SEM ANISTIA

8 de Janeiro: quem são os generais envolvidos nos atos e que ainda não foram punidos

Relatório de CPMI dos Atos Golpistas aponta lista de indiciados do Exército e da Marinha; penas podem chegar a 30 anos de prisão

Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira.Créditos: Fabio R. Pozzebom/ Agência Brasil
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Os atos golpistas do 8 de janeiro completam um ano nesta segunda-feira (8) com uma série de nomes que não receberam punição pelo envolvimento nos ataques às sedes dos Três Poderes, em Brasília (DF). Até o momento, nenhum dos generais do Exército associados ao golpismo foi punido.

O relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas, elaborado desde a instalação da comissão em 25 de maio, aponta uma série de crimes cometidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores na tentativa de golpe.

Os processos judiciais estão sob responsabilidade da Justiça Militar, que ainda não decidiu por uma punição aos investigados. Para o responsável pelo inquérito dos atos golpistas na Procuradoria-Geral da República (PGR), o subprocurador-geral Carlos Frederico dos Santos, a investigação em relação à suposta omissão dos militares das Forças Armadas (FFAA) é "mais complexa".

"Nós não participamos diretamente das primeiras medidas tomadas em relação aos militares das Forças Armadas. O Ministério Público só foi notificado quando já estava tudo pronto."

O Ministério Público Federal, por meio da PGR, pede a condenação dos oito generais do Exército pelos seguintes crimes do Código Penal ou da Constituição Federal:

  • Associação criminosa armada (art. 288): associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes. O delito não exige a prática material de crimes, mas a associação com a finalidade de cometê-los.
  • Abolição violenta do Estado democrático de Direito (art. 359-L): tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais;
  • Golpe de Estado (art. 359-M): a tentativa de depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído; e
  • Dano qualificado pela violência e grave ameaça (art. 163): destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia e "contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos", segundo a Lei nº 13.531/2017.

Os generais sem punição

Walter Souza Braga Netto

General da reserva do Exército, Walter Souza Braga Netto tem 60 anos de idade e é Secretário Nacional de Relações Institucionais do PL (Partido Liberal), pelo qual concorreu à vice-presidência na chapa do ex-presidente Jair Bolsonaro. 

Durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, Braga Netto ocupou os cargos de chefe do Estado-Maior do Exército, ministro chefe da Casa Civil, assessor especial da Presidência da República e, com notoriedade, de ministro da Defesa.

"Após o segundo turno das eleições de 2022, Braga Netto fez parte do que foi denominado como o 'QG do Golpe'", aponta o relatório da CPMI. O grupo era formado por autoridades políticas de confiança de Bolsonaro que discutiam ideias de implementação de planos antidemocráticos.

"O general também debateu a aplicação do instrumento de estado de defesa (art. 136, CF) para situações não previstas no texto constitucional, mesma tese defendida na chamada “minuta do golpe” encontrada na casa de Anderson Torres." 

O relatório pede seu indiciamento pelos crimes de associação criminosa (art. 288), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L) e golpe de Estado (art 359-M).

Augusto Heleno Ribeiro Pereira

General do Exército, Augusto Heleno era ministro de Estado e Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência no governo Bolsonaro, cargo que garantia a segurança do Palácio do Planalto – alvo de ataques no dia 8 de janeiro de 2023.

O documento aponta que o general do Exército teve responsabilidade direta nos atos golpistas e que atuou com intenção de praticar atos contra o Estado Democrático de Direito: "Augusto Heleno esteve presente em diversas reuniões, encontros e circunstâncias que evidenciaram o intuito golpista do então presidente da República".

O relatório ainda indica sua participação em reuniões para discussão das "minutas de golpe", nas quais não demonstrou posicionamento contrário às possibilidades de golpe de Estado. Em setembro, a Fórum atestou que Heleno é autor de áudios golpistas e ameaçadores que se espalharam pelas redes bolsonaristas prometendo uma ruptura política no país.

"Augusto Heleno teve acesso, em reuniões particulares, fora da agenda oficial do presidente, a "minutas de golpe", sem que tivesse se insurgido contra a possibilidade de decretação de ações golpistas, como de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que seria colocada em prática para iniciar a intentona autoritária de Jair Messias Bolsonaro."

O relatório pede seu indiciamento pelos crimes de associação criminosa (art. 288), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L) e golpe de Estado (art 359-M).

Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira

O general foi ministro da Casa Civil e Secretário-Geral da Presidência da República também na gestão do ex-presidente. Segundo o relatório. Ramos se colocou como "um dos porta-vozes e articuladores" das falsas alegações de fraudes no sistema eletrônico de votação nas urnas eleitorais.

O relatório pede seu indiciamento pelos crimes de associação criminosa (art. 288), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L) e golpe de Estado (art 359-M).

Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira

Ex-ministro da Defesa do governo de Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira teria recepcionado o "hacker de Araraquara", Walter Delgatti Neto, em reunião para orientar a invasão das urnas eletrônicas a mando de Bolsonaro em agosto de 2022. 

Segundo o relatório da CPMI dos Atos Golpistas, "o ministro da Defesa do Brasil teria se utilizado de um hacker para descredibilizar o sistema de votação nacional". Nogueira recebeu Delgatti em pelo menos uma das cinco visitas ao ministério da Defesa para conversas com técnicos da pasta. Foi a partir destes encontros que Nogueira entregou-lhe um relatório das Forças Armadas referente a fiscalização de urnas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Após o período eleitoral e a consolidação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente eleito da República, o ministro entregou ao TSE um relatório das Forças Armadas como entidade fiscalizadora das urnas eletrônicas. Foi informado que membros de alta patente do Exército tentaram impedir a posse do petista.

No documento enviado ao presidente do TSE, Alexandre de Moraes, foi declarado que o sistema eletrônico de votação (SEV) poderia estar com a segurança do processo sob risco relevante, em razão da "ocorrência de acesso à rede, durante a compilação do código-fonte e consequente geração dos programas (códigos binários)"

De acordo com a declaração de Delgatti na CPMI dos Atos Golpistas, Bolsonaro lhe deu carta branca para invadir as urnas e mostrar fragilidade no SEV, o que ele não conseguiu realizar. O ex-presidente e incitador dos atos golpistas de 8 de janeiro inclusive ofereceu um "indulto presidencial" no caso de Delgatti ser flagrado ao cometer crime.

Na reunião entre Delgatti com o Ministério da Defesa, na presença de Nogueira, foi revelado que o código-fonte era de responsabilidade e segurança do TSE, e não da pasta. Nogueira teria pedido o acesso ao código-fonte ao TSE, em ofício "urgentíssimo".

O relatório pede seu indiciamento pelos crimes de associação criminosa (art. 288), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L) e golpe de Estado (art 359-M).

Almir Garnier Santos

Ex-comandante da Marinha no governo Bolsonaro e almirante de esquadra, Garnier fazia parte do alto escalão de conselheiros do ex-presidente, tanto de questões militares como políticas. Ele também ocupou o cargo de Secretário-Geral do Ministério da Defesa na gestão do general Fernando Azevedo e Silva.

Ele teria colocado as tropas à disposição de Bolsonaro para o golpe e participado das reuniões particulares dos ministros militares do governo que à época tinham, entre outros, Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, Augusto Heleno e Luis Eduardo Ramos.

Garnier "era o único dos Comandantes das Forças Armadas que concordaria em executar um golpe de Estado junto ao ex-Presidente Bolsonaro", de acordo com o relatório. O Exército e a Força Aérea não teriam aderido ao golpe.

O relatório pede seu indiciamento pelos crimes de associação criminosa (art. 288), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L) e golpe de Estado (art 359-M).

Ridauto Lúcio Fernandes

De acordo com as investigações da 18ª fase da Operação Lesa Pátria da Polícia Federal, os "kids pretos" teriam se infiltrado nos atos golpistas de 8 de janeiro sob liderança do general Ridauto Lúcio Fernandes. O militar é ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde e ligado ao ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, além de ter sido comandante das Forças Especiais (FE).

De acordo com o documento, "as imagens mostram-no claramente em frente à rampa do Congresso Nacional". Ele deve ser indiciado por dano qualificado (art. 163), associação criminosa (art. 288), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L) e golpe de Estado (art 359-M).

"Kids pretos" são um grupo de militares do Exército Brasileiro  que teria dado início às invasões às sedes dos Três Poderes da República, agindo como infiltrados, em 8 de janeiro de 2023. As técnicas militares empregadas pelo grupo, cujos integrantes são ou foram parte do Comando de Forças Especiais, teriam facilitado a tentativa de golpe durante a invasão dos edifícios públicos por milhares de terroristas de extrema direita.

Eles recebem essa denominação em alusão à balaclava de cor preta vestida pelo grupo nas suas atividades. A suspeita de envolvimento dos "kids pretos" surgiu à partir da análise das imagens da invasão, que indicavam uma atuação profissional por pessoas com gorro preto que removeram e manusearam grades para benefício dos golpistas nas sedes do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF).

Marco Antônio Freire Gomes

Comandante-geral do Exército brasileiro entre março e dezembro de 2022, Freire Gomes era superior na hierarquia da instituição do general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, então comandante militar da região do Palácio do Planalto. 

Dutra recebia ordens diretas de Freire Gomes a respeito do acampamento montado em frente ao quartel-general do Exército. Conforme depoimento do general, o comandante-geral ordenou pela não desmobilização: "Freire Gomes teria atuado para cessar a retirada dos acampados nas três ocasiões em que houve a tentativa de desmobilização das estruturas".

"Então, o Comandante do Exército estava acompanhando, viu que o clima na praça havia ficado mais tenso. Ele me perguntou o que estava acontecendo, eu expliquei pra ele o que estava acontecendo e ele determinou que a operação fosse cancelada com a presença da PM e continuasse somente com o Exército, como estava previsto [...]. O Comandante do Exército me ligou, determinou que a operação fosse cancelada com a participação da Polícia Militar."

Ao ser questionado pela deputada Eliziane Gama (PSD-MA) se o general Freire Gomes ligou para ele pedindo pela suspensão da desmobilização do acampamento, Dutra afirmou: "Com a participação da PM e que continuasse desmontando somente com o Exército, como já vínhamos fazendo ao longo do período, e eu mostrei para a senhora, o acampamento bem desmontado lá no dia 5, 6 de janeiro".

O relatório aponta o indiciamento por prevaricação, uma vez que Freire Gomes deixou de executar sua função para satisfazer interesse próprio, "consubstanciado em evidente simpatia para com os manifestantes que estavam cometendo crimes militares, expressa diversas vezes inclusive em depoimento perante a esta CPMI".

O crime de prevaricação está previsto no artigo 319 do Código Penal. Neste caso, o indivíduo retarda ou deixa de praticar, indevidamente, seu ato de ofício, ou o pratica contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. 

A pena é a detenção de três meses a um ano, somada à multa. A pena é mais grave no Código Penal Militar (CPM): seis meses a dois anos de reclusão.

Carlos Feitosa Rodrigues

Então secretário de Coordenação e Segurança Presidencial (SCP), nomeado pelo general Augusto Heleno, Feitosa tinha a incumbência de integração de informações com as outras forças de segurança. 

Em 6 de janeiro, o coordenador de segurança do GSI, coronel André Garcia, em nome do general Feitosa, "enviou mensagem ao Comando Militar do Planalto em que dispensava qualquer reforço de segurança"

O comunicado foi enviado no grupo de WhatsApp "Serviço GSI" e informava que a proteção no entorno do Palácio do Planalto, naquele final de semana, deveria ser feita pelo contingente mínimo de 10 soldados que se revezariam na rampa de acesso e nas guaritas.

"Boa tarde, senhores. O secretário de SCP [Segurança e Coordenação Presidencial], general Carlos Feitosa Rodrigues, agradece o apoio dos dragões no dia de hoje. Pelotão de Choque pode ser liberado da prontidão", dizia a mensagem.

O general seria indiciado por omissão imprópria – isto é, ele poderia e deveria agir para evitar o resultado. O relatório diz que ele tinha a "obrigação normativa de cuidado, proteção e vigilância".

Carlos José Russo Assumpção Penteado

General do Exército e então secretário-executivo do GSI, também foi indiciado por omissão imprópria – isto é, ele poderia e deveria agir para evitar o resultado. O relatório diz que ele tinha a "obrigação normativa de cuidado, proteção e vigilância".

Em depoimento à CPMI, o general Marco Edson Gonçalves Dias, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional do GSI, narra como Penteado atuou no 8 de janeiro:

"Dia 8 de janeiro, domingo. Passei a manhã em casa, recebi uma ligação do Sr. Saulo Cunha. Ele relatou a possibilidade de intensificação das manifestações. [...] Liguei, então, para o General Penteado, Secretário-Executivo do GSI. O General Penteado me afirmou que estava tudo calmo. O General Penteado disse que eu não precisava ir ao Palácio Planalto [...]."