Ao sabor dos ventos e da vontade de se investigar ou não o crime, o nome do ex-deputado estadual do Rio de Janeiro Domingos Brazão voltou à cena como o possível mandante do assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes em 4 de outubro de 2023. Ele já havia sido apontado como suspeito em 2019, mas teve seu nome descartado pelos investigadores logo em seguida.
Em outubro, Brazão foi citado em delação pelo motorista e ex-PM Elcio Queiroz, que dirigia o carro do assassinato de Marielle Franco. Por isso o caso subiu para Brasília e o comando da Polícia Federal. As investigações atravessaram os meses e outro personagem central no crime começou a negociar sua delação premiada: Ronnie Lessa, o atirador que à época, em março de 2018, era vizinho de Jair Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.
No âmbito das tratativas de Lessa, foi revelado na última segunda-feira (22) alguns trechos esparsos do seu depoimento. Entre eles o de que o mandante seria uma "pessoa com foro privilegiado". A informação foi confirmada pela competente jornalista Juliana Dal Piva, do ICL Notícias, famosa por contundentes investigações acerca do clã Bolsonaro.
De acordo com a profissional, Lessa estaria muito perto de fechar o acordo com a PF e os policiais temem que o vazamento de informações a respeito do seu depoimento – e das próprias investigações – atrapalhem a assinatura do acordo. Por isso ainda tentavam manter sigilo sobre o nome revelado pelo ex-PM.
Na manhã desta terça (23) foi revelado o nome dessa "pessoa com foro privilegiado". As autoridades confirmaram que o depoimento de Lessa corroborou com o de Elcio Queiroz e que, de acordo com eles, o ex-deputado estadual, ex-vereador e atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do RJ, Domingos Brazão (MDB), seria o mandante.
A informação de que Brazão foi citado em delação por Lessa foi confirmada pelo Intercept Brasil por fontes ligadas à investigação. Lessa está preso desde março de 2019 acusado de ser o autor dos disparos que mataram Marielle e Anderson. O acordo de delação premiada que ele fez com a Polícia Federal (PF) ainda precisa ser homologado pelo Superior Tribunal de Justiça, o STJ, pois Brazão tem foro privilegiado por ser conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro.
Márcio Palma, advogado de Domingos Brazão disse ao Globo que não ficou sabendo dessa informação. Disse também que tudo que sabe sobre o caso é pelo que acompanha pela imprensa, já que pediu acesso aos autos e foi negado, com a justificativa que Brazão não era investigado.
Domingos Brazão sempre negou em várias entrevistas à imprensa qualquer participação no crime e dessa vez não foi diferente. "Não mandei matar Marielle", respondeu, enfático, a jornalistas do portal Metrópoles que acabam de publicar uma entrevista com ele, em 22 de janeiro de 2024.
Ele aproveitou o espaço para fazer acusações. "Ninguém lucrou mais com o assassinato da vereadora do que o próprio Psol. Não é porque o PSol queira se aproveitar disso. É porque vitimiza e está lá. Não era o PMDB, não era ninguém", disse em certa altura, acusando a legenda da vítima de ter capitalizado politicamente em cima do crime. Ele ainda alega não ter envolvimento com a milícia e que não conhece Elcio Queiroz Lessa. Em outro trecho, afirma ser perseguido pela Polícia Federal.
“Podem estar apontando para proteger alguém (...) Outra hipótese que pode ter é a própria Polícia Federal estar fazendo um negócio desse, me fazendo sangrar aí, que eles devem ter uma linha de investigação e vão surpreender todo mundo aí”, declarou.
Quem é Domingos Brazão
Brazão é desses políticos que completam a cartela do bingo, com acusações de corrupção, fraude, improbidade administrativa, compra de votos e até homicídio.
A ex-Procuradora Geral da República Raquel Dodge o acusou formalmente de participação no assassinato de Marielle afirmando que "Domingos Brazão arquitetou o crime de homicídio contra a vereadora Marielle Franco".
Em maio de 2023, o ex-major do Exército Ailton Gonçalves Moraes Barros foi preso pela Polícia Federal por envolvimento no esquema dos certificados de vacina fake do braço direito de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid.
Na ocasião, foram divulgados trechos de conversa dele interceptada pela investigação. Num deles, Ailton afirma saber quem mandou matar Marielle Franco e que acabou matando também o motorista Anderson Gomes. O ex-major é colega de Bolsonaro da AMAN e fez campanha a deputado estadual nas últimas eleições como "o 01 de Bolsonaro" no Rio. Segundo a coluna de Paulo Capelli no Metrópoles, Ailton disse que quem mandou matar Marielle foi um ex-deputado:
Preso pela PF na operação que mirou Bolsonaro, Ailton Barros disse que o mandante da morte de Marielle Franco é um ex-deputado estadual do Rio de Janeiro. A tese foi detalhada pelo próprio a pessoas também citadas na investigação que alvejou o ex-presidente.
(...) Esse político ganhou ainda mais influência após deixar a Alerj. E já foi, inclusive, investigado pela Polícia Civil no âmbito das investigações sobre a morte da vereadora.
Um nome que preenche os dois requisitos (é ex-deputado e ganhou mais influência depois, já que virou conselheiro do Tribunal de Contas do Estado) e que, além do mais, já foi acusado do crime pela PGR Dodge é o de Domingos Brazão. As investigações, agora nas mãos da Polícia Federal, vão confirmar ou não sua participação no crime.
Líder do clã Brazão
Segundo investigações da Polícia Civil e do próprio Ministério Público, a família Brazão é um importante grupo político do Rio de Janeiro. O clã é suspeito de ligações com a milícia de Rio das Pedras e também com o Escritório do Crime.
Além do líder, Domingos, o clã é composto pelo deputado estadual Manoel Inácio Brazão, mais conhecido como Pedro Brazão, e Chiquinho, colega de Marielle na Câmara na época do assassinato.
Passaportes diplomáticos recebidos de Jair
João Vitor Moraes Brazão e Dalila Maria de Moraes Brazão, filho e esposa do deputado federal Chiquinho Brazão (Avante-RJ), receberam do Itamaraty, durante o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL), o passaporte diplomático em 9 de julho de 2019.
Segundo matéria do Brasil de Fato da época, o parlamentar, que também possui o documento, é irmão de Domingos Inácio Brazão, apontado por Elcio de Queiroz e confirmado por Ronnie Lessa, como mandante do assassinato da ex-vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes.
Domingos era, na época, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), foi acusado de obstruir as investigações sobre o assassinato de Marielle, ocorrido em março de 2018, e suspeito de ser num dos mandantes do crime.
Os integrantes da família Brazão estão em uma lista com os 1694 passaportes diplomáticos emitidos pelo governo Jair Bolsonaro (PSL) até 15 de agosto daquele ano. O Brasil de Fato teve acesso à distribuição dos passaportes por meio da Lei de Acesso à Informação.
Elos com Flávio Bolsonaro
Os passaportes diplomáticos dados por Jair Bolsonaro (PL) à esposa e ao filho do deputado federal Chiquinho Brazão (União) é apenas um dos laços que ligam as duas famílias, que têm laços históricos com a milícia que atua na região de Rio das Pedras, na zona Oeste do Rio de Janeiro.
Mas a relação de parceria vem desde os tempos de Alerj, quando Domingos e Flávio Bolsonaro formaram elos entre si. Domingos Brazão atuou em dobradinha com Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a quem tinha como uma espécie de pupilo.
"Vossa excelência é um deputado jovem e, mesmo assim, percebe-se, não somente pelas suas afirmações de hoje, mas pela sua postura em plenário, que vossa excelência procura preservar o que há de melhor, a maior instituição, que é a família. Infelizmente, há aqueles que apostam no contrário. Vejo parlamentares apresentarem projetos que visam liberar casamento de homem com homem, mulher com mulher e outras coisas. V.Exa., embora sendo jovem, ainda mantém essa postura firme, que, com certeza, é fruto da educação de seus pais, uma questão de criação", disse Brazão dirigindo-se a Flávio Bolsonaro na sessão de 4 de março de 2006 da Alerj.
O elogio ocorreu após o filho de Bolsonaro elogiar o projeto de Brazão para conceder o título de cidadão ao pastor Sebastião Ferreira, da Primeira Igreja Batista de Vila da Penha, que morreu em 2017.
A dobradinha entre Brazão e Flávio Bolsonaro se deu em diversas propostas na Alerj. Em 2014, Brazão foi o relator do projeto de Flávio para criar o programa Escola Sem Partido no sistema de ensino fluminense. No mesmo ano, os dois atuaram juntos na Comissão de Constituição e Justiça da casa.
Milícia e escritório do crime
Além das pautas de costumes, Flávio Bolsonaro e Domingos Brazão faziam dobradinha na defesa das milícias do Rio de Janeiro. Em 2006, quando Marcelo Freixo criou a CPI das Milícias, somente os dois se posicionaram contra.
Delator de Brazão, Ronnie Lessa morava a cerca de 100 metros da residência do clã Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra. Em "A República das Milícias", o escritor Bruno Paes Manso diz que Lessa era "um matador avulso, mas mantinha contatos com o Escritório do Crime e com milicianos de Muzema, ligados ao capitão Adriano".
No livro, o jornalista ainda fala da relação de Lessa "com figurões, como Rogério de Andrade e Domingos Brazão"
"Capitão Adriano", a que se refera, é Adriano da Nóbrega, que comandava o Escritório do Crime e empregou a mãe, Raimunda Veras Magalhães, e a ex-esposa, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj. Segundo MP-RJ, as duas faziam parte do esquema de "rachadinha" no gabinete.
Morto em 2020, o miliciano foi apresentado ao clã Bolsonaro por Fabrício Queiroz, que também tem ligações com a milícia de Rio das Pedras.
Durante as investigações sobre a morte de Marielle, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) apreendeu uma agenda com a esposa de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar.
Na agenda-guia, que deveria ser usada por Márcia para ajudar a família caso Queiroz você detido, há um coronel identificado como amigo de Queiroz e "braço direito do Bração (sic)", uma possível referência a Domingos Brazão.
Na caderneta ainda haviam nomes de pessoas ligados ao clã Bolsonaro e também a Adriano da Nóbrega.
Outro elo entre Flávio e Brazão, que faziam parte da bancada da "segurança pública" na Alerj, é ex-assistente de câmera Luciano Silva de Souza.
Souza foi colocado em 2019 pelo padrinho, Domingos Brazão, o cargo de subdiretor da TV Alerj, o mais alto da hierarquia do departamento, e ficou responsável por gerir um contrato de cerca de R$ 800 mil mensais (quase R$ 10 milhões anuais) com uma empresa terceirizada, a Digilab.
No curriculo, Souza listou atuações em recentes campanhas eleitorais do PSL, como de Flávio Bolsonaro ao Senado.
*Antonio Mello, escritor, blogueiro do Blog do Mello. Saiba mais aqui: linktr.ee/blogdomello
*Com colaboração de Plínio Teodoro, Raphael Sanz e Julinho Bittencourt.