentação dos recursos. Sem critérios mais rígidos sobre a alocação, as emendas continuam suscetíveis a serem dispersas em projetos menores e de menor impacto, dificultando a avaliação de resultados significativos. Essa pulverização de recursos em diversas áreas e iniciativas menores pode diluir o efeito positivo das emendas, especialmente nas áreas de saúde e educação, onde a concentração de investimentos é mais necessária.
Falta de mecanismos de punição e pressão política limitada
Embora o projeto represente um avanço ao exigir a disponibilização pública de dados de execução e destinação das emendas, ele é tímido em termos de controle efetivo. A ausência de mecanismos claros de punição para o descumprimento das regras estabelecidas pelo projeto deixa espaço para que práticas questionáveis continuem. Isso pode prejudicar a credibilidade do sistema de emendas e manter vulnerável o uso dos recursos para fins políticos.
A proposta também surge como uma tentativa de responder às cobranças feitas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por mais transparência e controle nas emendas. Contudo, a iniciativa atual do Senado não atende totalmente às demandas mais amplas por rastreabilidade e fiscalização. O projeto não aborda questões mais profundas sobre a distribuição dos recursos e o controle efetivo do uso das emendas no nível local. A falta de um dispositivo mais rigoroso para identificar os responsáveis pelos recursos e como eles serão usados também compromete o impacto desejado da medida.
Conclusão: avanços limitados e falta de coragem para mudanças reais
O projeto de Angelo Coronel avança em um ponto crucial: a transparência das emendas parlamentares. A proposta tenta criar um mecanismo mais claro e acessível para o controle dos recursos públicos, respondendo parcialmente a uma demanda por mais clareza na aplicação do dinheiro. Medidas como a divulgação obrigatória das transferências e a priorização de obras inacabadas são passos na direção certa. No entanto, são soluções tímidas diante da complexidade do problema.
Ainda assim, o texto escancara sua maior fraqueza: a falta de punições e de um controle efetivo. Sem sanções claras para descumprimentos ou desvios de finalidade, o projeto corre o risco de se tornar apenas mais uma peça legislativa decorativa. Na prática, o que deveria ser um avanço contundente na rastreabilidade pode se transformar em mais um expediente para justificar ações políticas opacas e direcionadas.
Além disso, a manutenção de brechas na identificação detalhada dos beneficiários finais e a ausência de um critério mais rígido para a distribuição dos recursos deixam claro que o projeto não rompe com a lógica de uso político das emendas. Sem uma reforma mais ousada, continuaremos vendo a dispersão de recursos em projetos sem impacto real, diluindo a eficácia das emendas e perpetuando o velho jogo político de barganhas orçamentárias.
Portanto, o projeto representa um passo, mas um passo hesitante e limitado. Se a intenção é de fato construir um modelo de emendas transparente e justo, são necessárias mudanças mais corajosas e estruturais. De outra forma, estaremos apenas reorganizando as peças de um sistema que continua longe de ser verdadeiramente transparente e eficiente.