A aprovação de um projeto que busca transformar clubes de tiro em Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) pela Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados é mais uma medida controversa promovida por parlamentares da extrema-direita. Sob o pretexto de fomentar o esporte e colaborar com a segurança pública, a proposta tenta legitimar e institucionalizar uma atividade que, nos últimos anos, tem sido um símbolo das pautas armamentistas do bolsonarismo e do radicalismo político.
A transformação dos clubes de tiro em OSCIPs vai completamente na contramão do que essas organizações deveriam representar. Criadas com o objetivo de promover atividades que gerem impacto social, como saúde, educação e assistência social, as OSCIPs foram pensadas para atuar em prol da coletividade, principalmente em áreas em que o poder público tem dificuldades de chegar. Equiparar entidades cuja principal atividade está relacionada à promoção e uso de armas de fogo a organizações voltadas para o desenvolvimento social é, no mínimo, uma distorção da proposta original dessas instituições.
O relator do projeto, o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), um delegado de polícia e defensor fervoroso das pautas armamentistas, argumenta que a medida visa a "promoção dos clubes de tiro no país". No entanto, o que fica claro é a intenção de facilitar o acesso às armas e ampliar a influência dos clubes de tiro na sociedade, enquadrando-os em um modelo jurídico que lhes concede benefícios fiscais e facilidades no relacionamento com o poder público.
Oscips distorcidas para fortalecer o lobby armamentista
As OSCIPs foram criadas para atender demandas da sociedade civil organizada em áreas de relevância social. Permitir que clubes de tiro, cuja função primária é treinar e armar civis, se encaixem nessa categoria distorce completamente o objetivo inicial da lei que regulamenta essas organizações. Trata-se, acima de tudo, de um movimento que visa dar legitimidade ao lobby das armas no Brasil, um setor que cresceu de forma exponencial nos últimos anos, impulsionado pela flexibilização do acesso a armamentos durante o governo Bolsonaro.
É inegável que o avanço do lobby armamentista segue um padrão preocupante de normalização da posse de armas e da militarização da vida civil. O que antes era uma atividade restrita e regulada para poucas pessoas com fins específicos, como segurança ou esporte de competição, agora encontra defensores no Congresso dispostos a abrir as portas para a proliferação de armas entre a população, com pouquíssimos entraves.
Regulação enfraquecida e segurança em risco
Se aprovado em definitivo, o projeto traria não apenas benefícios fiscais aos clubes de tiro, mas também facilidades operacionais, inclusive a possibilidade de firmar convênios com o poder público. É importante destacar que essas entidades se tornariam aptas a obter isenções tributárias, que deveriam estar destinadas a organizações com reais propósitos sociais e não a entidades cujo objetivo principal é a prática de tiro ao alvo.
Além disso, o enquadramento dos clubes de tiro como OSCIPs poderia fragilizar ainda mais a já precária fiscalização sobre a posse e o uso de armas de fogo no Brasil. Com menos controle e mais incentivos, o cenário de violência pode se agravar, contribuindo para o aumento dos índices de crimes violentos, que muitas vezes têm relação com o uso de armamentos.
Por trás dessa proposta, está o fortalecimento da narrativa extremista que promove o armamento da população como solução para os problemas de segurança pública do país. No entanto, especialistas em segurança são unânimes ao afirmar que a proliferação de armas em mãos de civis tem efeito contrário, resultando em mais crimes e aumentando a insegurança nas ruas.
Próximos passos
O projeto ainda precisa ser aprovado por outras comissões da Câmara e, posteriormente, pelo Senado. Se levado adiante, representará mais um passo no desmonte das políticas de controle de armas, pavimentando o caminho para que mais clubes de tiro se multipliquem no Brasil, agora com o aval e o apoio institucional da Câmara dos Deputados.
A medida, criticada por organizações da sociedade civil, vai na contramão do que o Brasil precisa para enfrentar sua crise de violência. Transformar clubes de tiro em OSCIPs é um retrocesso que coloca em risco a função pública dessas organizações, enfraquece a regulação de armas e reforça a agenda de radicalização política que há anos tenta legitimar a posse de armas como um direito irrestrito.